segunda-feira, 26 de setembro de 2011

O novo e o velho livro de Bicelli + filme de Jairo Ferreira

Dia 3 de outubro, das 19 às 22 horas, na Livraria da Vila do Shopping Higienópolis, tem lançamento do novo livro de Roberto Bicelli, Ego Trip - Viajo e Celebro a Mim Mesmo. Trata-se de um diário de bordo muito louco sobre uma longa viagem que ele fez pelo nordeste, num puta fôlego narrativo e cheio de histórias saborosas. O lançamento é do selo Virgiliae, da editora Livros de Safra. O flyer você encontra logo abaixo. 

Quem leu meu livro Os Dentes da Memória já sabe que o cara é uma das figuras mais singulares, criativas e engraçadas que ainda é possível encontrar em São Paulo. O lançamento do primeiro livro dele, Antes Que Eu Me Esqueça, aconteceu em 1977 no Teatro Célia Helena, em São Paulo, e teve leituras do próprio Bicelli, Roberto Piva, Claudio Willer, Luiz Fernando Ramos e Eduardo Gianetti da Fonseca (sim, o economista poderosão), além da música de Nelson Jacobina e Jorge Mautner, uma academia de sumô, projeções dos movimentos de Muhammad Ali e fliperamas. Os poemas lidos por Roberto Piva neste evento, nunca foram publicados em livro. Tudo isso está no Super 8 homônimo de Jairo Ferreira, postado aqui.

Claudio Willer, que também prefacia este Ego Trip, postou algumas observações sobre o filme de Jairo Ferreira e as leituras poéticas daquela noite em seu blog. Reproduzo na íntegra, aqui:


  • Como pode ser observado pela amostra, o evento faz parte da lista de ocasiões em que não fomos presos. Arriscado, dizer essas coisas em 1977.
  • Jairo, acertadamente, deu destaque à brilhante apresentação de Piva. São cinco os poemas que leu. Nenhum está em livro. O último, publiquei-o na época no jornal Versus. Os outros, não sei que fim levaram. Podem ter sido perdidos ou guardados.
  • Pode parecer aos adeptos da literalidade que Piva houvesse, politicamente, virado o fio desde proclamações como “quem exporta sobremesa pode virar a mesa” e as observações sobre o regime militar (também pelos demais poetas que se apresentaram) até um poema como “A bengala alienígena de Artaud” de “Estranhos sinais de Saturno”, além da associação de dirigentes contemporâneos ao stalinismo e seu auto-proclamado monarquismo. Não: ele foi coerente, continuou o mesmo rebelde insubmisso e crítico radical – mudou algo do restante.
  • Todos lêem muito bem nessa apresentação, me parece. Mas a leitura de Piva pode ser comparada àquelas de Jack Kerouac em suas apresentações no Vanguard Theater, de 1958. Ambos – e isso vale para outras gravações de Piva, inclusive o CD que vem com “Estranhos sinais de Saturno” – muito familiarizados com o jazz. Notem como o ritmo do texto e da leitura acompanha a respiração, e não o contrário. 



Mas a história por trás disso tudo, só em Os Dentes da Memória. 



O livro na revista sãopaulo + Rock In Rio

Passei pra dizer três coisas:

1) Minha disposição pra Rock In Rio ficou mais pra aquela hashtag do #rockincasa, mas tô adorando essa noite do metal. Slipknot é pesado, trash, tem fogo no palco, máscaras nas caras, tambores e público completamente envolvido. Motorhead tocando muito alto, acima do bem e do mal. Metallica impecável, provavelmente uma das melhores bandas do mundo ao em cima do palco.  E ainda tem o James Hetfield com a cara do Mano Menezes e o Lars Ulrich finalmente gêmeo de Phill Collins. Vocês querem o quê, o banquinho e o violão?

2) Saiu ontem na revista sãopaulo, da Folha de S. Paulo, indicação do crítico Manuel da Costa Pinto sobre "Os Dentes da Memória" com 4 estrelas, cotação máxima da coluna. Vou reproduzir abaixo, assim não passa batido por aqui. 

3) A revista também tem materinha minha sobre os documentos dos séculos 16 a 20, expostos no Arquivo Histórico Municipal. Vale muito a pena conferir as raridades!


LIVRO 
OS DENTES DA MEMÓRIA **** 
Camila Hungria e Renata D'Elia (Azougue, 256 págs., R$ 38,90)
Panorama de um grupo -Roberto Piva, Cláudio Willer, Antonio Fernando de Franceschi e Roberto Bicelli- que renovou a poesia brasileira sob influência do surrealismo e dos beats. Além de fotografias e documentos, traz colagem de entrevistas da qual participam outros protagonistas da efervescente vida intelectual de São Paulo dos anos 1960 e 1970. 

Piva, 74 + Herois da decadensia (sic)

Hoje Roberto Piva faria 74 anos. Além de lê-lo, não há nada como ressuscitar algumas imagens do poeta em 1987, num vídeo do Tadeu Jungle, uma das cabeças por trás da produtora independente TVDO (TV Tudo). "Herois da Decadensia (sic)" é um belo exemplar dos experimentos e inovações visuais que essa turma procurava aplicar à televisão, mas a história é longa e esse lance de linguagem fica pra outro post. A começar pelo óbvio, o fogo xamânico de Piva contraposto à presença de Supla e do então Cardeal Arcebispo de São Paulo, D. Paulo Evaristo Arns, já valem pelo vídeo postado aí no Youtube. 

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Uma boa entrevista sobre poesia e Os Dentes da Memória na Rede Brasil Atual

O Guilherme Bryan publicou breve resenha e uma entrevista comigo falando sobre "Os Dentes da Memória" na Rede Brasil Atual. Foi uma das melhores entrevistas sobre o livro até agora. Consegui dissertar sobre questões importantes que ainda não tinham sido abordadas por jornalistas, tanto sobre o making-of do projeto quanto sobre as nossas escolhas e nossa visão sobre a história. Segue uma pergunta/resposta de prévia e também o link do conteúdo. 

Como foram selecionados os entrevistados para o livro? Houve alguma entrevista que não conseguiram realizar ou que ficou de fora por alguma razão?
A coisa começa em torno do Piva, uma figura absolutamente fascinante, magnética e complexa, dona de uma obra poética muito poderosa e que merece atenção urgente, para muito além de seu primeiro livro, "Paranoia". A partir daí selecionamos os outros três personagens principais, tendo como norte a confluência permanente de suas trajetórias ao longo das décadas, a amizade e as vivências em comum, a influência de um sobre as leituras e as escritas dos outros, a qualidade poética e o potencial deles como personagens de livros. O Roberto Bicelli, por exemplo, é uma descoberta e tanto: com apenas um livro de poemas, teve nesse grupo um papel importantíssimo e é por si só um personagem sedutor. Afinal, existe gente muito talentosa e competente por aí, mas nem todos são bons personagens para um livro, tá cheio de bons poetas não dão o menor caldo ou interesse para uma biografia. Esses quatro caíram como uma luva e nós percebemos isso desde princípio. Outra coisa: não queríamos falar exatamente em "geração 60", que também é uma divisão polêmica de se fazer, então vamos deixar isso na mão dos nossos especialistas. Também não gostaríamos que a história parasse nos anos 1960, pois há vivências, acontecimentos históricos, políticos, culturais e livros suficientes para trazê-la até hoje. Fizemos uma pesquisa grande não apenas sobre a bibliografia destes poetas, como de suas influências e de seus contemporâneos. E por fim, há outros nomes importantes na Geração 60 de São Paulo que receberam apenas menções ou foram entrevistados sem protagonização. Muitos merecem ter suas trajetórias contadas e reconhecidas, e esperamos que esse trabalho seja feito futuramente. Selecionamos como coadjuvante os que mais tiveram contato com estes personagens em determinados momentos, ou que eram citados nas entrevistas e participaram de histórias importantes, e também aqueles que poderiam elucidar melhor alguns pontos e passagens. Por uma questão de foco, fluidez e edição, algumas pessoas ficaram de fora. Outros simplesmente foram procurados e não quiseram dar entrevista, não puderam nos atender, ou nunca responderam nossos e-mails e telefonemas. Além do mais, nenhum retrato memorialístico, histórico, jornalístico ou biográfico é definitivo, completo ou contém toda a verdade da Terra. Aliás, nunca nos propusemos a isso. Quem quiser, pode partir em direção ao foco e ao viés que desejar, jogando toda luz nos personagens que julgar mais importantes. 

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Sexo, bombas e choque elétrico, por Marcelo Coelho (FSP)

Saiu na Folha de S.Paulo, caderno Ilustrada de hoje, um artigo dos bons assinado pelo Marcelo Coelho. Ele fala sobre "Os Dentes da Memória - Piva, Willer, Franceschi, Bicelli e Uma Trajetória Paulista de Poesia", meu livro com Camila Hungria pela Azougue Editorial. Os sites das livrarias Martins Fontes e Cultura enviam para todo o Brasil, basta comprar com eles.

Abaixo, reproduzo texto e trecho da edição digital do jornal, cortesias de Bê Neviani e Keka Ferreira. Gostei muito do espírito do texto, que é também parte do espírito do livro. Acho que o Piva estaria se divertindo bastante com isso. Willer, Bicelli, Franceschi e outros personagens estão curtindo. 


MARCELO COELHO

Sexo, bombas e choque elétrico

"A gente se beijava e corria uma eletricidade incrível [...] Nós estávamos tomando choque molhados!"



Existem os loucos e existem também aqueles que querem ser loucos sem serem loucos de fato.
Qualquer que seja o caso, não faltaram loucuras na vida do poeta Roberto Piva (1937-2010) e dos seus amigos (Cláudio Willer, Rodrigo de Haro, Roberto Bicelli). Alguns exemplos.
Na década de 70, Piva e Bicelli davam aulas num colégio público. "Um dia", conta Bicelli, "o Piva chegou atrasado porque ficou bebendo com a professora de geografia. Entrou bêbado na classe, fez a chamada e falou: 'Estou de saco cheio do bom comportamento de vocês'".
Ato contínuo, "subiu na mesa, baixou as calças e mostrou a pica para os garotos da quinta série! Ainda correu atrás de um japonesinho que havia se mandado da sala! A inspetora, que era nosso anjinho, transferiu-o de escola e ficou tudo bem".
O caso é lembrado em "Os Dentes da Memória", livro de Camila Hungria e Renata D'Elia, que acaba de ser lançado pela Azougue Editorial.
Acompanhado por uma breve antologia desses poetas (a geração dos "novíssimos" da década de 60), o livro é composto exclusivamente dos depoimentos, habilmente entrelaçados, dos principais membros do grupo.
Cláudio Willer é o protagonista de outra aventura.
"Eu e um amigo pretendíamos explodir uma bomba na casa de um desafeto nosso, na rua Tupi com a avenida Pacaembu. Então, prendemos a bomba com pólvora enrolada em fita adesiva. Quando fomos testar a bomba, esse meu amigo teve a genial ideia de enfiá-la no escapamento do carro e acender!"
Enquanto a bomba não estourava, continua Willer, "resolvi brincar com uma pistola Browning 7.65, que tinha ganhado de presente num breve período de gostar de armas. Ficamos tentando acertar os lampiões e a iluminação da Pacaembu!".
Erraram todos os tiros, mas a polícia apareceu. "Quando chegou a polícia, a bomba do carro explodiu!" Novamente, nada mais sério aconteceu. "Depois demos uma grana para o delegado sumir com as provas, e fui inocentado perante o juiz."
Já Roberto Bicelli se lembra de uma transa incomum. "Fui ao banheiro, passando meio mal. Lá, peguei a minha namorada e dei um cato nela. A gente se beijava e corria uma eletricidade que era uma coisa incrível! A gentia sentia choques pelo corpo todo."
Não era paixão. "Quando percebi, a pia tinha quebrado fragorosamente e tinha um fio solto no chão! Nós estávamos tomando choque molhados!"
Choques elétricos, bombas caseiras, subversão estudantil: nesses episódios, é como se tivéssemos a história da ditadura militar traduzida em outros termos, transportada numa viagem de LSD.
No começo da década de 60, o grupo de Roberto Piva tratava de romper com o formalismo vigente e seguir, nos moldes dos surrealistas e dos beatniks, a ideia de que não pode haver separação entre a arte e a vida.
As fotos reproduzidas no livro, assim como o documentário de Ugo Giorgetti sobre o grupo ("Uma Outra Cidade", de 2001), não deixam dúvidas. Roberto Piva, na juventude, era bonito a mais não poder, e seus amigos não ficavam muito atrás.
Álcool, drogas e o passar do tempo foram minando essa beleza. A partir do AI-5, as bombas e pistolas já não podiam ser usadas com tanta impunidade. A transgressão foi sendo abandonada por alguns dos membros do grupo, que casaram, tiveram filhos e arranjaram emprego.
A heterossexualidade pode ser uma vigorosa fonte de caretice. Roberto Piva não conheceu essa ameaça.
Se escapou, na época, de ser preso ou internado por homossexualidade, hoje seria provavelmente acusado de pedofilia. No fim da vida, contou-me que alguns dos seus amantes adolescentes tornaram-se, com o tempo, bons amigos heterossexuais. Piva chegou a ser padrinho do filho de um deles.
O artigo vai acabando e não tenho espaço para comentar a poesia dessa geração. Mas, afinal, quando se rompem as fronteiras entre vida e literatura, os lances biográficos desses poetas ganham seu próprio interesse estético.
Por outro lado, na medida em que se entrega ao fluxo das associações livres, à "paranoia" e ao "delírio", essa poesia corre o risco de se tornar monótona. A loucura funciona quando feita de flashes e inspirações súbitas; mas é difícil sustentá-la para sempre. Isso exige muito voluntarismo e militância.
Como se sabe, as décadas de 60 e 70 estavam aí para isso mesmo.

coelhofsp@uol.com.br

domingo, 11 de setembro de 2011

Revisitando: Hot Space, do Queen (1982)



John Deacon, Roger Taylor, Freddie Mercury Bad Boy e Brian May no estúdio de gravação do clipe de Body Language.


Não é de hoje que eu quero escrever sobre o Hot Space, considerado por boa parte dos fãs e dos críticos como o pior álbum do Queen, alvo da fúria de todo tipo de roqueiro peludo desde seu lançamento, em 1982. Isso aconteceu menos de 1 ano após a passagem triunfante da banda pelo estádio do Morumbi, em São Paulo, onde todos eles choraram como bebês. E eu estava aqui acalmando as lombriguinhas e pensando na morte da bezerra quando as comemorações pelo aniversário virtual de 65 anos de Freddie Mercury pipocaram por nossos corações e mentes no último dia 5 de setembro. Não pude encontrar melhor gancho entre todas as execuções de Bohemian Raphsody e Love Of My Life.

Comecemos pelo começo. Formado em Londres, 1970, o Queen marcou sua identidade em torno não somente do carisma e da excentricidade, mas também da arrebatadora performance de palco e dos maneirismos vocais de Freddie. Ele ainda nem usava bigode, mas já atuava como principal compositor da banda ao lado do guitarrista Brian May, um gênio autodidata de mãos delicadas e riffs singulares. Pra completar, havia as batidas pesadas de Roger Taylor e um baixista magrelo, bastante discreto, mas muito competente: John Deacon era um especialista em eletrônica apaixonado pela música de Stevie Wonder e das lendas da Motown. Além de excelentes músicos, todos sabiam cantar. O cuidado com os arranjos vocais foi um diferencial já nas gravações iniciais da banda.  

A vocação para a grandeza também deu as caras logo cedo. Os dois primeiros álbuns -- Queen (1973) e Queen II (1974) -- são híbridos entre estilos bem marcados como o rock progressivo e o heavy metal, o hard rock e o art rock. As apresentações tinham todo tipo de ingrediente dramático que os punks revoltosos e os indies cerebraizinhos renegaram depois. Isso sem contar os cabelos compridos e nos collants abertos no peito cabeludo de Freddie, se revezando entre o piano e o pedestal do microfone, num tipo de entrega dionisíaca que poucas divas já sonharam em ter. Sheer Heart Attack (1974), primeiro disco da banda a emplacar entre os mais vendidos da Inglaterra a reboque do sucesso do single Killer Queen, marca o aparecimento da mistura entre a ópera e o rock que tornou a banda inconfundível em suas obras-primas, A Night At The Opera (1975) e A Day At The Races (1976).  

Se você reparar direitinho, vai perceber que os títulos são iguais aos de dois filmes dos irmãos Marx. E também vai notar que a alternância entre um peso metaleiro com baladas melódicas e influências operísticas são a grande tônica da banda nesse período. Mas aí vem a outra guinada musical e comercial nessa história. News Of The World (1977) trouxe dois dos maiores hinos de estádio da história da banda -- We Will Rock You e We Are The Champions --, emplacou nos Estados Unidos e deixou de lado a ópera em prol de um hard rock bem resolvido, ainda com as marcas do Queen. Dali por diante, no entanto, abriu-se espaço para uma virada gradual em direção à música pop americana. Isso começou nos álbuns Jazz (1978) e The Game (1980). Os discos do Queen até então eram vendidos com selos que proclamavam o não uso de sintetizadores. 

A esta altura, Michael Jackson havia se tornado referência para além de John Deacon, compositor de Another One Bites The Dust, lançada como single a partir de um pitaco do próprio rei do pop. Clássico instantâneo, a música já não era lá um traditional rock, mas tornou-se um dos singles de maior sucesso da banda. A proximidade de Michael e Freddie rendeu ainda duas parcerias. State Of Shock acabou sendo gravada em dueto com Mick Jagger graças à pressão da gravadora, embora Freddie cante nas demos.  A segunda  é There Must Be Something More to Life Than This, cuja demo em dueto acabou virando hit entre os fãs no Youtube, com direito a um vergonhoso teclado de churrascaria. A versão finalizada só foi aparecer num disco solo de Freddie, sem participação de Michael.   

Agora corta pra 1982. Michael Jackson & Quincy Jones estavam no estúdio gravando o-todo-poderoso Thriller, que teria um de seus pontos altos em Beat It, um hard rock tipicamente branquelo, com participação de Eddie Van Halen. Mas o Billboard Hot 100 ainda estava dominado por baladas do Chicago, Lionel Richie, Olivia Newton John, Donna Summer, os sintetizadores do Human League e outros bichos estranhos ao mundo dos machões com guitarras. Mesmo com a nova fase do heavy metal, as principais novidades ficavam por conta do New Romantic de bandas como o Duran Duran e toda a New Wave. Eis que os quatro integrantes do Queen saem do estúdio e causam um frenesi em torno do lançamento de Hot Space. Mas a resposta não foi das melhores. "O que é isso, new black? Sintetizadores! Funk rock? Dance music? O Queen abandonou suas raízes! O Queen abandonou o rock! O Queen nos abandonou, vamos chorar!" As reclamações de crítica e público foram tantas que a banda chegou a se desculpar ao vivo durante a turnê, uma das mais bem sucedidas de sua história, apesar do fracasso do disco.   

Como unidade, Hot Space é mesmo uma obra muito da mal resolvida, embora tenha qualidades. E afinal, que mania mais chata essa de levar qualquer coisa a sério demais! Faltou conexão entre o estilo da banda e o estilo do produtor Arif Mardin, conhecido pelo trabalho com os BeeGees e Aretha Franklin. Parece que eles embarcaram na viagem sem saber onde queriam chegar. Tem micos dignos de um violinista alemão tentando tocar samba depois de duas aulas de cavaco. Brian May força a barra numa pegada funk que não lhe pertence. Freddie, caricato (e impagável), faz a diva da Disco Music em algumas faixas. Roger Taylor não tem material pra descer o braço em meio a tanta bateria eletrônica. O único a se dar bem é John Deacon, que conseguiu emplacar algumas linhas de baixo criativas e grooveadas, no espírito da tal influência negra norte-americana. 

Mas essa é a parte óbvia. Vamos agora nos divertir e saborear o chocolate por cima do bolo fofo.

Pode-se dizer que a primeira metade do disco resultou robótica e emborrachada. Stayng Power, faixa de abertura, é a mais Michael Jackson das músicas do Queen. Só que ela quase vai por água abaixo no excesso de sintetizadores. Atente-se para os metais alá Don't Stop Till You Get Enough. Já a pegada de bateria de Dancer, segunda faixa, até soa como uma espécie de Led Zeppelin kitsch-oitentista, sob medida para pistas de dança. É um quase típico hard rock misturado com sintetizadores com adição de um  solo de guitarra comedido, que não emplaca, mas pelo menos leva assinatura de Brian May. A terceira é Back Chat, um belo exemplar dessa vibração rock-discotheque, com direito a um destacado trabalho de baixo de seu compositor, John Deacon (olha ele aí de novo!), e os vocais na medida de Freddie. Nunca foi hit, mas costumava render bastante ao vivo numa pegada mais rock n' roll, com auge no belo solo de May. 

Também é inegável que a estética de Body Language, quarta faixa toda metida à sexy, inspirou até George Michael em I Want Your Sex. Vai negar? E nem estou discutindo a estética hot-hot do vídeo. Adiante, a divertida Action This Day mistura poucos acordes a uma pegada meio Devo, trazendo também uma pequena amostra do que eram os backing vocals de Roger Taylor nos álbuns dos anos 1970. Depois termina numa incisão bastante interessante de metais. Imagine! Já o hard rock simplão Put Out The Fire, composto por May, tem lá sua gracinha guitarrística mas também não chega aos pés de uma Tie Your Mother Down (1976).  

O lado B do velho long-play começa Life Is Real (A Song For Lennon), melancólica e emotiva, totalmente baseada no piano e na voz de Mercury e com uma letra que se equipara às últimas e mais doloridas e  nostálgicas do cantor já doente, no fim da década. Calling All Girls pode muito bem passar batido até a chegada de uma outra faixa bastante subestimada, Las Palabras de Amor (The Words Of Love), espécie de hino menor do Queen, com sua pitada muy caliente y latina e refrão suplicante de dar inveja à Madonna de La Isla Bonita. E no fim das contas, o que pode ser melhor do que um quase-reggae-solar, daqueles de dar bom dia às flores, cuja letra fala de um gatinho legal? Não seja mala, não faça a linha do roqueiro burro ou do machão cabeça dura! Embarque em Cool Cat e viaje nos riffs menos Brian May de toda a carreira de Brian May. Estale os dedinhos e vá mexendo a bundinha como o gordinho do comercial dos cotonetes Johnson. Aproveite e deixe pra lá essa vergonhinha recalcada com os gritinhos sem noção de Freddie em praticamente todas as faixas. 

Nem tudo é duvidoso em Hot Space, que também tem sua faixa santificada. Em parceria com David Bowie, Under Pressure é uma espécie de ícone incontestável da década, uma canção pop perfeita que também figura em Let's Dance, disco mais pop de Bowie, também acusado de apelar ao que de mais comercial havia no rock.  O álbum tem produção do gênio disco-funk Nile Rodgers, mentor e guitarrista do Chic, que depois produziu até o Like a Virgin da Madonna. Mas isso é outra história. O que interessa é que Hot Space merece uma chance. Why can't we give ourselves one more chance?Why can't we give love one more chance?




sábado, 10 de setembro de 2011

Satyricon e o ácido de Piva

"[ROBERTO PIVA] A minha primeira experiência foi com uma dose inteira de Purple Haze, na Serra da Cantareira. Fomos em dois carros, junto com outras pessoas que também tomaram a droga. Lá, eu entrei no meio do mato e, repentinamente, quando bateu o ácido, olhei para o Sol e vi como se fosse uma grande tangerina gotejando amor para o universo. Então tirei a roupa. Fiquei totalmente nu, e caminhei por todo aquele mato sem me machucar em nenhum espinho. Depois comi um pêssego como se fosse pela primeira vez. Aliás, tem um verso no meu livro Quizumba em que relembro isso, falo na volta do pêssego pródigo. Quando retornamos da Cantareira, eu via o eixo do fusca através do chão do carro. E, depois, chegando na cidade, ouvi Jimi Hendrix na casa de um amigo e percebi que era um músico que tentou musicar o movimento das plantas submarinas, a dança das algas. Saí dali e fui no cinema ver Satiricon, do Fellini. Sentei a três metros da tela e aí percebi porque Fellini deu ácido para os atores fazerem aquele filme e porque ele, Fellini, também tomou ácido. Esse foi um filme que vi 18 vezes. Achei uma beleza, uma coisa... Quando surge aquele menino com uma coroa de rosas na cabeça, aquelas rosas entraram no meu cérebro. Foi muito bonito. Mas eu tinha tomado um ácido tão forte que fiquei viajando dois dias. Aí enche um pouco o saco, porque você fica batendo os dentes, numa espécie de delirium tremens".

TRECHO RETIRADO DO LIVRO "Os Dentes da Memória - Piva, Willer, Franceschi, Bicelli e Uma Trajetória Paulista de Poesia", de Camila Hungria e Renata D'Elia. (Azougue Editorial). À venda aqui e aqui para todo o Brasil. 

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

De como reconhecer um farsante

Cinco dicas aos pretensos resenhistas, pseudo-cronistas e escritores auto-declarados -- embora ninguém saiba muito bem que raio de livros eles escreveram --, especialmente àqueles com 5 leitores por mês, confinados em seus bloguezinhos, dedicando-se a nutrir polêmicas restritas a seus umbigos sujos. Seja portador profissional de diplomas acadêmicos ou não. 


1) Fazer a linha "Lester Bangs irritadinho dos trópicos" é porco, pobre, previsível e deplorável. 

2) Verborragia não é talento, é só cacoete mesmo. 

3) Começar um texto com um enorme nariz de cera puramente egóico não dirfarça sua falta de embasamento e técnica. Não é estilo. É coisa de amador. 

4) Et caterva = Et catota: tire o dedo do nariz e aprenda latim antes de se fazer de erudito! 

5) Pesquisas de campo apontam que o tamanho do ego é inversamente proporcional ao tamanho do pipi nos exemplares da espécie.  

abraços,
R.D. 

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Meu livro e eu, aqui e ali

Comentei no outro post que a queridíssima Barbara Gancia gravou comigo um videocast da TV Folha na Av. Paulista, semana passada. Pois bem, lemos alguns poemas de "Os Dentes da Memória" aos nem sempre simpáticos transeuntes paulistanos e o resultado está aqui na Folha Online.

A Revista E, distribuída gratuitamente em toda a rede Sesc de São Paulo, traz no mês de setembro uma homenagem ao Roberto Piva, com fotos, pequenos trechos e um pedacinho do clima do nosso livro. Aqui a versão online. 

O professor e ativista cultural Paulo Sposati Ortiz também publicou algo no blog dele. Aliás, uma coisa que eu esqueci de dizer é que o amigo Fernando Neumayer, do Rio de Janeiro, me chamou pra responder algumas perguntinhas sobre  música num espaço bem legal, o blog dele. E no fim das contas, acho que Dentes também é um livro musical. E xamânico.