Deve ser porque o Nuno Leal Maia está dando um malho danado na morenona da pornochanchada que o Canal Brasil exibe nessa madrugada de terça. Pode ser também que eu esteja menos interessada em trabalhar do que em pegar carona nas excelentes páginas de Gay Talese em A Mulher do Próximo, resultado de 8 anos de apuração jornalística sobre os hábitos e costumes sexuais da tal da sociedade americana. Ou talvez seja só perplexidade diante da noção politicamente correta esquizofrênica em que um cartaz de cinema erótico no centro de São Paulo se torna mais obsceno -- e passível de multa -- do que a tonelada de lixo que se acumula nas ruas da cidade. Mas não digeri essa história da prisão de Roman Polanski, 76, na Suíça, esse fim de semana.
Para quem estava na lua, não custa dizer que o cineasta foi preso, no domingo, por ter mantido relações sexuais com uma garota de 13 anos, num caso que se tornou público em 1978. Na época, Polanski confessou o tal crime mas conseguiu fugir para a Europa antes de ser julgado pela corte da Califórnia. Não botou os pés nos EUA nem para receber o Oscar de Melhor Diretor por O Pianista [2002], drama que remonta o surgimento do Gueto de Varsóvia, durante o nazismo. Polanski também é judeu polonês; sobreviveu ao holocausto. E foi figura central de um outro crime famoso em 1969, quando 7 pessoas, entre elas sua então esposa, a atriz Sharon Tate, foram assassinadas pelos membros da seita de Charles Manson. Polanski só escapou porque não estava em casa na hora do massacre. Chegou a ser tratado como suspeito. Tate estava grávida de 9 meses. Manson & sua trupe estão presos até hoje, com exceção de Susan Atkins, morta dois dias antes dessa nova prisão do diretor.
Ainda não sei o que eles consideram como abuso sexual nessa lei da Califórnia. Não sei o que a lei dizia em 1978 e não sei o que ela diz em 2009. O Gay Talese -- que comentou coisa parecida sobre a irresponsável cobertura midiática sobre as acusações de pedofilia sofridas por Michael Jackson -- também não deve saber. A imprensa e a justiça, mais uma vez, fizeram muito escândalo e deram poucas explicações. Quando Michael Jackson foi acusado pela primeira vez, em 1993, acabou aproveitando a turnê mundial para se manter longe dos EUA por uns meses e chegou a internar-se em uma clínica de reabilitação na Inglaterra para tratar do vício em analgésicos enquanto a poeira baixava. A Pepsi [do acidente com fogo, dez anos antes] cancelava contratos publicitários com o cantor. E a imprensa americana apostava num exílio eterno de Jackson, carinhosamente apelidado de "Polanski 2".
O final da história, todo mundo sabe.
Trata-se da mesma América de sempre: tapando o sol com a peneira, em busca de um inimigo número 1 para combater. Na falta de pistas sobre Bin Laden ou de soluções sobre a saúde pública no rabo da crise, está aberta a caça aos pervertidos. Foi assim com Bill Clinton e também com Woody Allen. 31 anos depois, mandaram prender e extraditar Polanski, aproveitando sua passagem pelo país-puta-mor da Europa, a gloriosa Suíça. A França não gostou. E a queda de braço diplomática continua.
Biógrafos dão conta que Elvis Presley começou a ter encontros íntimos com Priscilla quando a moça tinha 14 anos. Jerry Lee Lewis casou com a prima quando ela tinha 13. Com Elvão, a América fez vista grossa: passou um pano para seu superstar branco & belo para exportação, que serviu o exército e foi uma verdadeira máquina de propaganda americana com suas dezenas de filmes em Hollywood. Jerry Lee Lewis -- que vivia bêbado, tacando fogo no piano -- , só se ferrou (lembram do filme com Dennis Quaid?): foi escandalizado e chegou a perder as rédeas sobre a carreira.
Conheço histórias de velhinhas que, aos 12 ou 14 anos, pularam o portão para fugir com homens bem mais velhos. Escândalos sexuais muito bem acobertados por enlaces matrimoniais arranjados a tempo de esconder as barrigas. Há casos célebres de artistas pederastas & seus amantes adolescentes, pintores & concubinas púberes. E ninguém precisa apelar para nenhum estudo histórico ou antropológico sobre a sexualidade para dar conta de como a moral cristã, assimilada por Estados teoricamente "laicos e livres", alimentou essa enorme máquina de controle social às custas da repressão do desejo. Basta lembrar que, até 2003, a sodomia e o sexo oral ainda eram crimes em estados americanos como o Texas.
Aos 13 anos, minhas amigas e eu éramos tontas, ingênuas & virgens. Já passamos dos 25, não temos mais nada de virgens e, em muitos quesitos, somos até mais tontas do que antes. Aos 13, no entanto, já nutríamos belos desejos. Uma parte de nós preferia os robustos professores de educação física aos molequinhos espinhudos da sétima série. No geral, nossas vidas sexuais começaram pouco depois dessa fase e, salvo raras exceções, todas nós praticamos os tais "atos ilícitos" com barbudões mais velhos quando ainda éramos menores de idade. E todas sabíamos exatamente o que estávamos fazendo.
Por isso, vem a pergunta: o Polanski afinal estuprou, fez algo à força com a moça, ou simplesmente manteve relações sexuais consentidas por ela? Essa coisa do doping foi comprovada? Como é que, 30 anos depois, poderá haver algum tipo de julgamento sobre isso? Eu ainda não entendi. E o Gay Talese, provavelmente, também não.
*Acima, Roman Polanski e Sharon Tate em 1968; reprodução da capa de edição americana de A Mulher do Próximo, de Gay Talese.
Para quem estava na lua, não custa dizer que o cineasta foi preso, no domingo, por ter mantido relações sexuais com uma garota de 13 anos, num caso que se tornou público em 1978. Na época, Polanski confessou o tal crime mas conseguiu fugir para a Europa antes de ser julgado pela corte da Califórnia. Não botou os pés nos EUA nem para receber o Oscar de Melhor Diretor por O Pianista [2002], drama que remonta o surgimento do Gueto de Varsóvia, durante o nazismo. Polanski também é judeu polonês; sobreviveu ao holocausto. E foi figura central de um outro crime famoso em 1969, quando 7 pessoas, entre elas sua então esposa, a atriz Sharon Tate, foram assassinadas pelos membros da seita de Charles Manson. Polanski só escapou porque não estava em casa na hora do massacre. Chegou a ser tratado como suspeito. Tate estava grávida de 9 meses. Manson & sua trupe estão presos até hoje, com exceção de Susan Atkins, morta dois dias antes dessa nova prisão do diretor.
Ainda não sei o que eles consideram como abuso sexual nessa lei da Califórnia. Não sei o que a lei dizia em 1978 e não sei o que ela diz em 2009. O Gay Talese -- que comentou coisa parecida sobre a irresponsável cobertura midiática sobre as acusações de pedofilia sofridas por Michael Jackson -- também não deve saber. A imprensa e a justiça, mais uma vez, fizeram muito escândalo e deram poucas explicações. Quando Michael Jackson foi acusado pela primeira vez, em 1993, acabou aproveitando a turnê mundial para se manter longe dos EUA por uns meses e chegou a internar-se em uma clínica de reabilitação na Inglaterra para tratar do vício em analgésicos enquanto a poeira baixava. A Pepsi [do acidente com fogo, dez anos antes] cancelava contratos publicitários com o cantor. E a imprensa americana apostava num exílio eterno de Jackson, carinhosamente apelidado de "Polanski 2".
O final da história, todo mundo sabe.
Trata-se da mesma América de sempre: tapando o sol com a peneira, em busca de um inimigo número 1 para combater. Na falta de pistas sobre Bin Laden ou de soluções sobre a saúde pública no rabo da crise, está aberta a caça aos pervertidos. Foi assim com Bill Clinton e também com Woody Allen. 31 anos depois, mandaram prender e extraditar Polanski, aproveitando sua passagem pelo país-puta-mor da Europa, a gloriosa Suíça. A França não gostou. E a queda de braço diplomática continua.
Biógrafos dão conta que Elvis Presley começou a ter encontros íntimos com Priscilla quando a moça tinha 14 anos. Jerry Lee Lewis casou com a prima quando ela tinha 13. Com Elvão, a América fez vista grossa: passou um pano para seu superstar branco & belo para exportação, que serviu o exército e foi uma verdadeira máquina de propaganda americana com suas dezenas de filmes em Hollywood. Jerry Lee Lewis -- que vivia bêbado, tacando fogo no piano -- , só se ferrou (lembram do filme com Dennis Quaid?): foi escandalizado e chegou a perder as rédeas sobre a carreira.
Conheço histórias de velhinhas que, aos 12 ou 14 anos, pularam o portão para fugir com homens bem mais velhos. Escândalos sexuais muito bem acobertados por enlaces matrimoniais arranjados a tempo de esconder as barrigas. Há casos célebres de artistas pederastas & seus amantes adolescentes, pintores & concubinas púberes. E ninguém precisa apelar para nenhum estudo histórico ou antropológico sobre a sexualidade para dar conta de como a moral cristã, assimilada por Estados teoricamente "laicos e livres", alimentou essa enorme máquina de controle social às custas da repressão do desejo. Basta lembrar que, até 2003, a sodomia e o sexo oral ainda eram crimes em estados americanos como o Texas.
Aos 13 anos, minhas amigas e eu éramos tontas, ingênuas & virgens. Já passamos dos 25, não temos mais nada de virgens e, em muitos quesitos, somos até mais tontas do que antes. Aos 13, no entanto, já nutríamos belos desejos. Uma parte de nós preferia os robustos professores de educação física aos molequinhos espinhudos da sétima série. No geral, nossas vidas sexuais começaram pouco depois dessa fase e, salvo raras exceções, todas nós praticamos os tais "atos ilícitos" com barbudões mais velhos quando ainda éramos menores de idade. E todas sabíamos exatamente o que estávamos fazendo.
Por isso, vem a pergunta: o Polanski afinal estuprou, fez algo à força com a moça, ou simplesmente manteve relações sexuais consentidas por ela? Essa coisa do doping foi comprovada? Como é que, 30 anos depois, poderá haver algum tipo de julgamento sobre isso? Eu ainda não entendi. E o Gay Talese, provavelmente, também não.
*Acima, Roman Polanski e Sharon Tate em 1968; reprodução da capa de edição americana de A Mulher do Próximo, de Gay Talese.
Nenhum comentário:
Postar um comentário