quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Um cinema físico e emocional*

Vou começar a reproduzir aqui algumas reportagens e entrevistas que fiz ainda entre o 2º e o 3º períodos do curso de Jornalismo na gloriosa Faculdade Cásper Líbero, originalmente publicados no site de Cultura Geral da instituição. Aliás, fui editora do tal veículo laboratório em 2007. Acontece que boa parte desse conteúdo se perdeu na migração do antigo para o novo site da faculdade e a única maneira de recuperar os textos mais velhinhos do meu portfolio é apelar ao arquivo impresso que eu guardava numa pastinha [coisa de gente criada com vó].

Call me very very brave, estou me arriscando. Não sei se é vaidade ou só autocrítica mesmo, mas acho que poucos jornalistas, escritores e outros seres dos mesmos filos, classes e ordens gostam de ficar submetendo textos do passado ao público presente, mesmo que sejam 2 ou 3 leitores. Em 2007, o intuito e o público eram outros e eu tinha muito menos treino, seja lá o que isso signifique. No entanto, acho que existem aí algumas informações relevantes e, de vez em quando, preciso ter esses textos à mão.

O primeiro deles é sobre a cineasta argentina Lucrecia Martel, uma das minhas preferidas. Ela esteve em São Paulo no começo de 2007 para uma palestra na Academia Internacional de Cinema.

Voltamos em instantes com a nossa programação normal.

Aguente firme!

abraços,
R.D.

foto[amadora]: Renata D'Elia


Um cinema físico e emocional

Por Renata D'Elia [fevereiro de 2007]

Numa sala da Academia Internacional de Cinema de São Paulo se reúnem estudantes de cinema, fãs, jornalistas e curiosos. Sentada num sofá vermelho está a cineasta Lucrecia Martel. No intervalo entre as duas sessões de debate, tira fotos, ajeita as oculos e pergunta: "Chá é o mesmo que té, não? Vocês tomam gelado? Prefiro quente, por favor".

Aos 40 anos, seus longas lhe renderam a fama de expoente do novo cinema latino. "O Pântano"(2000) e "A Menina Santa" (2004) se destacam em estética e temática, e revelam 0 olhar crítico e afinado da diretora. Durante uma hora e meia, na noite de 8 de fevereiro, ela explicou sua forma de fazer cinema.

Lucrecia começou dirigindo pequenos filmes para a televisão e, ainda nos anos 90, realizou seu primeiro curta, "Rey Muerto". Esta 'pequena escola de cinema', como ela mesmo define, serviu como rito de passagem para a representação de suas próprias ideias e sensações. Interiorana de Salta, uma cidadezinha a 1600 quilômetros de Buenos Aires, admite que seus filmes são autobiográficos. "O cinema permite compartilhar minha percepção do mundo. Minha narrativa é feita de experiências muito pessoais. Ainda que eu filmasse Alien 6, seria autobiográfico. O cinema deve ser regido pela experiência emotiva e física de alguém".

Para ela, é uma pena quando a narrativa cinematográfica se define unicamente ao sentido de começo, meio e fim. 0 cinema é um exercício de percepção onde é muito mais válido identificar-se com palavras, atos, gestos e sensações do que prender-se a explicações. "Existe uma caricatura do cineasta que vive atrás das lentes, preocupado em focar e enquadrar. É como se limitassem o corpo à visão e reduzissem toda a percepção humana ao olhar. Para mim, o cinema e basicamente uma experiência sonora". Seu grande desafio é ter o controle da experiência mais intima e física de cada cena. "A montagem se parece muito com 0 exercício de memória. E a memória é seletiva e emotiva", afirma.

"Minha narrativa é feita de experiências muito pessoais. Ainda que eu filmasse Alien 6, seria autobiográfico. O cinema deve ser regido pela experiência emotiva e física de alguém".

Ambientado em uma cidade do interior, "O Pântano" foi recebido por crítica e público como um retrato perspicaz da decadente classe media argentina. "Nada me dá mais felicidade que a decadência". Sua decisão no entanto, é a de retratar os períodos de transição e ambiguidade, seja política, religiosa, familiar ou sexual. "0 cinema era a única experiência em que eu sentia que podia participar da vida política. Minimamente, é claro".

De todas as ambiguidades, a mais provocadora talvez seja a sexual. "Crianças não são inocentes, mas sim curiosas e amorais. Nada me irrita mais que uma criancinha terna! Reduzir uma criança à inocência é tirar dela todo o mistério e potência que envolvem uma criatura", dispara. "Em Valentin, de Alejándro Agresti, de quem gosto muito, 0 menino fala como adulto. Por isso não uso texto com crianças. Se alguém quiser matar a espontaneidade delas, basta dar-lhes um roteiro para decorar".

Por ora, Lucrecia prepara a rodagem de seu novo longa, "La Mujer Sin Cabeza", que deve acontecer a partir de junho. Recentemente rodou um documentário sobre os condomínios fechados nas grandes cidades. Em pouco mais de 4 minutos de filme, ela denuncia comunidades que contrariam a ideia de espaço público e cidadania. "Trata-se de uma ideia norte-americana que se adequou às desigualdades sociais da America Latina, onde uma classe se protege de outra. Entre um muro e outro há uma cidade vazia. Quem vai transitar por ela?". Lucrecia Martel parece transitar por seus mundos com uma facilidade incrível.

domingo, 16 de janeiro de 2011

Pensata Winehouse


Foto: Fernando Borges/Terra


Você lerá meia dúzia de deslumbrados e habitantes do mundo cor-de-rosa escrevendo muita coisa sobre os shows de Amy Winehouse em Florianópolis, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo nesses primeiros dias do ano. Não acredite neles. Diferente do publicado em alguns sites noticiosos durante e logo após o show de ontem, no Anhembi, Amy Winehouse passou longe de emocionar ou divertir a maioria dos 30 mil presentes.

Não quero fazer a ave de rapina: ao contrário de alguns membros do Núcleo Sádico & Bufônico da Vila Olímpia, eu não teria pago ingresso para ver uma artista em decomposição encher a cara no palco, tirar a roupa, sair na mão com alguém e fazer algum tipo de escândalo. Tampouco torci para que as coisas dessem errado com Amy Winehouse. Mas diante de opiniões e resenhas completamente desencontradas sobre os primeiros shows, fui ao Summer Soul Festival com expectativas moderadas.

O festival foi aberto com Miranda Kassin e André Frateschi, bastante entrosados ao vivo, ao lado de uma banda que animaram o público na tarde de sábado. Mayer Hawthorne e Janelle Monae fizeram apresentações de abertura tecnicamente melhores, além de mais calorosas e energéticas do que a de Amy Winehouse. Não são ainda artistas completamente moldados, especialmente para os grandes públicos, mas tem bandas competentes e bom repertório. Mayer ganhou o coro do público no início da noite com o hit Maybe So, Maybe No. Mas foi Janelle quem surpreendeu os desavisados com uma vibrante performance vocal acompanhada por músicos afiados, renovando as bases do pop, soul e R&B deixadas por Michael Jackson e os artistas da Motown, décadas atrás. Rolou até um moonwalk. Performática e imagética, Janelle mesclou momentos eletrizantes -- como o hit Locked Inside -- a uma convincente versão quase acapella de Smile, de Charles Chaplin. Se continuar nessa trilha, deve tirar ainda muitos coelhos gordos da cartola.

Amy Winehouse subiu ao palco com atraso e se apresentou por pouco mais de uma hora. Pouco, comparado à média dos shows internacionais que estão atracando por aqui. Talvez suficiente para quem tem 2 discos lançados. O problema é que, mesmo com uma boa banda, Amy não emprestou um pingo de emoção a canções naturalmente carregadas de emoção. Cantou como quem trabalha de bode numa manhã de segunda-feira. Apostou num repertório mais intimista na primeira metade do show -- o que talvez caísse melhor num espaço fechado e pequeno, onde Amy não precisaria encarar tanta gente de frente -- mas nem isso fez com paixão e passou longe dos seus melhores momentos vocais. Não parece lá muito bem. Aliás, parece não se importar.

Zalon, seu backing vocal, entra com mais energia que ela. Nem Rehab empolgou o suficiente. Na segunda parte, com Valerie e I'm No Good, a coisa parecia que ia decolar. Mas não vingou. Olhando para trás, era possível ver gente aos montes deixando o show antes do fim. Para quem endeusa Amy Winehouse como a grande diva dos nossos tempos, o que foi apresentado ao vivo é bem pouco. Parece mais um triste desperdício de talento -- que já passei a questionar -- e uma bela falta de consideração com o público.

Na Europa ou nos Estados Unidos, Amy Winehouse emplaca, no máximo, um lugar no topo dos decadentes pops. Ao vivo, é só farsa.

Orelhadas: ouvindo a conversa de estranhos no Summer Soul Festival

"Achei muito ruim ter que ficar assistindo um monte de bandas até ver a Amy. Se eu soubesse, não teria vindo cedo", comentava a moça na saída.

"Vim aqui pra ver Janelle Monae. Se a Amy cantar bem, é lucro", disse um cara simpático na fila da cerveja.

"Vim aqui ver Janelle Monae. Amy Winehouse já tá over", disse a modernosa de plantão.

"Quem é esse, o Tobey Maguire?", disse a patricinha sobre Mayer Hawthorne, na saída do banheiro.

"Quem não gosta de Amy não entende de música", disse a Estátua da Liberdade made in Vila Olimpia, estacionada em minha frente.

Por que não ir a festivais no Brasil?

Deve ser engraçado ler este blog. Você chega aqui e me vê relatando sempre os mesmos problemas em diferentes festivais e shows no espaço de meses. Tem gente que acha que é birra. Eu acho apenas que os problemas às vezes soterram a diversão. E -- veja só que coisa! -- agora nem a tal da Pista Premium escapa do Brazilian Várzea Style! Vamos à lista:

1) Fila desgraçada no bar, muvuca pra entrar e sair dos banheiros, cerveja quente -- que passou a ser servida em lata, contra as normas de higiene e segurança recomendadas para eventos como este -- e por fim, falta de água, refrigerantes e cerveja. Uma das atendentes dos pontos de venda da Antarctica Sub Zero chegava a gritar com as pessoas que esperavam o troco.

2) Tudo isso só não é pior do que as pessoas se esbarrando, derrubando coisas, pedindo, gente querendo filmar o show inteiro enquanto reclama que os outros se mexem, gente que ser sentar numa rodinha para jogar pôquer e se acha no direito de pedir que você não encoste a perna nas costas da amiguinha espaçosa.

3) Gente que vai a shows porque é hype ir a shows. Gente que se importa muito menos com música do que com a foto no show da "louca" da Amy Winehouse para postar no Facebook no dia seguinte.

4) Má visibilidade do palco e som baixo na maioria dos pontos da arena. Telão com falhas no show principal.

5) Na hora da saída, muito trânsito nas imediações do Anhembi. Pouca segurança nas imediações. Milhares de pessoas se dirigiram a pé por quilômetros até as avenidas Santos Dumont, Voluntários da Pátria e Cruzeiro do Sul ou para a Marginal Tietê. Gente amontoada nas calçadas esperando taxis que não passavam nunca. Radios-taxi com ligações congestionadas. A cena continua até o Terminal Rodoviário Tietê, onde também não havia taxis. Consegui um taxi após quase 2 horas do fim do festival.

6) Uma vez, entrevistando a Fernanda Takai, do Pato Fu, ouvi: "show tem que ser em horário de gente, tem que terminar em tempo das pessoas conseguirem pegar um ônibus, conseguirem jantar em algum lugar, dormir direito durante a noite". Está certíssima. E juro que não é porque estou embalzacando (bem mais saudável que a Amy).