quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

As crônicas Wandas


Vovó e eu nos aventuramos como sócias em duas aquisições musicais. A primeira foi uma coletânea de sucessos do Altemar Dutra que não tinha "Bandeira Branca" e foi revendida por R$1,99 num sebo do Tucuruvi. A outra foi um CD do Wando que compramos num supermercado porque achamos a capa engraçada. O cantor xavequeiro de boca carnuda & cara de safado [levemente bebum] acabou nos conquistando com uma pérola falsa que deslizava pelo canto transparente daquele quadrado de plástico. Um perfeito brinde cafajeste.

O nome do disco era "O Ponto G da História". E lá estava o Wando, dissertando como um filósofo sobre os mitos da tal caverna. Certa noite, as gargalhadas de vovó eram absolutamente sinceras e audíveis. Abri a porta e, do alto dos meus 12 ou 13 anos, avistei a velha  portuguesa radiante, vestindo uma camisola de florzinhas, e me virei para ver o Wando falando sobre sua coleção de calcinhas na TV.

Vovó  e Wando sabiam gozar a vida.  

Agora corta pro ano 2000. Fabrício e Juliano eram tão bobos quanto quase todos os galãs de matinê da zona norte. Haviam recentemente aprendido a dirigir e projetar suas noções de macheza na habilidade de cantar pneus com o carro do papai. Mas mesmo assim, tinham passe livre na casa da Júlia, que morava com a mãe, as três irmãs e uma fêmea letárgica de Husky Siberiano que jamais se moveu.

Existem duas versões, mas eu fico com a melhor. Era uma noite quente de quinta, o portão lateral da casa estava aberto, o corredor estava escuro e os dois garotos entraram sem avisar. Notaram o cheiro de feijão e a mãe entretida na cozinha, luz acesa e vidro embaçado no banheiro, vozes femininas no quarto de cima. A cadela exercitava sua crônica preguiça de latir. Foi quando Fabricio, que era muito alto, enroscou a cabeça num varal e avistou de repente um enorme jardim suspenso, onde calcinhas de todos os tamanhos, texturas e cores se revelavam como num delírio felliniano.  

Numa tomada de decisão digna dos grandes líderes, Fabrício puxou rapidamente os dois exemplares de tanga mais acessíveis, enquanto Juliano, que tremia mais, só conseguiu roubar uma meio barracuda. Os dois voltaram para o carro, deram afobadamente a partida e, antes que dobrassem a segunda esquina, acoplaram uma calcinha em cada retrovisor. Foram embora rodando as peças pelas janelas e ligando para todas as garotas de Santana  para cantar "Você é luz/é raio estrela e luar/manhã de sol/meu iá, meio ioiô".

O roubo foi rapidamente descoberto, mas os ladrões continuaram impunes. Estatísticas apontam que a quadrilha aumentou nos anos seguintes. Por motivo de segurança, a Júlia e eu decidimos hastear nossas calcinhas a meio mastro em homenagem ao Wando nestas noites quentes que sucedem sua partida. 

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