quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Natal

Natal

rios subterrâneos de amor

disfarçados de horário comercial
carregam sacolas
de Peru Sadia 

digitam senhas
descolam etiquetas 
empacotam o custo-Brasil

depois tocam buzinas

desejam bacias humanas
para desaguar

(RENATA D'ELIA, DEZ/2012)

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Ingressos para shows: acabou a farra do boi?

                                Madonna e Lady Gaga: turnês têm demanda abaixo do esperado no Brasil

Para evitar um fiasco de vendas, a produtora Time For Fun decidiu reduzir drasticamente os preços dos ingressos que restam para os shows de Madonna no Brasil em dezembro, conforme informações do jornal O Estado de S. Paulo. E bem, ainda restam muitos ingressos. Só não sei o que acontece com quem comprou antes a preços mais caros. É possível que vigore a lógica da liquidação comum às calças jeans & eletrodomésticos. Mas isso é assunto do Procon. Vamos aos fatos que interessam. 

O show de Lady Gaga no Morumbi, no último dia 11 de novembro, tinha de fato muitos espaços sobrando. A razão entre o copo meio cheio e o copo meio vazio depende de outras variantes. A julgar pela política de "pague 1, leve 2" que vigorou por iniciativa do patrocinador master quando os ingressos encalharam, o pior foi evitado. Consideremos também a baciada nos sites de compras coletivas e os cambistas desesperados vendendo ingresso de R$300 por R$40 na porta do estádio.

Boa parte do público comemora com "bem feito!" frente aos produtores que, até 2011, esgotavam ingressos a preços caros com direito a confusão nos postos de vendas e reclamações sobre panes nos sistemas de e-commerce, além de uma versão peculiar das pistas VIPs com serviços bem mais chinfrins do que seus equivalentes europeus/americanos.

Mas trata-se de dois big shows que, pelo menos em partes, aglutinam os mesmos consumidores. E eles desembarcam no Brasil com intervalo de menos de 30 dias e durante a baixa temporada do hemisfério norte, onde se concentra o faturamento grosso das turnês. Madonna tem quase 30 anos de vantagem sobre sua nova rival, com uma marca mais consolidada, dezenas de clássicos musicais e imagéticos do pop, maior influência cultural e comportamental, além de um público fidelizado nos moldes massivos da indústria do disco.

Apesar dos hits e da forte influência de Gaga nos últimos 5 anos, seus "little monsters" têm média de idade inferior. Boa parte concentra-se entre colegiais e universitários com menos autonomia e poder aquisitivo, dependendo dos pais para comprar ingresso e viajar  para assistir shows. Conforme apurei em reportagem para o Valor Econômico, o share de turistas nos grandes shows internacionais pode ultrapassar 40% do público em cidades como São Paulo, Recife e Rio de Janeiro.   

A Time For Fun representa com exclusividade no Brasil a promotora Live Nation, maior do mundo. A Live Nation possui contratos para gerir as turnês de Lady Gaga e Madonna, além de nomes mega-rentáveis e ultra-lucrativos como o U2. No caso de Madonna, um contrato "360°" com vigência de 10 anos foi firmado em 2007.  Inclui seus álbuns, singles, licenciamento de produtos, merchandise oficial e turnês. As turnês são superproduções. Superproduções são caras. E no fim das contas, a Live Nation morde 10% do que Madonna arrecada. Mas deve pagar US$120 milhões à cantora ao longo destes 10 anos independente do que ela arrecadar.

Apenas em 2012, estima-se que a Rainha já tenha recebido entre US$30 e US$40 milhões pela parceria. Fazendo uma conta de quitanda, é como se ela tivesse virado uma "empregada de luxo": precisa cumprir a agenda de shows estipulada pela Live Nation para atingir suas metas de lucro. Em sua última turnê, a "Sticky & Sweet" (2 shows no Rio e 3 em São Paulo, 2008), Madge se estafou com o calendário abarrotado de apresentações.

Acontece que apesar da apresentação triunfal de Madonna no intervalo do Superbowl (evento de maior exposição e receita publicitária dos EUA), em fevereiro, o kickoff das vendas do disco ficou abaixo do esperado pela Live Nation. Aí você pensa: "ok, ninguém vende mais discos". Só que a perna da turnê "MDNA" numa Europa em recessão também não rendeu o suficiente. O empresário dela, Guy Oseary, chegou a pressionar a Live Nation para reduzir os preços e aumentar a venda de ingressos. Tanto Madonna quanto Lady Gaga não fizeram shows na Austrália, com um mercado de entretenimento habitualmente forte, mas saturado nesta temporada. A suposta má fase do setor em todo o mundo foi uma das justificativas da diretoria da Time For Fun para a baixa procura neste fim de ano.

Enquanto isso, o Rock In Rio comemora a venda de 80% dos ingressos para sua edição 2013 já na largada e sem confirmar todo o lineup, mas tendo como headliners nomes rentáveis do rock n' roll, como Bruce Springsteen e o Metallica, com público fiel. Capitaneada pelo Pearl Jam e agendada para março de 2013, em São Paulo, a segunda edição do festival Lollapalooza ainda não esgotou nenhuma de suas 3 datas com ingressos R$330 por dia, mas esgotou o primeiro lote com rapidez.

Alguém aposta que os preços dos ingressos cairão nos próximos anos? Que os festivais ganharão protagonismo e a era dos megashows solo pode estar no fim? Que a cauda longa gerará cada vez menos artistas com tamanho suficiente para as superproduções e grandes arenas? Um mapeamento inicial para fomentar a discussão foi publicado na New Yorker em 2009, mas ainda é válido. Leia aqui.

Leia também:

domingo, 9 de setembro de 2012

Criança

CRIANÇA

A vida sem cobranças
Suave como esta tarde

Inventaremos cidades e trocaremos
seus postes por gigantescos
girassóis
e árvores que gesticulam
como bonecos de posto de gasolina

Seremos benção e beleza
Tocaremos os sinos em horas
flexíveis
Levaremos sopros vitais
para todas as direções

Eu, você -- seu brilho faiscante

Viveremos um pacto sutil de amor & sorte.

(Renata D'Elia, setembro de 2012). 

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Os Dentes da Memória na Revista da USP

Saiu na Revista USP, edição de maio, um artigo do professor Wilson Alves-Bezerra (UFSCar) sobre meu livro com a Camila, "Os Dentes da Memória - Piva, Willer, Bicelli, Franceschi e Uma Trajetória Paulista de Poesia" publicado pela Azougue Editorial. 

Reproduzo abaixo as páginas, ainda que numa resolução mediana mas suficiente para a leitura -- não consegui comprar a revista a tempo. Cortesia dos amigos Fernando Neumayer e Marino Mirante. 






terça-feira, 19 de junho de 2012

Noite de autógrafos de "Os Dentes da Memória" - Rio de Janeiro!

Todos convidados para a noite de autógrafos carioca de "Os Dentes da Memória" na sexta, 29/06, a partir das 19 horas, na Livraria Travessa do Shopping Leblon, com mini-debate mediado pelo poeta e jornalista Claufe Rodrigues com as autoras Renata D'Elia e Camila Hungria. 

Cliquem no flyer -- nos vemos por lá!

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Rufus, querido, sou sua fã!


Em tempo: me arrependo e bato na boca três vezes. O Rufus Wainwright não é nada disso que eu dizia antes de ouvir "Out Of The Game", que sai essa semana e tem streaming gratuito no NPR. Não, não é um mala afetado canadense paga-pau de Leonard Cohen e com performance exagerada, flertando com aquelas divas meio encafonadas da velha Hollywood. Tem lá seus maneirismos de Freddie Mercury -- é leonino -- mas e daí? Junta o melhor do Elton John com arranjos vocais caprichados para cantoras negras (aposto) e uma fusão de cabaré com ópera junto com pop, rock e soul trazido à tona pelo produtor Mark Ronson, o mesmo de Amy Winehouse. 

O instrumental é riquíssimo, camadas e mais camadas de notinhas caprichosas. Repare por exemplo nos metais de "Welcome To The Ball" ou no clima surreal de "Montauk", que vem dos grandes musicais para se juntar à grande canção lúdica e ganha até toques eletrônicos de pista de dança gay nos anos 1970, a exemplo da faixa seguinte, "Bitter Tears".

Mas boa mesmo é a sequência de 4 músicas na abertura, desde a faixa-título (olha quem tá no clipe) até os violinos alá Tom Jones em "Jericho", baixos grooveados, e a melodias indefectíveis e cheias de drama de "Rashida" e "Barbara". Outros achados são "Perfect Man", com suas guitarras sessentistas, e "Song Of You", balada meticulosamente derramada: posso imaginá-lo completamente entregue como crooner numa dessas.

É música com pompa, cores, escândalo e deleite. É o céu, um dos discos do ano. A gente tem é que comemorar. Viva o Rufus! (E tragam as taças). 


Norah & Sinéad



Dois pés-na-bunda e duas forças uterinas originaram bons discos de artistas antagônicas em temperamento e estilo nesses primeiros meses de 2012. 

Onze anos depois de tornar-se a queridinha dos über-cools e cosmopolitas de todas as idades com seu álbum de estreia, "Come Away With Me", Norah Jones se afasta gradualmente dos commoditys instantâneos do soft jazz e flerta com o pop e o country-rock nas 12 faixas de "Little Broken Hearts", lançado ontem. Menos reflexivo que o anterior "The Fall" (2009) e igualmente produzido pelo badalado Danger Mouse, o disco se equilibra bem entre baladas doloridas & bilhetes amargos ("She's 22", "Take It Back"), oscilações entre o passado e o futuro ("After The Fall" -- trocadilho com o título do álbum anterior) e pequenas pérolas sobre a vingança feminina e a coragem de virar a página ("Happy Pills" -- sensualizando no clipe abaixo -- e "Out On The Road"). Ousando pouco e sem avançar por uma estética mais inventiva, a sonoridade emplaca sem tropeços com arranjos elegantes. Fecha redondinho, vai direto para o iPod e acompanha suas dores de cotovelo de mulher moderna e descolada com formato anatômico, sem qualquer desconforto, como aquela velha amiga confidente de todas as horas. A única revolução aqui é o I'M GONNA GET YOU OUT OF MY HEAD (que já tem um exorcismo e tanto, né colega?). 

Sinéad O'Connor frequenta caminhos sombrios e luminosos em "How About I Be Me And You Be You?", tão bipolar e visceral quanto ela própria. Vai mais fundo que Norah -- mas aí depende do seu gosto por cantoras gritalhonas. (Milênios de cultura celta, séculos de opressão católica irlandesa e décadas de traumas familiares nas costas têm que fazer alguma diferença). O disco mistura faixas de apelo pop com ataques frontais ao Papa, a Bono e aos amores perdidos (em "V.I.P.", sobretudo). Em "4th And Vine", numa levada festiva de bandolins, ela tira a sorte grande, veste pink, bota um salto alto e vai ao encontro de um cara incrível. Mas quando chega a "Take Off Your Shoes", esse imbecil já deu no pé e ela está "derramando o sangue de Jesus" sobre ele. Engraçado que faixas como "I Had a Baby" tragam um clima equivalente ao das faixas pós-maternidade de Madonna no "Ray Of Light" (1998) -- só que com muito mais garganta -- embora Sinéad não assuma a referência (Jung explica). Outros destaques ficam com "Old Lady" e "The Wolf is Getting Married", que resgatam guitarras dos discos dos anos 1990. Dizem que ela é perigosa, mas não há nada mais vital nesses tempos de facas sem serra, roqueiros de Lacoste e corações sem fúria. 





segunda-feira, 12 de março de 2012

MOZ says he loves Sampa (ah, vá!)

                                                                                         Fernando Borges/Terra

Só faltou chover canivetes no fim da tarde de domingo, 11 de março de 2012, em São Paulo. A Barra Funda já não é exatamente um cartão postal, mas com as calçadas empoçadas e uma muvuca de cidadãos encapados em plásticos de qualidade duvidosa a desviar de cambistas e vendedores ambulantes, a cena toda se incrementou de um tradicional "ah, como é difícil ir a um show no Brasil". Somos bravos e decididos. Estávamos lá para assistir o show do Morrissey, de volta à cidade após 12 anos. Formávamos um saudável mix de tiozinhos barrigudos com tiazonas modernas e outras figuras dos vinte e tantos em diante. Fomos obrigados a abandonar nossos guarda-chuvas ao destino cruel pois sequer havia um guarda-volumes e a entrada de armas brancas não era permitida. [Nos shows de U2, Bon Jovi e Paul McCartney, objetos perigosíssimos como um pacote de bolachas Passatempo e uma escova de cabelos ionizada foram confiscados de bolsas amigas].  

É sempre um alívio chegar à pista de um show, mas não houve muito tempo pra comemorações. Eu não sabia direito quem era Kristen Young mas seu show de abertura de 40 minutos revelou uma versão menos criativa e competente de Imogen Heap, só que com trejeitos longínquos de Kate Bush. Muita tecladaria sintética e alguma performance depois, temos ali um apanhado de clipes de rock dos anos 1950 a 1970, seminais para todo o imaginário e a imagética dos Smiths. Eles precederam a entrada de Morrissey, saudada com entusiasmo, mas longe do "delírio" descrito em determinadas resenhas, com "First Of The Gang To Die". 

O Espaço das Américas não é exatamente uma casa de shows. O som esteve bastante abafado, afetando guitarra, baixo e teclados. E embora MOZ estivesse bem "dado" ao povo da frente, o resto do público teve dificuldades para ver o palco: a visibilidade naturalmente ruim somada a uma imensa torre de som no meio da pista e telões laterais criminosamente desligados durante toda a apresentação prejudicaram muito a experiência na Faixa de Gaza, para trás da Pista Vip. O telão central exibia outras projeções. Muita gente enxergava o cantor apenas por raras frestas ou pelas telas das câmeras digitais. "Alma Matters", por exemplo, só vejo e ouço com clareza pelo vídeo abaixo. 

Óbvio que houve emoção, comoção, catarse e afins, especialmente entre os que chegaram cedo, pegaram fila, capricharam nos topetes, se teletransportaram dos anos 1980 e se amontoaram pelo ídolo. Mas eu diria que no "deep crowd", a cantoria dos fãs não teve  grande entusiasmo. A coisa melhorou do meio pro final, com o hit solo "Let Me Kiss You" e as clássicas "There Is a Light That Never Goes Out" e "How Soon is Now?", esta última tocada com peso e impacto mais próximo do que se espera de um artista como Morrissey. A surpresa veio com "Please please please let me get what I want" (momento mágico para gente como eu, que procura pelas mesmas coisas -- em diferentes rostos -- desde a adolescência). Só que ela chegou acompanhada de outra falha de som e veio numa embalagem mais contemplativa do que propriamente "cantável". 

Execuções lentas e algum cansaço da nossa tia velha preferida também foram perceptíveis para além de suas críticas ao Príncipe Harry, no país para arrecadar dinheiro para a filantropia da coroa real. E claro, para além do ainda bem-vindo combo do clichê, com direito a bandeira do Brasil e muito "Love you Sampa". Mas apesar da habitual mis-en-scene e sempre ótima postura de palco, Morrissey já teve bandas melhores e mais boa vontade com seu repertório de significados tão pessoais e intransferíveis. Seguimos bravos e dedicados ao maior "M" de Manchester --  eu apenas um pouco mais ponderada e crítica, com a sensação de que poderia ter sido bem melhor.  


sábado, 25 de fevereiro de 2012

Os Dentes da Memória no Guia de Livros da Folha

O Guia de Livros, Discos e Filmes da Folha de S. Paulo publicou, em sua edição de fevereiro, uma resenha do crítico Marcello Rollemberg sobre "Os Dentes da Memória - Piva, Willer, Franceschi, Bicelli e Uma Trajetória Paulista de Poesia", assinado por mim e Camila Hungria, com cotação "BOM". O livro "Ego Trip", lançado ano passado por Roberto Bicelli, um dos nossos personagens principais, ganhou destaque na mesma resenha. A célebre foto do poeta numa banheira, -- um dos nossos grandes achados nos Dentes, cedida por ele mesmo -- foi reproduzida no abre da página. Segue abaixo a página scanneada. Clique nela para aumentar e ler.

Fico feliz pela repercussão, que segue firme meses após o lançamento. As demais resenhas e menções anteriores também estão postadas aqui neste blog. Você pode encontrar os dois livros à venda no site da Livraria Cultura, que entrega em todo o Brasil. Ou pode encomendá-lo com seu livreiro preferido. 


quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

As crônicas Wandas


Vovó e eu nos aventuramos como sócias em duas aquisições musicais. A primeira foi uma coletânea de sucessos do Altemar Dutra que não tinha "Bandeira Branca" e foi revendida por R$1,99 num sebo do Tucuruvi. A outra foi um CD do Wando que compramos num supermercado porque achamos a capa engraçada. O cantor xavequeiro de boca carnuda & cara de safado [levemente bebum] acabou nos conquistando com uma pérola falsa que deslizava pelo canto transparente daquele quadrado de plástico. Um perfeito brinde cafajeste.

O nome do disco era "O Ponto G da História". E lá estava o Wando, dissertando como um filósofo sobre os mitos da tal caverna. Certa noite, as gargalhadas de vovó eram absolutamente sinceras e audíveis. Abri a porta e, do alto dos meus 12 ou 13 anos, avistei a velha  portuguesa radiante, vestindo uma camisola de florzinhas, e me virei para ver o Wando falando sobre sua coleção de calcinhas na TV.

Vovó  e Wando sabiam gozar a vida.  

Agora corta pro ano 2000. Fabrício e Juliano eram tão bobos quanto quase todos os galãs de matinê da zona norte. Haviam recentemente aprendido a dirigir e projetar suas noções de macheza na habilidade de cantar pneus com o carro do papai. Mas mesmo assim, tinham passe livre na casa da Júlia, que morava com a mãe, as três irmãs e uma fêmea letárgica de Husky Siberiano que jamais se moveu.

Existem duas versões, mas eu fico com a melhor. Era uma noite quente de quinta, o portão lateral da casa estava aberto, o corredor estava escuro e os dois garotos entraram sem avisar. Notaram o cheiro de feijão e a mãe entretida na cozinha, luz acesa e vidro embaçado no banheiro, vozes femininas no quarto de cima. A cadela exercitava sua crônica preguiça de latir. Foi quando Fabricio, que era muito alto, enroscou a cabeça num varal e avistou de repente um enorme jardim suspenso, onde calcinhas de todos os tamanhos, texturas e cores se revelavam como num delírio felliniano.  

Numa tomada de decisão digna dos grandes líderes, Fabrício puxou rapidamente os dois exemplares de tanga mais acessíveis, enquanto Juliano, que tremia mais, só conseguiu roubar uma meio barracuda. Os dois voltaram para o carro, deram afobadamente a partida e, antes que dobrassem a segunda esquina, acoplaram uma calcinha em cada retrovisor. Foram embora rodando as peças pelas janelas e ligando para todas as garotas de Santana  para cantar "Você é luz/é raio estrela e luar/manhã de sol/meu iá, meio ioiô".

O roubo foi rapidamente descoberto, mas os ladrões continuaram impunes. Estatísticas apontam que a quadrilha aumentou nos anos seguintes. Por motivo de segurança, a Júlia e eu decidimos hastear nossas calcinhas a meio mastro em homenagem ao Wando nestas noites quentes que sucedem sua partida. 

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Os Beatles e o futebol

Liverpool, abril de 1964. Enquanto os primeiros dias de Ditadura Militar estremecem o solo brasileiro, a  torcida do time da cidade dos Beatles recebe o rival Arsenal no estádio "The Kop" com um coro absurdamente bonito de "She Loves You". 

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Nara 70

Fui tomada pelos furores de Elis Regina e não me lembrava dos 70 anos de Nara Leão, comemorados no mesmo dia dos 30 anos de passagem da colega. Posto aqui apenas três interpretações que julgo sensacionais e que me despertam maior interesse na Nara. 

A primeira vem por motivos óbvios. A segunda porque tem o Tremendão e me acompanha desde a primeira coletânea da Nara que comprei. A terceira pela conotação política que  traduz exatamente o que eu penso do mundo e dos terráqueos. 




quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

30 anos sem Elis: uma reportagem, vários comentários e um top 12


[Não tenho crédito das fotos. Se aparecer o autor, basta avisar que eu coloco. Culpa de quem compartilhou sem!]

Três coincidências e vários afetos me ligam à Elis Regina. Somos piscianas do terceiro decanato e ela fazia aniversário um dia depois de mim. E depois, morreu no dia do aniversário da minha avó italiana, além de ter sido a cantora preferida da minha avó portuguesa. A partida aconteceu há 30 anos e a Folha de S. Paulo publicou reportagem minha enfocando a relação da diva com a cidade de São Paulo. A ideia era fazer um retrato mais humano e pessoal, fugindo um pouco do que todo mundo vai dizer nas homenagens e descobrir seus lugares paulistanos favoritos, em paralelo aos acontecimentos mais marcantes de sua carreira na capital paulista. 

O link da Folha Online está bem aqui.  Foram 22 entrevistas em três semanas de apuração: do filho João Marcello Bôscoli a Milton Nascimento, passando por Rita Lee, Jair Rodrigues, fãs, e até o Seu Manuel, dono de um açougue no pé da Serra da Cantareira, onde Elis viveu nos anos 1970.

Vou dar uma palhinha das sobras dessas entrevistas que fiz. Mas vai ser um post 3 em 1: listo meus 12 momentos preferidos de Elis Regina na televisão, comento cada um deles, e forneço informações e depoimentos que ficaram de fora da minha apuração para a Folha. A escolha foi feita segundo critérios que considero históricos, mas também por questões afetivas e pelo link com histórias que coletei.

Sugiro ler primeiro a matéria, depois os extras. Algumas características de Elis, como a escolha de compositores inéditos, o ciúme e a rivalidade com outras cantoras, foram citadas por diversas fontes e aparecem aqui em diferentes contextos. Vamos lá, na cronologia!

1. Arrastão
Em 1965, a TV Excelsior organizou o I Festival Nacional de Música Popular, que inaugurou o tal do ciclo dos festivais que revelaram Deus e o mundo como conhecemos (pra não me alongar nos impactos disso na história e na cultura brasileira). A vencedora foi “Arrastão”, de Edu Lobo e Vinícius de Moraes, que revelou Elis Regina. É por causa dessa  performance hiperbólica e radiante, girando os braços para trás, que Elis recebeu o apelido de Hélice Regina, e posteriormente, Pimentinha, este último dado por Vinicius.





2. O Fino da Bossa
Com apresentação de Elis Regina e Jair Rodrigues, com o Zimbo Trio no palco, o musical da TV Record contava com a participação de gente como Elza Soares, Alaíde Costa, Nara Leão, Jorge Ben e Wilson Simonal. O programa deu origem a diversos clones em outras emissoras. TV brasileira tinha musical e teledramaturgia, not reality shows. 



3. Elis Especial na TV Globo #1 (1970)
O que pode explicar a qualidade desse arranjo de "Wave" e da produção do Elis Especial na Globo dos anos 1970 além do talento e da boa vontade de um monte de gente reunida, tanto do lado artístico, quanto do lado televisivo? Era Elis em sua fase carioca, casada com Ronaldo Bôscoli, de cabelos curtíssimos como os de Mia Farrow e curtindo os novos ares meio soul de "Em Pleno Verão" (1970), produzido por Nelson Motta, que inclui o dueto que lançou Tim Maia em "These Are The Songs". É uma Elis Regina cool e menos extravagante, recebendo críticas ácidas do bossanovíssimo Bôscoli pela postura, pelo guarda-roupa e pela dicção que ele considerava cafonas; enterrando de vez os braços que giravam como hélices em "Arrastão". A cantora teve uma série de especiais globais mensais que em nada se assemelham ao Big Brother Brasil.

4.Elis & Michel Legrand na Tv Alemã (1972)É a melhor versão de "Summer of 1942". Legrand chegou a afirmar que Elis Regina era uma das maiores cantoras do mundo. Mas o fato é que a carreira de Elis nunca deslanchou no exterior, incluindo uma fatídica apresentação metade perfeita e metade ruim (de acordo com ela), ao lado de Hermeto Paschoal no Festival de Montreux. Mas essa história fica pra outra vez. Reparem no final do especial, com "Mundo Deserto de Almas Negras", de Roberto e Erasmo.


5. Ensaio - Tv Cultura (1973)
Uma das edições mais célebres do programa Ensaio, veiculado pela TV Cultura de São Paulo, teve Elis Regina cantando com o segundo marido, o pianista César Camargo Mariano, e seus arranjos intocáveis e ainda não superados dentro das formas que eles deram à MPB. O clássico é chique e é completamente dela. O repertório não podia ser mais abrangente: vai de Gilberto Gil a Sueli Costa, passando por Milton Nascimento, Chico Buarque e Tom Jobim. A linguagem do Ensaio é um primor à parte, a cargo do diretor Fernando Faro.


6. Dois Pra Lá, Dois Pra Cá no Fantástico (1975)
Marília Pêra anuncia a canção de dois dos compositores preferidos de Elis Regina: Aldir Blanc e João Bosco. Longe da antiga parceira musical há quase uma década, o pianista do Zimbo Trio, Amilton Godoy, achava que a cantora estava ficando muito politizada nos anos 1970, procurando mais discurso do que musicalidade. Mas muito antes que ela gravasse "O Bêbado e a Equilibrista", símbolo da abertura política do Brasil, comentou a eficiência das composições da dupla carioca ao ser apresentado a eles por Elis. "Ela de fato era muito perfeccionista e acertava muito quando gravava novos talentos. Foi assim com o Ivan Lins e também com Aldir e João Bosco", afirma.  


7. Falso Brilhante (1976)
A TV Bandeirantes produziu um especial do show Falso Brilhante, absoluto sucesso em São Paulo. Detalhe no copo de whiski logo na abertura, que denuncia o local da gravação: o restaurante Mexilhão, no Bexiga. A direção é de Roberto Oliveira, que também foi empresário de Elis, e é irmão do compositor Renato Teixeira. Nessa altura, Elis lançava compositores como Belchior e Thomas Roth. Primava pelo ineditismo. "Lembro de uma vez na casa dela na Serra da Cantareira. Estávamos eu, minha mulher, ela e o César jogando uma partida de Yan, um jogo de dados muito popular na época, enquanto rolava uma das centenas de fitas que ela devia receber de novos compositores. Ninguém estava ligado na música, mas a Elis sim. Ela se levantou quando percebeu uma música realmente boa, voltou a fita, ouviu novamente e acabou gravando depois. Era da Fátima Guedes", conta Thomas Roth.

O sucesso de bilheteria de Falso Brilhante foi tão estrondoso, que um grupo de cambistas chegou a se organizar e oferecer um buquê de flores a Elis Regina para agradecer os lucros da temporada. A cantora os recebeu nas coxias do Teatro Bandeirantes, tirou fotos e gargalhou com as histórias que contavam, de acordo com o guitarrista Natan Marques.


8. Elis e Milton (1977)Elis estava grávida de Maria Rita. Sobre a rivalidade dela com outras cantoras, Milton conta que a viu defendendo a então novata Simone do ataque de um amigo, durante um jantar num restaurante paulistano, na década de 1970.  "Ela ficou bravíssima, o clima pesou. Eu posteriormente contei isso à Simone. Dizem que a Elis era muito ciumenta, mas nesse caso ela protegeu a colega", afirma Milton.



9. Doce de Pimenta (1979)
Atuando em turmas antagônicas desde os anos 1960 -- Elis na MPB, Rita Lee entre os roqueiros -- as duas ficaram amigas quando a Pimentinha visitou Rita (que estava grávida) na cadeia, em plena ditadura militar, presa por porte de maconha. Muito antes de gravar "Alô Alô Marciano", Elis convidou Rita e Roberto de Carvalho para um de seus especiais na TV Bandeirantes. Elas duetam num improviso delicioso, dialogando como comadres que realmente eram. Composta por Rita para desmitificar a fama de brava e o apelido de Pimentinha da amiga, a música nunca foi lançada em disco, mas causou um pequeno barraco nos bastidores do programa. "Putz cara, só me lembro de pedaços desse dia. Um deles foi tenso pra mim: Elis quebrou o pau com o César porque se recusou acompanhar a "roqueira" (eu, no caso), e a banda acabou fazendo tudo sem ele. Fofocamos pra caralho, Elis esculachava certas cantoras novas -- segundo ela, eu era compositora, achava chique -- e num dado momento as chamou de "noviças do vício". Eu adorei a frase e posteriormente fiz uma música com esse nome", afirma Rita sobre o episódio. 


10. Aprendendo a jogar (Globo, 1980)
"Tivemos uma convivência intensa e curta em meio à confusão familiar que se instalou na família dela após a separação do César. Ela se identificava muito com meu orgulho paulista, achava que isso quebrava um pouco a carioquice das composições que vinha gravando. Eu, afinal, tinha lançado um disco chamado 'Coração Paulista'. Entramos nas rádios FMs com essa música", diz Guilherme Arantes, compositor de Aprendendo a Jogar, que foi feita por encomenda de César Mariano e entregue uma semana depois. 



11. Elis e Gal (Globo, 1981)O jornalista Marcio Gaspar trabalhava como assessor de imprensa da gravadora Warner e acompanhava Elis Regina em 1979, época do lançamento do disco "Essa Mulher", em todo tipo de compromisso com rádios e televisões. A temporada de shows do álbum aconteceu no Palácio Anhembi. Mas antes, Elis deu um pequeno piti na coletiva de imprensa do show, no hotel Caesar Park da Rua Augusta. "Ela tinha voltado do Rio, onde gravou um especial da Globo com outras cantoras, como a Gal Costa e a Marina, que estava começando. Chegou atrasada, com uma flor no cabelo, meio Billie Holiday e muito brava. Começou a reclamar que tinha gravado especial com aquele 'bando de gente que se acha cantora' e disse que eram todas umas sapatões. Ninguém publicou uma linha sobre isso", conta Marcio. Taí um outro momento de puro coleguismo feliz com a Gal Costa, em 1981.


12. Me Deixas Louca (Bandeirantes, 1981)
Esta é a última aparição de Elis na TV. Pronto. O que você quer que eu diga?


sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

No início havia Rolling Stones

Tô aqui me deliciando com um álbum triplo que reúne singles dos Rolling Stones lançados no Reino Unido até 1967. Os B-sides são fantásticos. "Child Of The Moon", por exemplo, foi lançada com o single de "Jumpin' Jack Flash" e ganhou esse clipe alá Kenneth Anger dirigido pelo Michael Lindsay-Hog, de arrepiar os bracinhos dos fãs como eu. "We Love You" também é pedra fundamental de uma cultura videoclíptica voltada para a incorporação do underground. 





segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Ryuichi Sakamoto



Ryuichi Sakamoto é um cara sensacional. Um dos poucos que me fazem encarar um passeio virtual pela ala de world music de qualquer rádio internética. Mais que isso: é quem torna plausível encarar o ar-condicionado de uma loja Fnac para comprar CDs de world music. É também um dos aniversariantes mais legais do dia 17 de janeiro e tem show marcado em São Paulo para o mês de maio, no festival Sónar. E o melhor de tudo: não é electro-pop, nem synth-pop, nem stupid pop.

Ele vai tocar com o alemão Alva Noto que, além de uns barulhinhos conceituais, faz umas performances visuais muito loucas e cria instalações modernosas pra todo mundo fingir que entende. É quase um excesso minimalista. Mas com Sakamoto, deve ter seu valor.

Temos conexões astrológicas. Seu histórico de parcerias e colaborações com piscianos é invejável (vocês sabem: sou bairrista e ufanista em termos zodiacais). O primeiro peixe da história é bem grande. Foi Bernardo Bertolucci que escreveu e dirigiu "O Último Imperador", "O Pequeno Buda" e "O Céu Que Nos Protege", com três belas trilhas de Sakamoto. A primeira, parceria com David Byrne e Cong Su, ganhou o Oscar de Melhor Trilha Sonora Original em 1988.

O outro é David Sylvian, criador do Japan, que moldou a estética da new wave antes mesmo do Duran Duran. Eles estão juntos em "Forbidden Colours",  trilha sonora de "Furyo - Em Nome da Honra", com David Bowie no elenco, e em várias colaborações até "Heartbeat (Tainai Kaiki II)", pequena obra-prima  com participação da cantora mexicana Ingrid Chávez, tão fresca quanto qualquer revival noventista.

As aventuras transatlânticas de Sakamoto chegaram ao Brasil com colaborações do percussionista Naná Vasconcellos, e com Marisa Monte. Mais, segundo disco da carioca produzido por Arto Lindsay, parceiro de Sakamoto, foi parcialmente gravado em Nova York e ganhou uma mãozinha do japonês nos teclados de Rosa, versão do clássico de Pixinguinha. Ele também vai à África com o cantor Youssou N' Dour, e ao País de Gales com o baixista Pino Palladino, que já trabalhou com o Tears For Fears e outros caprichosos do pop. Um bom exemplar da safra de experimentações multilíngues e multiétnicas do japonês é o álbum "Beauty" (1989), com a turma mais relevante da época, e ainda a frente de muito hype.

Só não cito a parceria bossanovista de Sakamoto com Jacques Morelenbaun e Arto Lindsay, sempre envoltos em tecidos verde e amarelos, porque Ed Motta e outros bicões desses projetos não entram no meu boteco. Estamos também em brevíssima greve de Caetano Veloso, outro arroz de festa colaborador de Sakamoto: distância é saudável para manter os egos leoninos sob controle. De resto, tá tudo feliz e valendo muito a pena pagar pra ver.







domingo, 1 de janeiro de 2012

Saúde, 2012!

Rita Lee Jagger, aniversariante de 31 de dezembro, gosta de dizer que os últimos serão os primeiros. 

E eu não sei você, mas enquanto estou viva e cheia de graça, talvez ainda faça um monte de gente feliz. Um ano novinho em folha também deve servir pra isso. Tim-tim!