quarta-feira, 29 de julho de 2009

Canções de chuva na cidade proibida

Algumas canções me lembravam chuva. O som da chuva - silêncio & exílio. Eu tinha medo, tinha sombra e também solidão quando as tardes desaguavam repentinas, e por isso me comunicava no idioma secreto de Tar - embora eu nunca tenha estado em Tar - cercada de pernas gigantescas & pessoas com muita seriedade na vida. Depois fui saber que toda chuva é feita de saudade ou de memória do futuro, como a maioria das canções: você só precisa escolher a sua chuva e guardar pra ela uma canção. Desde então, passei a colecionar saudades & memórias, além de guardar canções para diferentes chuvas.

Eu sou daquelas com facilidade de fundir e separar. Primeiro eu junto tudo. Aí separo as roupas por cores, os sonhos por estações, os filmes por gênero e as canções em duas categorias mundiais: "sol & grama" e "grama & chuva". Odores acompanham. De toda a classe dos cheiros, os mais fáceis de guardar são das flores de cemitério, limonada de garrafa térmica, grama, e chuva. Por isso mesmo é muito fácil sonhar. Basta ouvir a primeira nota, e pronto: o cheiro vem fácil. A grama, como sempre, gruda no corpo e traz consigo um país de formigas.

Não basta ter canção & chuva, tem que saber filmar. Já guardei canções para tempestades londrinas, gotas frias de Moscou e ano novo em Paris: sempre à noite. Tem também uma que eu guardei pra contar até 15 de olhos fechados no meio do viaduto vazio, e uma para se equilibrar na guia [em fase de testes desde 1995]. E claro, já escolhi também a do momento exato em que que o espermatozóide corre feito um raio, triunfante, até fecundar o óvulo e fundir-se, exausto, numa célula mágica, enquanto eu brinco de nado sincronizado nos lençóis e cortinas do quarto azul. Estaremos vagabundos e radiantes, num hotel fantasma à esquerda do portal para a cidade proibida. Nos olharemos pelo breve instante que antecede uma pequena explosão do outro lado da rua. Fade out.


sábado, 25 de julho de 2009

Faz frio & fogo em São Paulo

Visitantes 4*

nosso espaço
é o espaço do terrível
o pântano
varrido por ventos mornos
atravessando os flautins de sargaços
a noite definitiva e o grito congelado
penetremos aos poucos
neste jardim de negações
onde a palavra pede mais espaço
não há mais muita vida
sobre a face deste planeta
talvez em algum lugar
ainda se ouça o vento soprar entre as árvores
vozes ao longe preenchendo o vale
latidos de cachorros na distante encosta da montanha
transformemo-nos em planta
em raiz
ou minério bruto
para que seja possível conversar
SOBREVIVEREMOS

Claudio Willer, em Jardins da Provocação (1981)

* E um dedo do meio ao Blogger, que não manteve o desenho original do poema

sexta-feira, 17 de julho de 2009

As metades da laranja

Pois bem, criançada. Depois de constatar que o Fabio Jr. está ficando com a cara do Michael Jackson, resolvi fazer uma homenagem ao sex symbol eterno das nossas tias que usam laquê. Ok, é verdade: elas engordaram e não usam laquê faz tempo. Mas eis aqui uma breve compilação de 50 exemplares do "tunnel of love". É o TOP 50 cafoninha, que a gente adora. Quero dizer, daqueles arranjos datados, aquela coisa kitsch que a gente canta, esperneia e se descabela quando toca. E afinal de contas, somos subversivos: a inteligentsia (sic) recrimina. Mas aqui todo mundo tem palpite, nada contra o clichê. Vamos tomar champanhe! Pra a gente sorrir, até Sidra Cereser é motivo. Have fun, my babies. Deixem suas listinhas penduradas aqui na porta da geladeira antes de ir embora.

1) "My Cherie Amour" - Stevie Wonder
2) "Liberian Girl" - Michael Jackson
3) "If I Can´t Have You" - Yvonne Ellman
4) "Sorte" - Gal Costa
5) "Avalon" - Bryan Ferry
6) "Simply The Best" - Tina Turner (Duas versões: Ayrton Senna batendo palminhas nao backstage do show na Austrália e Colação de Grau da glorisa Fundação Cásper Líbero)
7) "It Must Have Been Love" - Roxette
8) "Coming Around Again" - Carly Simon
9) "Do Ya Think I´m Sexy?"- Rod Stewart (plágio do Jorge Ben)

10) "Eyes Without a Face"- Billy Idol
11) "Dancing Queen" - Abba
12) "Hello" - Lionel Ritchie
13) "Don´t Let The Sun Go Down On Me" - Elton John e George Michael
14) "Sexual Healing" - Marvin Gaye
15) "I´ll Remember You" - Skid Row
16) "Noite Preta" - Vange Leonel (em homenagem à Claudia Ohana)
17) "Last Train To London" - Electric Light Orchestra
18) "Just Another Day" - Jon Secada (que a tia Vilda chamava de "Morenão")
19) "La Isla Bonita" - Madonna
20) "We Are The World (Iarnuou)" - Michael Jackson e Lionel Ritchie (vai dizer que não rolou nem uma lagriminhano showneral?)
21) "Canção da América" - Milton Nascimento
22) "My Love" - Paul McCartney
23) "Caruso" - Lucio Dalla (quase infartando no refrão...)
24) "Cose Della Vita" - Eros Ramazzotti
25) "What a Fool Believe" - The Doobie Brothers
26) "Time After Time" - Cindy Lauper (Miles Davis, direto de sua nuvem, diz que concorda)
27) "The Logical Song" - Supertramp
28) "Sweet Caroline" - Elvis Presley (da fase gorda & suada)
39) "Como Eu Quero" - Kid Abelha (vai dizer que você não cantarola, seu indiezinho mala?)
40) "Uma Noite e Meia" - Marina Lima
41) "Menino do Rio" - Baby Consuelo
42) "Crying In The Rain" - A-ha (preciso contar: já fui a um show do A-ha!)
43) "A Matter Of Feeling" - Duran Duran
44) "Call Me" - Chris Montez
45) "Detalhes" - Robertão & Tremendão (ok, já virou cult faz tempo)
46) "Moto-Contínuo" - Chico Buarque
47) "Wasting Love" - Iron Maiden
48) "Calling You" - George Michael (tenho uma ligação especial com essa versão)
49) "Mustapha" - Queen
50) "By My Side" - INXS
51) "Fera Ferida" - Maria Bethânia (original do Robertão).
52) "Senza Fine" - Gino Paoli
53) "Bad Boys" - Miami Sound Machine
54) "Testardo Io" - do Robertão de novo, mas na voz da Iva Zanichi, na trilha sonora do "Violência e Paixão", filme de Luschino Visconti.
55) "How Deep Is Your Love?" - BeeGees













quarta-feira, 8 de julho de 2009

Absurdos que o povo fala - o caso Michael

Michael X Madonna
Donna Madonna é mesmo uma velhinha esperta. Tratou logo de disfarçar a indiferença e botar um sósia manjado do proclamado king of pop pra dançar em seu espetáculo robótico. Pô, eu curto Madonna. Mas alguns fãs de Michael Jackson - tão massacrado pela opinião pública por conta de seus nunca provados abusos sexuais contra menores - trataram logo de destilar o moralismo encubado contra a proclamada queen of pop chamando-a de piranha, promíscua e pervertida diante de qualquer tentativa de comparação entre os dois. Depois reclamam que a coisa sai do plano artístico para o plano da baixaria com o queridão deles.

Michael X #forasarney
Nenhum twitteiro brasileiro da minha lista deixou de botar para fora sua indignação (sic) contra o nosso ex-presidente nas últimas semanas. Marcelo Tas chegou ao cúmulo de proclamar a revolução política do twitter (ok, vou até ali dar uma risadinha e já volto). Um protesto de "carne e osso" foi acertado pela internet. Mas no vão do MASP, só compareceram 70 gatos pingados. Como não temos a Copa do Mundo para culpar, jogaram a responsa no king of pop. "O Brasil é uma nação de idiotas que prestam mais atenção em Michael Jackson do que nos problemas do país". Há ainda os partisans furiosos que se dirigem aos fãs do king of pop como "colonizados pelo imperialismo americano". Brasileiro que é brasileiro cultua o Pelé e Roberto Carlos. (Agora é sério: vou acender um cigarro no quintal enquanto isso...)

Michael X maravilhoso mundo da opinião pública, parte MCXXVIII
Um deputado americano republicano dispara: "é um absurdo que a nação se comova pela morte de um cidadão da pior espécie, um pervertido, uma ameaça às nossas crianças". Na internet, o lindo e maravilhoso advento da inclusão digital nos garante mais um show de moralismo dos horrores. "Michael Jackson era um pedófilo, deve estar num inferno, e vocês são todos uns demoníacos que defendem esse monstro, que só fez mal para nossas crianças". Quê? "Nossas crianças"? Tá esperando o que pra pedir uns milhões pra família, hein fulano?

Michael X Beethoven
"Gente burra! Como é que pode? Esse mundo já teve Beethoven, vocês querem dizer que um cantorzinho que anda pra trás que nem caranguejo é gênio?". A julgar pela equação exemplar, o ensino de álgebra precisa mesmo melhorar muito no Brasil.

Michael X mass media X gossip media
Michael Jackson foi, entre todos, o artista que mais conseguiu atingir pessoas através de uma bem acertada exposição de música, dança e videoclipe na mídia mundial. E foi talvez a mais incompetente figura do showbizz para administrar-se como instituição e como imagem, sendo posteriormente destruído pela própria mídia, e canonizado após a morte. "Santificado seja o vosso nome", mas em partes. Na pressa de arrecadar antes que a fofoca se esgote, o sangue frio do cadáver não pára de pingar na boquinha seca dos vampiros de sempre. E o povo gosta!

Michael X país boçal dos críticos meia-bomba
"Essa comoção em torno de Michael Jackson não procede, pois ele não produzia nada musicalmente há anos, estava fora de forma, e sequer conseguiria fazer esses 50 shows em Londres". Ah sim, eles têm bolas de cristal. E agora vão dizer que o JD Salinger não é necessário porque não escreve nada há décadas, ou Raduan Nassar não presta mais porque largou a literatura para criar galinhas? "Vão todos se catarem", diria o sábio da concordância verbal.

Michael X imprensinha blasé & academicuzões (sic)
A capa da revista piauí deste mês avisa logo de cara: "nenhuma linha sobre Michael Jackson". Pô, legal a piada. Mas aí veio o Eugênio Bucci no Observatório da Imprensa para ridicularizar a cobertura do funeral show e endossar a postura da piauí. Eugênio Bucci e a mesma inteligentsia pronta & generalista, tentando ridicularizar a comoção pela perda do artista. Ok, somos todos palhaços do circo do show-funeral, right? Mas os comentários dos leitores são verdadeiros cases do pseudo-pensamento. Alguns afirmam que Michael Jackson é "cultura de baixa qualidade" e associam o cantor às celebridades da revista Contigo. Outros comemoram que a "gloriosa" piauí - e sua posturinha blasé (que sono!) - esteja acima de Michael Jackson. Eu gosto da piauí. E adoro Michael Jackson. Quanto à minha "cultura de baixa qualidade", Eugênio Bucci & los intelectuales de siempre devem ter a resposta. O problema é que eles me dão mais sono do que a piauí.

Michael X esgotamento midiático X funeral show
Eu não acho que milhões de pessoas no mundo inteiro estiveram interessadas no funeral de Michael Jackson só porque é um evento de mídia. É óbvio que há um esgotamento do assunto. Mas boa parte da comoção mundial ocorre porque, assim como explicitei nos textos abaixo, a ligação visceral das pessoas com o artista existe e não pode ser ignorada. Para alguém que viveu sob os holofotes por mais de 40 anos, queriam que fizessem o quê, um funeral privado no Cemitério da Cachoeirinha? No final, não achei a cerimônia de mau gosto. Com 11 anos, a filha Paris resolveu dizer algumas palavras e se dirigiu ao pai como "o melhor do mundo". E apesar de tudo que a gente passa nessa vidinha de merda, aposto que eu e você diríamos a mesma coisa sobre os nossos velhos. Não demorou nada para que alguns dissessem que Paris "não tem moral para falar, já que não é filha biológica do cantor". Há ainda os que afirmam que a menina só disse isso porque foi "orientada por algum advogado da família". Diante de tais opiniões e argumentos, alguém realmente acha que o funeral show é o problema? Mórbido & bizarro é sempre o vizinho. Não é verdade?

Imagens: Flickrs de Desiree Delgado, Joel Willys e site KibeLouco.