terça-feira, 29 de setembro de 2009

Mais Polanski

Saiu na Folha de S. Paulo, caderno Ilustrada, de hoje:

Vítima tentou retirar a acusação

DA REPORTAGEM LOCAL

Samantha Geimer, a modelo com quem Roman Polanski fez sexo em 1977, escreveu um artigo para o "Los Angeles Times", em 2003, quando o franco-polonês estava prestes a ganhar um Oscar por "O Pianista", e contou sua versão da história.
Ela era uma jovem modelo de 13 anos e fazia uma sessão fotográfica para uma revista francesa na casa do ator Jack Nicholson, na Mulholland Drive, em Los Angeles. "Ele [Polanski] me deu champanhe e um pouco de Quaalude [droga de efeito sedativo]. E depois tirou vantagem de mim. Não foi consensual de maneira alguma", escreveu.
"[Hoje, 25 anos depois] eu não tenho de fato nenhum ressentimento por ele, nem simpatia. Ele é um completo estranho para mim."
Polanski teria feito sexo oral e anal, após tirar fotos dela nua numa banheira.
Mesmo assim, ela dizia em seu artigo que o júri do Oscar devia julgar Polanski por seu filme e não o homem.
Neste ano, Geimer, que é casada, tem três filhos e mora no Havaí, fez um pedido formal para que promotores de Los Angeles retirassem as acusações contra Polanski. "Toda vez que esse caso volta à tona, um grande foco se volta para mim, minha família e outros. Essa atenção não é nada agradável", disse na época. O caso, no entanto, não foi retirado.

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Para informações do Los Angeles Times, clique aqui. Para o artigo original de Samantha, escrito em 2003, veja aqui.

Há erro de tradução no texto da Folha. Quem ler no LA Times verá que a menina de 13 estava ali, à toa, na festa de adultos hollywoodianos, e que Polanski pediu que ela se despisse e fosse para a banheira fazer fotos para a Vogue francesa, desencadeando o tal do "ato sexual ilícito". O ruim é que tanto nas TVs americanas quanto nos jornais brasileiros, falta contexto. Fui saber pelos meus pais que a história original também tinha uma mãezinha bem filhadaputinha, dessas que entregam as filhinhas ao matadouro em troca da terra prometida: money, success, fame, glamour.

Na época, Polanski confessou o ato. Os advogados dele e da vítima fizeram um acordo para diminuição da pena. Segundo boatos, a família da menina teria recebido cerca de 200 mil dólares para topar a plea bargain. Mas o fato é que, de última hora, por motivos não explicados, o acordo foi negado pelo júri. Com medo de apodrecer na cadeia, Polanski aproveitou a condicional e fugiu dos EUA. Soma-se ao crime original a chamada "obstrução de justiça". Como os crimes não prescrevem, vem o pedido de extradição, mesmo pelo segundo crime, mesmo que a vítima retire a queixa.

Por outro lado, o artigo de Samatha no LA Times termina assim: "O que me incomoda é que o que aconteceu comigo em 1977 continua a acontecer com as garotas todos os dias, mas as pessoas se interessam por mim porque o Sr. Polanski é uma celebridade. Isso não me parece justo. Faz com que eu me sinta culpada por receber a atenção que seria muito mais útil a outros casos".

E enfim: o que fazer? Se um cara me dopasse para tirasse esse proveito de mim -- com 13 ou 33 anos -- eu não iria deixar barato. É uma violação. É bem diferente de uma situação consensual.
Mas a mulher quer retirar a queixa, já faz 32 anos que isso aconteceu, e o vulto do escândalo acabou se tornando maior do que o crime e parece que nenhuma solução é justa.

Lamentável notar que o corporativismo e a politicagem -- tanto a favor quanto contra Polanski-- tornam o crime a coisa menos importante da história toda.

Alguém mais, além de mim, quer ouvir Jack Nicholson e Angelica Houston a respeito?

Free Polanski (?!)

Deve ser porque o Nuno Leal Maia está dando um malho danado na morenona da pornochanchada que o Canal Brasil exibe nessa madrugada de terça. Pode ser também que eu esteja menos interessada em trabalhar do que em pegar carona nas excelentes páginas de Gay Talese em A Mulher do Próximo, resultado de 8 anos de apuração jornalística sobre os hábitos e costumes sexuais da tal da sociedade americana. Ou talvez seja só perplexidade diante da noção politicamente correta esquizofrênica em que um cartaz de cinema erótico no centro de São Paulo se torna mais obsceno -- e passível de multa -- do que a tonelada de lixo que se acumula nas ruas da cidade. Mas não digeri essa história da prisão de Roman Polanski, 76, na Suíça, esse fim de semana.

Para quem estava na lua, não custa dizer que o cineasta foi preso, no domingo, por ter mantido relações sexuais com uma garota de 13 anos, num caso que se tornou público em 1978. Na época, Polanski confessou o tal crime mas conseguiu fugir para a Europa antes de ser julgado pela corte da Califórnia. Não botou os pés nos EUA nem para receber o Oscar de Melhor Diretor por O Pianista [2002], drama que remonta o surgimento do Gueto de Varsóvia, durante o nazismo. Polanski também é judeu polonês; sobreviveu ao holocausto. E foi figura central de um outro crime famoso em 1969, quando 7 pessoas, entre elas sua então esposa, a atriz Sharon Tate, foram assassinadas pelos membros da seita de Charles Manson. Polanski só escapou porque não estava em casa na hora do massacre. Chegou a ser tratado como suspeito. Tate estava grávida de 9 meses. Manson & sua trupe estão presos até hoje, com exceção de Susan Atkins, morta dois dias antes dessa nova prisão do diretor.

Ainda não sei o que eles consideram como abuso sexual nessa lei da Califórnia. Não sei o que a lei dizia em 1978 e não sei o que ela diz em 2009. O Gay Talese -- que comentou coisa parecida sobre a irresponsável cobertura midiática sobre as acusações de pedofilia sofridas por Michael Jackson -- também não deve saber. A imprensa e a justiça, mais uma vez, fizeram muito escândalo e deram poucas explicações. Quando Michael Jackson foi acusado pela primeira vez, em 1993, acabou aproveitando a turnê mundial para se manter longe dos EUA por uns meses e chegou a internar-se em uma clínica de reabilitação na Inglaterra para tratar do vício em analgésicos enquanto a poeira baixava. A Pepsi [do acidente com fogo, dez anos antes] cancelava contratos publicitários com o cantor. E a imprensa americana apostava num exílio eterno de Jackson, carinhosamente apelidado de "Polanski 2".

O final da história, todo mundo sabe.

Trata-se da mesma América de sempre: tapando o sol com a peneira, em busca de um inimigo número 1 para combater. Na falta de pistas sobre Bin Laden ou de soluções sobre a saúde pública no rabo da crise, está aberta a caça aos pervertidos. Foi assim com Bill Clinton e também com Woody Allen. 31 anos depois, mandaram prender e extraditar Polanski, aproveitando sua passagem pelo país-puta-mor da Europa, a gloriosa Suíça. A França não gostou. E a queda de braço diplomática continua.

Biógrafos dão conta que Elvis Presley começou a ter encontros íntimos com Priscilla quando a moça tinha 14 anos. Jerry Lee Lewis casou com a prima quando ela tinha 13. Com Elvão, a América fez vista grossa: passou um pano para seu superstar branco & belo para exportação, que serviu o exército e foi uma verdadeira máquina de propaganda americana com suas dezenas de filmes em Hollywood. Jerry Lee Lewis -- que vivia bêbado, tacando fogo no piano -- , só se ferrou (lembram do filme com Dennis Quaid?): foi escandalizado e chegou a perder as rédeas sobre a carreira.

Conheço histórias de velhinhas que, aos 12 ou 14 anos, pularam o portão para fugir com homens bem mais velhos. Escândalos sexuais muito bem acobertados por enlaces matrimoniais arranjados a tempo de esconder as barrigas. Há casos célebres de artistas pederastas & seus amantes adolescentes, pintores & concubinas púberes. E ninguém precisa apelar para nenhum estudo histórico ou antropológico sobre a sexualidade para dar conta de como a moral cristã, assimilada por Estados teoricamente "laicos e livres", alimentou essa enorme máquina de controle social às custas da repressão do desejo. Basta lembrar que, até 2003, a sodomia e o sexo oral ainda eram crimes em estados americanos como o Texas.

Aos 13 anos, minhas amigas e eu éramos tontas, ingênuas & virgens. Já passamos dos 25, não temos mais nada de virgens e, em muitos quesitos, somos até mais tontas do que antes. Aos 13, no entanto, já nutríamos belos desejos. Uma parte de nós preferia os robustos professores de educação física aos molequinhos espinhudos da sétima série. No geral, nossas vidas sexuais começaram pouco depois dessa fase e, salvo raras exceções, todas nós praticamos os tais "atos ilícitos" com barbudões mais velhos quando ainda éramos menores de idade. E todas sabíamos exatamente o que estávamos fazendo.

Por isso, vem a pergunta: o Polanski afinal estuprou, fez algo à força com a moça, ou simplesmente manteve relações sexuais consentidas por ela? Essa coisa do doping foi comprovada? Como é que, 30 anos depois, poderá haver algum tipo de julgamento sobre isso? Eu ainda não entendi. E o Gay Talese, provavelmente, também não.

*Acima, Roman Polanski e Sharon Tate em 1968; reprodução da capa de edição americana de A Mulher do Próximo, de Gay Talese.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Hora da saída

"Manokú, viado! [buf...buf...buf....] Seu filho-da-puta! Cuzão do caraio! [buf...buf...] Porra!", grita solitário o menino moreno, magrelo & suado, batendo os pés com toda força nas poças d´água suja, desafiando o oponente de uniforme surrado que caminha devagar pela calçada estreita, do outro lado da rua.

É primavera no limite norte de São Paulo.

As meninas caminham em bandos de meia dúzia, gargalhando em voz alta. Futuras grandes matronas pardas, de bochechas ruborizadas e cabelos crespos amarrados em fitas rosa-choque. Uma delas derruba um fichário. As outras reagem em bando, "Êêêê, Marcelá!"; quando já dá pra ver as camisetas amarradas, improvisando a sedução pelo nó acima do umbigo.

Lindos homens e mulheres do futuro, correndo riscos e farejando limites pelos códigos sociais do antigo bairro.

E durante o dia todo só se viu no céu uma pequena fenda de sol.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Quando a cultura pop emociona



* "A tribute like no other to a performer like no other", promo da MTV americana para o VMA 2009, citando a chuva de sapos de "Magnolia", filme de Paul Thomas Anderson (1999).

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Ponto de vista


Renata D´Elia, by Tiago Andrade (@madmaxandrade)
*com base em foto by Camila Hungria, nos arredores do Templo Budista Zu Lai. Cotia - SP, 2008