quarta-feira, 25 de abril de 2007

Guarda um cravo pra mim

25 de abril era aniversário da minha avó. Lisboeta ela, com sotaque e tudo.

25 de abril é também a data da queda da Ditadura Salazarista, com a Revolução dos Cravos. Por isso o nome da ponte que eu exerguei da pista de pouso do aeroporto, em Lisboa. No fim de 2002 fazia frio e na ocidental praia lusitana batia um vento que nunca mais senti.

Em Vila Nova de Famalicão, terra de Camilo Castelo Branco, os portugueses sentavam-se às mesas dos cafés, tomavam uma xícara apenas, e por lá paravam o tempo ou encerravam os dias. Mantinham os olhos opacos mirados num ponto fixo inexistente, quiçá imaginário. Rodavam colherinhas nas borras. E faziam as contas em "contos de Escudos" para pagar em Euros.

Em maioria não eram vaidosos, viviam meio descabelados e distraídos. Olhavam feio para os ucranianos, que sentiam vergonha de existir. Faziam pedidos que eu não entendia, mas fingia que anotava. Quer dizer, as velhinhas eram diferentes. Nem sei que raios elas pediam, mas eu nem precisava entender era sempre café. Os patricios se espantavam quando eu servia as minhas desajeitadas tostas mistas. Por sorte, ninguém nunca reclamou com o meu tio, dono do café.

Entre eles, costumavam falar muito rápido uma língua que eu não entendia. Mas as crianças eram quietas, desde sempre melancólicas. Os ciganinhos é que agitavam as portas das escolas. Depois do almoço, eles jogavam games eletrônicos nas lan-houses enquanto imaginavam lutas reais em dialeto andaluz. Soltavam uns xinguinhos que eu adorava, e colocava no meu caderninho mental de expressões adoráveis em línguas desconhecidas.

Meus ouvidos doeram de frio na Foz do Douro. Corri e brinquei numa madrugada alcoólica pelos jardins do Bom Jesus de Braga. Me perdi pelo século XV no Castelo de Guimarães. Passei um ano novo bebendo champanhe sentada no teto solar de um carro parado na estrada (farofa à lusitana)e entrei de roupa e tudo no mar gelado de madrugada, em Póvoa de Varzim. Olhei as cidades e as luzes de mãos dadas com quem eu queria.

Eu não trouxe um cravo sequer.

7 comentários:

Aurora Combs disse...

Nossa...que coisa bonita...bonita mesmo, de verdade...
Orguio da titia.
=)

Ariel disse...

Bello, bello.

Anônimo disse...

marcou bem, voltou até com o gostinho da melancolia regional.

Mari Marcondes disse...

Muito bonito, Rê...

Anônimo disse...

Renata!

Faz tempo que não comento aqui... Senti falta do teu espacinho!!!

Sabe, li a tua bela história e não pude deixar de lembrar de alguns fatos que voltaram a minha lembrança!

O aeroporto de Lisboa marcou muito a minha viagem para a França. Afinal, foi a minha entrada e saída (um mês depois) da União Européia.

Nunca vou esquecer os intermináveis interrogatórios na polícia alfândegária e a corrida em pleno aeroporto para não perder o meu vôo rumo a Paris.

Conheci pouco de Lisboa - apenas os caminhos do enorme aeroporto e a visão nos momentos de decolagem e aterrisagem. Mas garanto que guardo boas recordações do pouco que vi.

Além disso, Lisboa me propicionou uma amiga muito querida - que conheci na França, mas é uma legítima portuguesa. E um senhorzinho, muito simpático, que foi meu colega de vôo nas 10 horas de volta para o Brasil.

Ele me marcou muito - cuidou de mim no começo da viagem, quando estava com febre, e conversou muito comigo - sobre política, religião e política da UE - nas horas antes da aterrisagem brasileira.

Resumindo: teu post foi um ótimo ressucitador de lembranças...

Beijos carinhosos :)

descompassada disse...

mi casa su casa.
LINDA.

Aline disse...

Ah,desculpe, o comentário é só para o link mesmo. Estou cansadéesima!;)

gostei muito de dividir a pauta do livro com você!

um beijo!

aline