segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Watch more TV

,
Minhas histórias com o U2 começaram há mais ou menos 13 anos, quando comprei meu primeiro exemplar do álbum WAR e também de Zooropa e, quase em seguida, de Pop. Até que chegou 31 de janeiro de 1998 para uma Renata de rabo de cavalo & cheia de espinhas adolescentes na testa, portando um ingresso mágico comprado por R$60 [inteira] , impresso em papel azul, e algum dinheiro para gastar em tranqueiras como a bóia amarela gigante oficial da Pop Mart Tour e, finalmente, assistir a banda ao vivo, a muitas cores, direto do anel superior do estádio do Morumbi.

Duas semanas depois de balançar e ser alçada feito mola para todos os lados de uma geleia humana completamente deslumbrada -- e aquelas roupas de músculo? e aquela azeitona pendurada num palito que ficava ponta do palco? e aquele bigodinho mexicano pilantraço, hein The Edge? e aquele limão prateado que abria em Discotheque? puta que o pariu, o que era Discotheque? -- iniciei a prática de cabular aulas para visitar, clandestinamente, cada um dos andares da Galeria do Rock.

Funcionava assim: minha avó me dava uns 2 ou 3 Reais por dia para gastar no lanche. E eu usava um uniforme Capitão América. E também guardava uns passes de ônibus na carteira. A tática era guardar todo o dinheiro do lanche de segunda a sexta e, no extremo caso de fome, filar umas coxinhas da galera no recreio [deu certo por um tempo, até que as pessoas começaram a fugir]. Então chegava a sexta-feira e eu, sorrateiramente, me fingia de morta no busão para passar direto pelo ponto da escola e descer na Praça da República, avançar pelos mijódromos municipais do centrão, e grudar feito uma rã nas vitrines daquele buraco. Era uma oferta enorme: coisas oficiais novas e usadas, importados, bootlegs piratas, produtos japoneses com encartes malucos, fitas VHS copiadas das cópias com shows das minhas bandas preferidas em mil novecentos e bola, concertos filmados com aparelhos semi-profissionais.

Mas eu só tinha 10 Reais. E não podia falhar. Quem tem só 10 contos não vai gastar no disco da nova bandeca islandesa que viu no Lado B da MTV com Fabio Massari, né? E assim, foram comprados Boy, October, Rattle and Hum, The Joshua Tree e também uma fita pirata chuviscada com um vídeo de um show do U2 em Berlim, 1981, para não mais que 300 pessoas. O almoço vinha sempre no dogão do boliviano da frente, que aceitava passe de ônibus, e que nunca me matou com uma infecção alimentar [deve ser porque minha mãe me abastecia com anti-vermes anualmente; eram pílulas azuis e vermelhas, como as de Matrix]. Sem passes e sem dinheiro para a volta, o Capitão América versão feminina passava por baixo da catraca do busão e sentava no banco mais alto, felicidade total.

Foi numa madrugada de domingo pra segunda, janeiro de 2006, que São Paulo virou praia. Como se fossemos um bando de vagabundos irresponsáveis -- e provavelmente éramos -- nos alinhamos, centenas, numa fila que dava voltas no quarteirão do Pão de Açucar de Santana onde, um dia, alguém teve a genial ideia de vender ingressos para os shows do U2 no Brasil. Sacolas de feira, cadeiras de piscina, cangas -- quiçá, até bóias --, esteiras, cobertores, travesseiros, baralhos, rádios com caixinhas de som, e algumas baratas que nos visitavam por ali. Histórias sobre o show do U2 em Milão, a política de promoção dos concursados do Banco do Brasil, trepadas ilustres entre famosos em aviões da Varig, a crise na Varig, será que vai dar certo esse show dos Rolling Stones em Copacabana?, o Rio de Janeiro não tem jeito, eles nem têm show do U2, CHUPA RIO DE JANEIRO!, o Marcelo Tas falou que fã do U2 é tudo idiota, foda-se o Marcelo Tas, ela fez uma tatuagem do U2 no braço, é minha amiga, mas não acho que ela é doida não. O lance é trazer de casa pão com patê: esse mercado é muito caro e os funcionários não gostam da gente.

Em fevereiro de 2006, vi Rolling Stones e U2 num intervalo de 3 dias.

Mas era madrugada de domingo pra segunda, outra vez, quando eu nem precisei pagar ingresso. O set list foi meio bunda -- muito rockinho-pop 2000´s pro meu gosto --, as politicagens do Bono me dão brechas para estourar pipocas, botar mais gelo nessa coca-cola meio choca, e voltar pra tela porque não tem I Will Follow, mas tem Ultra Violet, e Ultra Violet é sempre tão bonita, você não acha? O u2 não está na TV, mas está no Youtube, nessa megalomania muito louca & brilhante ao mesmo tempo que começou com ZOO TV, foi pros caroços das azeitonas gigantes, depois para um palco em forma de coração, e depois pra uma ferradura [eu vi, eu vi!], e agora numa garra, num palco redondo, no meio do estádio: ninguém sabe pra onde olha.

É o Bono com essa jaqueta horrorosa outra vez. Errando a letra, rodando sem parar num microfone redondo, por todos os lados. Larry Mullen, bonito que nem Ultra Violet. Adam Clayton tem um baixo rosa-choque & branco. E o The Edge tem uma verruga no braço direito, que não passou no Youtube, mas eu vi. Eu vi o U2 na TV, que não era bem uma TV, era só uma tela. E no fim, não teve frio na barriga nem nada, mas deu pra sorrir. Também não teve The Fly mas eu, que já sou bem grandinha, continuo achando tudo isso muito cheio de cor, de música, e das emoções pessoais & coletivas que eu ainda preciso pra viver.

*U2webcast, transmissão ao vivo via satélite pelo Youtube para 1 milhão e meio de pessoas, do show realizado ontem em Los Angeles, no estádio Rose Bowl. 360º Tour.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

This is Shit*

This Is It não era inédita. Mas chegaram a publicar que a nova música de Michael Jackson era roubada. Como diria Paulo Maluf, "é mentira". Ninguém até agora se retratou.

Deu merda, Brasil. This Is It, canção inédita do finado Michael Jackson lançada ontem pela Sony Music, de olho na promoção do documentário homônimo sobre a preparação para os últimos shows do ídolo pop, não era tão inédita assim. E a confusão em torno dela não para por aí.

A música foi divulgada como composição vintage de Michael Jackson; a produção da faixa ocorreu após a morte do cantor, em duas versões: radio e orchestra, com backing vocals dos Jackson 5 remanescentes. A gravadora não havia fornecido detalhes sobre o ano de gravação. Também não se sabia em que ponto estava: teria Michael gravado somente uma demo em piano e voz, como de costume? Ou a faixa estava pronta e só recebeu um tapa?

A bomba chegou horas após o lançamento oficial, à meia-noite do dia 12, no site oficial do cantor. Segundo o The New York Times, a composição data de 1983, numa parceria de Michael com o crooner Paul Anka, que alegava não ter recebido créditos e royalties pela faixa. E tampouco era inédita: inicialmente, figuraria num álbum de Anka, mas acabou sendo gravada pela cantora portorriquenha Safire, no começo dos anos 1990, sob a alcunha de I Never Heard. Na época, foi devidamente creditada aos dois compositores.



Resultado: a versão de Safire, redescoberta, ganhou mais elogios de parte da crítica do que a ultra-anunciada "inédita" de Michael Jackson, que dessa vez não teve culpa de nada e, depois de morto, quase se queimou na rodinha por culpa do espólio e da Sony. E embora a Mediabase -- companhia que mensura o airplay das principais rádios americanas -- contabiliza 741 execuções em 24 horas [número bastante alto], as insatisfações do público são muitas e vêm de todos os lados.

1: Fãs e críticos reclamam da produção pobre da versão rádio. Parece até que alguns graves não batem. O crítico Jon Pareles, do New York Times disse em seu blog que "não vai figurar na lista das melhores canções do cantor, mesmo que seja uma lista comprida", e espera que nos baús de músicas inéditas por Michael Jackson [mais de 100, segundo o espólio] haja material melhor.

Fico com a versão orquestrada, mas pra mim, a de rádio está longe de ser ruim.



2: Se havia mais de 100 inéditas gravadas, por que escolheram essa? Ninguém sabia até agora, apesar dos chutes de alguns fãs espertos em comunidades da internet: "A canção foi escolhida porque a letra era apropriada, devido ao nome que Michael deu à série de concertos que faria", disse um dos executores da herança hoje de manhã, à Reuters.

3: Pataquada do espólio. Idiotice da Sony, que só tem direito de lançar as canções que Michael Jackson gravou até 2004. Pra que mentir sobre a procedência e o inedismo da da canção? Pra que passar o Paul Anka pra trás? Por que fazer esse marketing de fundo falso? Em plena era da internet, eles ainda achavam que ninguém descobriria?

4: Terá sido descuido ao checar as questões legais? Paul Anka disse ao New York Times [reproduzido pela Folha de S. Paulo] que tudo não passou de um grande equívoco, que já foi resolvido. Ele receberá 50% dos lucros sobre a canção, além dos devidos créditos. A Sony até agora não se retratou. Quem veio a público desfazer a confusão foi espólio de Jackson.

Estranho. Até porque, os executores são John McClain e John Branca, macacos velhos na indústria da música. McClain é braço direito de Janet Jackson, a outra mina de ouro do clã. Branca foi o responsável pelos tramites da compra dos direitos das músicas dos Beatles por Michael Jackson, num leilão no meio dos anos 1980. Algum deles é burro? Só faltava serem sonsos.

5: A Sony, tão bonitinha, tomando um pau atrás do outro da pirataria. Pudera: lançaram a faixa em duas versões para comercialização APENAS no álbum This Is It, já em pré-venda pela Amazon. Não vai ter single nem download legal via iTunes: se você quiser comprar a faixa, vai ter que levar junto um CD duplo com as músicas do documentário em versão de estúdio [que já saíram em outras coletâneas] , e mais algumas demos pra fingir que vale a pena. Se o material dos ensaios prestou pra fazer documentário, por que não produzi-los adequadamente e montar um produto fonográfico mais atrativo?

6. Depois das brigas judiciais que culminaram no rompimento do contrato entre Michael Jackson e a Sony, em 2005, difícil acreditar que a gravadora não está de má vontade com a imagem do cantor e com os herdeiros.

7. Tem uma tal de Hold My Hand que Michael Jackson gravou com o tal do Akon, musiquinha de dar vergonha; tanto que até o Michael ficou com vergonha e mandou banir das rádios em 2008. Gostaria que alguém me explicasse por que raios essa música está tocando em rádios brasileiras à esta altura do campeonato, conforme relataram alguns fãs.

8: Globo, como sempre, dá show de reportagem preguiçosa e tendenciosa, colada nas agências internacionais, além da edição engana-trouxa. Ainda por cima, botam a correspondente pra gravar a passagem em NYC, na cara de pau. Como se tivessem apurado mais do que qualquer pessoa com inglês razoável acessando a página da Associated Press.

No Jornal da Globo de 12/10, deram a entender que MJ havia plagiado Paul Anka, roubando a versão original e compondo a nova.

Novamente, no Jornal Hoje de 13/10, foram tendenciosos ao não oferecer o contexto original da história. Questão de edição: manter o essencial. Mas o essencial deles é ironizar a coisa para o lado da quitação das dívidas do cantor a ponto de quase culpar o Michael Jackson por ter sacaneado Paul Anka, diretamente do túmulo. E mesmo assim, não havia um só repórter na porta do Cemitério Forest Lawn.



Acima, versão promo de Human Nature, direto dos ensaios da This Is It. Como se pode ver, nenhum sinal de falta de honestidade e paixão.

* Com informações postadas na comunidade Michael Jackson Brasil, do velho, bom e demodé Orkut. Grata a colega @lannamorais que deu a sacada do título.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Almas chuvosas, céus tristes

Deve ter sido o Baga Defente, agora há pouco, no twitter, o segundo ou terceiro ser a levantar as coincidências psicológicas -- quiçá quânticas -- entre os temporais elétricos de dentro e as desaguadas de fora enquanto São Paulo segue nervosa e lenta pelas marginais dos rios .

Raios e trovões contra essa imensa bola azul imantada, habitadas por bonecos feitos de hormônio & energia, a girar como idiotas sob influência maior da lua e do sol; partículas ambulantes de poeira cósmica, vivendo de trepar, brigar, sorrir e choramingar.

Já explicitei aqui minhas teorias sobre as canções de sol e de chuva. E resolvi publicar uma lista colaborativa de canções com jeito de chuva, garoa e temporal; cheiro de terra molhada, asfalto escorregadio, faça noite ou faça dia, reflexão, saudade, exílio ou alívio.

Vale brega e chique, difícil ou fácil, ontem, hoje e amanhã, nas línguas & bocas que tu quiser, meu caro, tendo ou não a palavra 'chuva'; só precisa mesmo é ter som, mágica, ou somente a simplicidade dos pingos atingindo a janela, devagar.

1) Pino Daniele - "Quanno Chiove"
2) Madonna - "Rain"
3) U2 - "Sateless"
4) kd lang - "If I Were You"
5) The Rolling Stones - "Out Of Tears"
6) Michael Hucthence - "Possibilities"
7) Portishead - "Silence"
8) Hooverphonic - "Eden"
9) Prince - "Purple Rain"
10) Led Zeppelin - "Rain Song"
11) Ozzy Osbourne - "Changes"
12) Caetano Veloso - "Lua e Estrela"
13) The Doors - "Riders on The Storm"
14) Coldplay - "Yellow"
15) Thelonious Monk - "Ruby, My Dear"
16) Al Green - "How Can You Men A Broken Heart?"
17) Michael Jackson - "Stranger In Moscow"
18) Eurythmics - "Here Comes The Rain Again"
19) Harry Belafonte & Miriam Makeba - "Chove Chuva" (de Benjor)
20) Blondie - "One Day Or Another"
21) Neil Sedaka - "Laughter In The Rain"
22) King Crimson - "Starless" [abaixo com outra banda].
23) Fernanda Takai & Rodrigo Amarante - "O ritmo da chuva"
24) Billie Holiday - "Fool To Want You"
25) Elis Regina - "Atrás da Porta" (by Chico Buarque)
26) Ella Fizgerald & Joe Pass - "Stormy Weather"
27) Ray Charles - "I Wonder Who´s Kissing Her Now"
28) 10.000 Maniacs - "Hey Jack Kerouac"
29) Cranberries - "Zombie"
30) Bauhaus - "Bella Lugosi Is Dead"
31) The Cure - "Lullaby"
32) Morrissey - "East, West"
33) Soda Stereo - "1990"
34) Lou Reed - "Walk On The Wild Side"
35) Red Hot Chilli Peppers - "Soul To Squeeze"
36) FleetFoxes - "Red Squirrel, Sun Rises"
37) Pearl Jam - "Betterman"
38) Lobão - "Me Chama"
39) Annie Lenox - "Ev´ry Time We Say Goodbye"
40) Curtis Mayfield - "Think"
41) Nuno Mindelis - "Castles Made Of Sand" (by Jimi Hendrix)
42) REM & Patti Smith - "E-Bow The Letter"
43) Gotan Project - "Queremos Paz"
44) Interpol - "Pioneer To The Falls"
45) Chet Baker - "Embraceable You"

Colaboraram: Fred Seigneur, Xinho, Felipe Salomão, Veridiana Marques, Diniz Gonçalves Jr., Gina Dantas Vieira, Marcelo La Farina, Flavia Galindo, Mirella D´Elia, Eduardo Fragata.












sábado, 3 de outubro de 2009

Ayrton Senna & as Bestas Selvagens: o índie é pop

Mal subiu o cheiro de chuva e aquele respeitável barulho de natureza pelas janelas de vidro do Jaçanã nessa madrugada de sábado, e eu, antes de querer o sol, tratei de clicar em duas dicas musicais do site gringo Pitchfork; coisas shiny, happy, people, cheias de vibração pop, e também peças de pequeno lirismo, que é pra a gente achar o mundo mais bonito, menos banal.

As amadas novidades de 2009 são totalmente 1980´s. Depois que o Justice tacou Michael Jackson em peso no som e no clipe de D.A.N.C.E., vieram os Friendly Fires -- cultuados por toda a patota moderna que acha Remember The Time breguinha -- e falaram no Guardian que eles gostam mesmo é de Madonna. E adoram batidas brasileiras.

Chupem, bigodes alternativinhos & garotas cor-de-abóbora!

Reparem nas perninhas do moço dançando: com calças curtas e charmosas meias brancas em contraste com os sapatos pretos. And so?



Mas eu falava de coisas bonitas e das dicas do Pitchfork. A começar pelo Wild Beasts e seu segundo álbum, Two Dancers. Misture guitarras e teclados alá The Edge, Daniel Lanois & Brian Eno, com uma abordagem digna das fine arts, como faziam os Cocteau Twins. Agora bote uma bela pitada de Kate Bush [no Brasil, diríamos Tetê Espíndola] e falsettos que às vezes lembram Prince. Depois coloque uns traços do barítono de Antony Hegarty. Os vocais em falsetto são feitos pelo guitarrista, Hayden, e os barítonos pelo percussionista, Bert. Velha escola inglesa de baixo e bateria. Velha e boa terra da Rainha.

Tudo bem que os caras devam ter se entupido de Stereolab e Arcade Fire, e por osmose, todo o caldeirão de referências dessas duas bandas, só pra citar o que é mais evidente, fazendo um resuminho do que dá pra sacar. Mas o som aqui é quase... minimalista. Classy. E que belo vídeo!



Ayrton Senna é o nome do EP, pra fazer brasileiro sorrir. Quero confessar que só cliquei por causa disso. O Delorean é de Barcelona. E já que falamos de Cocteau Twins, quem quiser ouvir a faixa Seasun, vai sacar logo de cara. O resto do EP tem outro espírito, mais having fun, com cara de balada, de luzes da cidade, ou de praia com badalação. Dance music total, na cara dura. [alguém lembra desse rótulo 90´s?] Vocais femininos. Só não toca na Jovem Pan, porque não tem jabá nem remix tosco: tem tudo pra molecada gostar, com um pouco mais de refinamento nas orelhinhas. Coisa rápida de fazer. E nem dá câncer de pulmão.

Clique em Moonsun, sonzinho abaixo.

Não tem nada de maravilhoso, é só uma banda legal, que pode virar o Snap de amanhã, e ninguém mais ouvir. Mas e daí? Let´s party all night!


quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Rainha pagã de Hollywood*


"(...)Elizabeth Taylor é, em minha opinião, a maior atriz da história do cinema. Ela entende intuitivamente a câmera e suas intimidades não verbais. Abrindo os olhos violeta, conduz-nos ao reino líquido da emoção, que habita por intuição pisciana. Richard Burton disse que ela o ensinou a atuar para a câmera. Economia e contenção são essenciais. Em sua melhor forma, Elizabeth Taylor simplesmente é. Uma carga elétrica, erótica, faz vibrar o espaço entre o rosto dela e a lente. É um fenômeno extra-sensório, pagão.

Meryl Streep, à maneira protestante, entusiasma-se com as palavras; exibe sotaques inteligentes como uma máscara para suas deficiências mais profundas. (E não sabe dizer uma fala judia; destruiu o cáustico diálogo de Nora Ephron em A difícil arte de amar.) O trabalho de Meryl não vai longe. Tentem dublá-la para cinemas indianos: não restará nada, só aquele rosto ossudo, cavalar, movendo os lábios. Imaginem, por outro lado, atrizes menos técnicas como Heddy Lamarr, Rita Hayworth, Lana Turner: essas mulheres têm um apelo internacional e universal. Seriam belas no Egito, Grécia, e Roma antigos, na Borgonha medieval ou na Paris do século XIX. Susan Haywad fez Betsabé. Tentem imaginar Meryl Streep num épico bíblico! Ela é incapaz de fazer os grandes papéis legendários ou mitológicos. Não tem poder elemental, não tem aquela sensualidade tórrida.(...)

Elizabeth Taylor é uma criação o show business, dentro do qual ela tem vivido desde que começou como atriz infantil. Ela tem a hiper-realidade de uma visão de sonho. Meryl Streep, com seu chato decoro, é bem-vinda à sua pose de atriz esforçada e despretensiosa. Eu prefiro a velha Hollywood lixo, cafona, a qualquer hora. Elizabeth Taylor, entusiasticamente comendo, bebendo, no cio, rindo, xingando, trocando de maridos e comprando diamantes aos montes, é uma personalidade em escala grandiosa. É uma monarca numa época de tristes liberais. Como estrela, ela não tem, ao contrário de Greta Garbo, Marlene Dietrich e Katharine Hepburn, qualquer ambiguidade sexual em sua persona. Terrena e sensual, apaixonada e voluntariosa, mas terna e empática. Elizabeth Taylor é a mulher em suas muitas fases lunares, admirada por todo o mundo".

Trecho de Rainha Pagã de Hollywood, texto de Camille Paglia, publicado na Revista Penthouse em 1992, parte da coletânea Sexo, Arte e Cultura Americana (Companhia das Letras).

Imagens: Elizabeth Taylor, por fotógrafo não identificado e Andy Warhol. Mas esse post todo só vai fazer sentido se você clicar aqui e assistir ao curta Puce Moment, de Kenneth Anger, cuja incorporação foi proibida.