sábado, 31 de janeiro de 2009

Duas horas mágicas


1) Fernando Niero me deu uma guitarra velha de guerra (porém bonita e com um timbre bem do bacanudo), precisando de reforma. E foi o melhor presente que já ganhei.

2) Uma velha amiga e eu, sentadas descalças no quintal, durante uma tarde de sol. Nem era preciso tantas latas de cerveja: nossos futuros agora nos pegam pelas orelhas; e nós sempre soubemos que esses dias iriam chegar.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

1992

Em todos os cadernos os títulos vão de rosa, os enunciados de azul e as correções de verde; as contas na ponta do lápis, por sua vez, nunca deram certo. Em todas as páginas tem uma cruz dentro de uma bola e outra cruz fora, encostadas à linha vermelha, pela borda esquerda do universo juvenil. Nas páginas brancas há desenhos de nuvens & sóis felizes - com olhos, boca, nariz e sobrancelhas -, e também flores delicadas de miolo amarelo, grama gótica, árvores gigantes, e pessoas-palito com cabeças redondas. Nas primeiras páginas, alguns esboços ainda traçam corações tortos.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Who the hell is Peaches Geldof?


Uma deusa, uma louca, uma feiticeira? Uma pomba, um telettubie, uma atriz pornô? Uma nova integrante da creche da Jolie? Eu sei, minha gente, eu sei quem ela é! Eu e a Inglaterra toda, vejam bem. Peaches Honeyblossom Michelle Charlotte Angel Vanessa é filha do santo Bob Geldof com a falecida Paula Yates, e meia-irmã de Heavenly Heerani Tiger Lilly, a caçula de mamis com o também falecido Michael Hutchence.

Antes da fama, da cama, da lama, Poor Peaches era uma criança rica, mas normal. Quer dizer, normal, mas rica. Sentava-se ao lado das meninas mais chatas da escola mais cara de Londres, era gordinha e saía com cara de lua nas fotos, e tinha acesso a todas as diversões e brinquedos do mundo, exceto o Meu Primeiro Gradiente, a Lu Patinadora, o Pense Bem e a piscina de plástico da Turma da Mônica, versão 500 litros (100% Jaçanã).

Aos 7 anos já havia frequentado o colo do santo Bono, conhecido as netas de Sir Paul McCartney, e brincado de casinha com as filhas mimadas dos principais líderes políticos mundiais; já se interessava pela causa das baleias, militava com radicais vegetarianos, colecionava iguanas & jibóias com nome de gente, e cultuava vacas indianas. Por outro lado, também experimentou comer sabonete, bebeu água da chuva imaginando a sobrevivência na selva, e grudou muitas cacas de nariz debaixo da mesa durante o jantar.

Aos 9 anos, conta uma ex-babá, Peaches e sua irmã Fifi disputaram o torneio interestrelar do suco de laranja pelo nariz. Funcionava assim: as duas deveriam ingerir, ao mesmo tempo, a mesma quantidade de suco de laranja, o suficiente para encher completamente as bocas de ambas, e depois deveriam olhar fixamente uma para a outra, sem poder engolir, nem cuspir, nem rir. A primeira que risse, botaria o suco pra fora pelo nariz. E na segunda rodada, pelas orelhas. E na terceira, pelos olhos, e na quarta pelo dedão do pé.

Sua Barbie morena foi presa por digirir embriagada um Courvette rosa-choque e, no momento do flagrante, vestia somente uma camiseta regata furada e uma meia arrastão. Peaches tinha 10 anos. Aos 11, passou quarenta minutos beijando na boca da prima: primeiro selinho, depois de língua, depois tomaram banho juntas e ouviram Stand By Me. Mas podia ser Ilariê. Ou OldMcDonald has a farm...

Aos 12 já havia perdido a mãe, e sabia que não tinha sido Aspirina. Mas levava uma vida sossegada, gostava de sombra e água fresca. Aos 16, foi morar sozinha e descobriu que queria mesmo era ser porra-louca like Paris: I wanna be Paris, for paris, forever. E agora pinta, borda, canta, dança e sapateia. Quero crer que não rebola, mas bola. É personalidade fashion, ou pelo menos persona. Aos 19, casou-se de surpresa e se exilou, em Nova York. Estuda Letras e montou uma revista. Toca o puteiro, mas não se toca. Tocaí, mano: a gente é pobre, mas é feliz.


Obs: Preciso dizer que o perfil é fictício mas a personagem é real?

sábado, 10 de janeiro de 2009

Talk, talk, talk


"Eu disse pro meu filho: "A atração é apenas 10% do casamento. Eu sei que você pensa que sexo é tudo, mas é o que menos você vai fazer". Ele disse: "E o que se faz mais?" Respondi: Conversar". Evander Holyfield, boxeador


"Eu não acho justo que uma criança venha ao mundo e tenha de ser fotografada. Elas não escolheram essa vida". Paris Hilton, joker (?)


"Harvey Milk acreditava que se todos os gays saíssem do armário, todo mundo tomaria conhecimento de algum gay ou lésbica em seu círculo de amigos ou família. E é muito mais difícil detestar alguém que você já conhece, já ama". Gus Van Sant, cineasta

"Ísso é política pra mim: Alguém lhe diz que as árvores da sua rua estão infectadas com alguma coisa. Os vizinhos de um lado acham que dando água e comida, tudo se resolve. Os do outro lado querem que elas sejam derrubadas e queimadas para impedir que outras ruas sejam infectadas. Isso é política. E eu penso:"Quem disse que as árvores estão doentes? E como essa doença se manifesta? Não será somente um ciclo da natureza se manifestando? E quem disse isso, outra vez? E quando eles estiveram na rua, pra poder dizer?". Mas as pessoas apenas gritam: "Derrubem-nas, queimem-nas! ou "Dêem água e comida!", e você tem apenas duas escolhas. Sorry, eu não acredito nisso". John Malkovich, ator

"Você tem que considerar que o Reagn era vinte anos mais velho que eu. Ele tinha a idade da minha mãe. Havia um gap geracional. Durante as conversas, ele tentava me dar lições de moral, me ensinar as coisas. Um dia, disse a ele: ´Mr. President, você não é meu professor, e eu não sou seu aluno. Você não é juíz, nem eu estou sendo julgado. Então, não vamos submeter um ao outro a discursos desse tipo. Vamos direto ao ponto. Se você quiser me doutrinar, podemos terminar por aqui, porque não teremos como conversar´. Ele ficou bem bravo. Mas não muito tempo depois, ele me disse: ´Por que não nos chamamos pelos nomes? Você me chama de Ron, e eu te hamo de Mikhail´. Foi um passo importante". Mikhail Gorbachev, ex-presidente da URSS

"Esteja cara a cara com um cadáver, pelo menos uma vez. A absoluta falta de vida é um dos confrontos mais incômodos e desafiadores que você vai ter". David Bowie, camaleão

"Antes de começar a dirigir, eu raramente falava. Edward Mãos de Tesoura era sobre isso: ter um monte de sentimentos sem conseguir projetá-los". Tim Burton, cineasta

"Desde o princípio, eu sabia, intuitivamente, que nada mais era tão tranqüilo quanto a música, e que ninguém poderia me dizer o que fazer. A música não precisava de mediadores, enquanto tudo na escola precisava de explicação". Eric Clapton, guitar hero


* Todas as frases acima foram retiradas de entrevistas para a Esquire. E agora vamos trocar o disco da vitrola, ok?

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

The Falling Man



"Um homem parte desse mundo, como se fosse uma flecha. Não escolheu este fim, mas parece ter abraçado o destino em seus últimos instantes de vida. Poderia estar voando, se não estivesse caindo. Parece relaxado, viajando no ar. Também parece confortável, dominando o impulso. Não se mostra intimidado pela divina aspiração da gravidade, nem pelo que lhe espera depois. Os braços, ao lado do corpo, estão levemente arqueados. A perna esquerda se dobra no joelho quase casualmente. A camisa,jaqueta ou bata branca, flana independente da calça. Os sapatos pretos ainda calçam os pés. Em todas as demais fotos dos atentados às Torres Gêmeas, as pessoas que faziam o mesmo - saltavam - pareciam lutar contra as terríveis discrepâncias de escalas, fracas ao lado das torres colossais e diante do acontecimento em si. Alguns estão sem camisa, seus sapatos voam separados dos corpos descontrolados que se debatem e caem; todos parecem confusos, como se nadassem montanha abaixo. O homem da foto, ao contrário, está na vertical e completamente de acordo com as linhas dos prédios por trás dele".

Ok, a tentativa de tradução aí em cima foi minha. Mas o que interessa não é isso. O que interessa é que em 2003, o repórter Tom Junod foi escalado pelos editores da Esquire para contar a história por trás da foto clicada por Richard Drew, da Associated Press, na cobertura dos atentados de 11 de setembro de 2001. The Falling Man foi eleita pela revista como uma das principais reportagens de sua história, figurando ao lado do perfil Frank Sinatra Está Resfriado[1966], que graças ao faro astuto, à observação incessante, e ao brilhante texto de Gay Talese, tornou-se um dos mais aclamados perfis do jornalismo mundial. Todos os textos estão disponíveis na íntegra [in english], na página da Esquire desde 2007. Tem também The Last American Hero Is Junior Johnson. Yes!, de Tom Wolfe , e o impagável Superman Comes To The Supermarket, de Norman Mailer.

sábado, 3 de janeiro de 2009

Culturetes & babaquetes

"Uma vez eu estava numa cachoeira, numa trilha na Chapada Diamantina, acho que já com oxigênio de mais ou de menos na cabeça. E aí eu vi um mundo muito grande, uma cachoeira de 30 metros, uma visão muito maluca. E de repente fui transportada mentalmente para uma cabine de cinema. E imaginei todo mundo [do jornalismo cultural] trancado na cabine, quando é preciso reecontrar o mundo. As notícias estão no mundo, e não no Outlook Express. Hoje o jornalismo depende do Outlook - o que entrar, é notícia, e o que não estiver ali não entra. Talvez uma matéria esteja numa caminhada por algum lugar ou numa conversa com pessoas que não sejam seus amigos de sempre, do jornalismo cultural, porque esse também é um mundo que se retroalimenta. A cultura está por aí, por todos os lugares. Os personagens estão em todos os lugares". By Ana Paula Sousa

Não sou jornalista, mas arrisco mencionar alguns fatores que, somados, talvez possam explicar um pouco essa situação [do jornalismo unicamente focado no produto final]: preguiça jornalística; falta de cobrança do público leitor; pouquíssimos jornalistas realmente aptos a falar de cultura enquanto política; influência das assessorias de imprensa e da indústria cultural na definição de pautas; revistas e jornais que subestimam seus leitores; jornalistas culturais que preferem agir como "críticos de arte" do que como verdadeiros jornalistas. Como reverter esse quadro? É provável que a resposta passe pela seguinte questão: a cultura no Brasil ainda não é vista como algo fundamental e transversal. Se algum dia nossa sociedade e governos chegarem, de fato, a essa compreensão, a imprensa deverá acompanhar a mudança de visão. By André Fonseca

"Acho que só sobreviverá o jornalismo muito bem escrito e que dê conta dos movimentos culturais. O Brasil mudou nos últimos 10 anos, mas o jornalismo cultural mudou muito pouco e continua não vendo nada. O jornalista cultural só sabe olhar pro mundo com uma coleira no pescoço, e a única saída é tirar essa coleira. Mas enquanto o cara não sair da tela do Outlook, não vai ter jeito. Da tela do Outlook e do pedestal, né? Porque é incrível: trata-se de um tipo de jornalismo que repercute muito pouco e ainda assim as pessoas são arrogantes! Imagine se essas pessoas tivessem poder pra derrubar um presidente, de falar do que acontece em Wall Street, onde elas se colocariam? Esta arrogância é incompatível". By Ana Paula Sousa

As aspas de Ana Paula Sousa, ex-editora de cultura da Carta Capital, que agora prepara uma nova publicação de cultura pela Editora Matraca, foram retiradas da entrevista feita pelo André Fonseca para o podcast do blog Cultura em Pauta, bem aqui.

Para ler a íntegra da entrevista concedida pelo André Fonseca ao Julio Daio Borges no site Digestivo Cultural, clique aqui e vá buscar uma pipoca, sem deixar de prestar atenção no debate sobre o amadorismo dos artistas, o conservadorismo das empresas e as deficiências das políticas públicas para a cultura no Brasil, além de outras questões nem tão simples assim.

O poeta & a sarça de Deus

6

Quando te aproximas do mundo, Mira-Celi,

sinto a sarça de Deus arder, um círculo, sobre mim;

então mil demônios nômades fogem nos últimos barcos.

E as planuras desertas se ondulam volutuosas.

Quando, porém, te afastas, os homens se combatem entre ranger de dentes;

a vida se torna um museu de pássaros empalhados

e de corações estanques dentro de vitrinas poentas;

infelizes crianças que nasceram em bordéis, escondem-se atrás dos móveis,

com medo dos homens bêbados;

paira no ar um cheiro de mulher recém-poluída;

passam aviadores desmemoriados em cadeiras de rodas;

vêem-se tanques transformados em gaiolas de pássaros;

e submarinos apodrecendo em salmoura de suor;

organizam-se maratonas de hemiplégicos;

nas praças públicas exibem-se claunes paralíticos;

caftens de borboletas fogem para os abrigos;

e as sirenes anunciam que os lobos fugiram das estepes para os corações;

e mesmo aqueles que aprenderam as orações da infância

não ouvem mais ressonar de Deus.

Jorge de Lima, em Anunciação e Encontro de Mira-Celi (1950)