domingo, 25 de abril de 2010

Rapidinhas

Fora do tempo e do espaço
Essa semana, não lembro o dia, acordei com um fragmento repetido de Low, que deu lugar a Near Wild Heaven até que um outro pedaço de memória [era um soldado à paisana que conheci no Playcenter, em 1999] me remeteu a Endgame. São pérolas do mesmo colar, o popíssimo Out Of Time, que lançou o R.E.M. de Michael Stipe às grandes constelações de 1991, o ano que não viveu só de Nirvana e Rock In Rio II. "Morning found me laughing/Up and down, down/Low, low, low". O tipo do disco que precisa de longos intervalos pra voltar com merecido respeito, pulando o histrionismo ensolarado de Shiny Happy People e o cerimonial de Losing My Religion, é claro. Belong, por exemplo, tem cara de road movie lado B, pelo menos nos meus sonhos. Tenho sonhado coisas que parecem reais e vivido situações de sonho. Sempre aos domingos, faça chuva ou faça sol, "take my head in your hands and shake it in this near wild heaven/Not near enough". Quem é que precisa de obscuridade pra viver?



Quem é que precisa de osbcuridade pra viver?
Eu não conhecia The Triffids até segunda-feira passada. Foi o Álvaro Pereira Jr, na Folha, quem contou rápido & certeiro a história do vocalista australiano David McComb e seu coração doente. Mais uma dessas bandas hypadas pela máquina chiliquenta dos críticos ingleses, fadadas à obscuridade minutos depois. Imagine um Hoodoo Gurus visionário e meio tristonho, mais pesado e denso. O folk e o pós-punk aparecem misturados, alá Nick Cave. O som tem o charme caipira exótico de quem atravessa mares rumo ao centro do mundo. Os Triffids têm a crueza e a dramaticidade gótica de quem se atrai pelos infernos através do espelho. [ooooooooooooooohhh!]. Ser maldito não é pra qualquer um, chuchu. Você tem 3 chances de conseguir: Wide Open Road -- que também tem cara de road movie lado B --, Red Pony e Goodbye Little Boy. Pronto, acabou.



MGMT, Groove Armada, She & Him
É o que todo mundo diz. "Os melhores de 2010 até agora". "Você tem que ouvir". "É foda, vai por mim". Vai por mim: tem realmente um quê de Syd Barrett, assim de fundo, que encheu de brilho e perspectiva a sonoridade desse Congratulations, segundo disco do MGMT. Se tiver saco para músicos pops tentando fazer arte, é prato cheio. Se não tiver, você há de concordar que It´s Working e Flash Delirium são de botar a casa abaixo. Se funciona ao vivo ou não, são outros quinhentos. E outros milhões para o novo noturno do Groove Armada, Black Light. Poderosas faixas na linha do electro sem vulgaridades pseudo-dadaístas mostram que a dupla sobreviveu aos 90 e atravessou os 2000 sem perder a pegada. Look Me In The Eye Sister e Not Forgotten, sozinhas, já valem pelo Volume Two inteiro da dupla She & Him -- queridinha das garotas modernas de vestido xadrez -- que eu achei ótimo: pra dormir.



Em São Paulo, na semana
Terça-feira, 27/04, às 20 horas: Poeta, ensaísta e tradutor, Claudio Willer comanda homenagem ao poeta Roberto Piva, que se recupera de uma cirurgia cardíaca em sua casa. Depoimentos de Roberto Bicelli, Valesca Dios, Ugo Giorgetti, Celso de Alencar e Toninho Mendes. Entrada franca. No Sesc Vila Mariana. Lembra que eu disse que ser maldito não é pra qualquer um? O Piva pode: tem coração com bençãos.
Quarta-feira, 28/04, às 21 horas: Laetitia Sadier, a doce francesa que canta no Stereolab, fará show no Sesc Vila Mariana por R$30. Ou R$15, se você for esperto.
Todo dia, no Studio SP: tem Renato Godá, Copacabana Club e mais um monte de coisa legal que eu veria, mas não vai rolar dessa vez.
Inté, entonces!

sábado, 10 de abril de 2010

Outono em São Paulo

Nossas mãos congelam. Nossos lábios racham. Nossas cabeças são de chocolate. Nossos olhos enganam: é só miopia ou tudo isso é trânsito? Tantas luzes turvas pelas janelas chuvosas do metrô. E uma velhinha tosse. Uma estudante boceja. Diante de mim, uma mulher de meia idade com cheiro de cândida, rugas de expressão e cabelos desbotados passa quarenta e cinco minutos esgarçando as mangas do moletom marrom povoado pela inscrição da mesma exclamação repetida: "ROCK N´ROLL!"

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I should go back to Manhattan, suspirou Norah Jones, para dentro dos meus ouvidos naquela volta pra casa. Era uma noite fria. The Fall é um álbum para dias frios e faz do debut premiado Come Away With Me (2003) mera trilha sonora de carro de tiozinho. Lançado em 2009, o disco traz uma Norah Jones mais madura, misturando linhas de baixo e batidas minimalistas a guitarras com notas longas pontualmente distorcidas e elegantes timbres de teclado. Com Norah Jones, menos é mais. Algumas, como a bela Light as a Feader, recebem certeiros arranjos orquestrados; outras, como You´ve Ruinned Me e Tell Your Mamma, parecem ter bebido das melhores fontes do country-blues, enquanto Man Of The Hour faz qualquer lampejo de brilho em Volume Two -- segundo trabalho de estúdio da dupla She & Him -- parecer muito adolescente pro meu gosto. Aprendam ao vivo, meninos, com Chasing Pirates.


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E
u amo os Rolling Stones. Cada dia mais. A primeira vez que vi a capa de Exile On Main Street foi numa loja de discos na Av. Cruzeiro do Sul, em Santana, no outono de 1995. Foi uma decisão difícil, dada minha escassa verba de 20 Reais contados, incluindo as moedas. Naquela vez, optei por Sticky Fingers e ganhei muita vida com ele. Acabei ouvindo Exile On Main Street algum tempo depois, mas nunca com tanto chiado e válvula como agora que vou importar o LP remasterizado super vitaminado. E cá estamos, Jagger e eu, abrindo os braços com um garfo na mão e uma mulher de pau na outra para cantar e girar na cozinha ao som de The Loving Cup e Let it Loose. Certa vez perguntei a um doutorzinho universitário bundão clássico (que não tomava banho, diga-se de passagem) o que ele achava dos Rolling Stones. "Acho mal produzidos", limitou-se a responder, ajustando os óculos na testa. São esses alguns dos prazeres indescritíveis da vida. Por essas e outras, é que eu amo os Rolling Stones. Cada dia mais.


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N
ão somente os filmes, mas as coletâneas musicais iranianas também têm nome de fruta. Pomegranates é uma fruta originária do Oriente Médio e também o nome de uma coletânea muito louca --difícil de classificar -- só com as canções psicodélicas sessentistas proibidas no país islâmico. Coisas produzidas clandestinamente, naquela atmosfera de referências externas pirateadas retratada pela Marjane Satrapi, em Persepolis, aquela animação igualmente doida e boa pra caramba. O disco saiu faz pouco tempo nos Estados Unidos, e quase faz qualquer mocinha modernete ocidental ter vontade de ocultar uma sainha curta por baixo dos panos muçulmanos e beber escondido numa festa proibida de Teerã, beijando um barbudão narigudo bem gostoso, é claro. Tá cheio de coisas no Youtube e você pode baixar o disco todo ou importa-lo se quiser. Só pela capa já vale a pena. Ouça: "Negar", de Soli, "Helelyos", de Zia, Mohammad Nouri com "Biya Bar-e Safar Bandim" , ou a inacreditável "Soul Raga", que até parece "italian beat" dos filmes B da Cinecittá, 60´s. Se puder pesquisar mais referências a respeito, faça-o por mim e me conte, ok? Sabe traduzir árabe? Boa. Mas, please, faça alguma coisa!


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Outra coisa, só que rápida. Sabe o Flores Partidas, do Jim Jarmusch? Além do Bill Murray impágável e daquele etíope maluco, o filme tem trilha sonora com Mulatu Astatke a dar com o pau. Mulatu Astatke é sempre bom, seja na abertura de Sex & The City, seja nas noites frias e solitárias da gente que escreve... escreve... e escreve... nas madrugadas de sábado, ciente de que existem muitas madrugadas e sábados por aí. É só mais um outono em São Paulo.

domingo, 4 de abril de 2010

Easter Eggs musicais

Esse povo anódino & triste -- gente que não se diverte --, nunca vai saber o que é devorar 3 porções de Delícias Portuguesas e Surpresas da Dona Idalina e, depois de muita cerveja com tequila, performar a coreografia do Bonde do Tigrão na companhia de duas advogadas quase balzaquianas para uma turista armena de olhos devidamente arregalados. Aconteceu na madrugada da Sexta-Feira Santa, no banheiro feminino do Bar do Luiz Fernandes, na zona norte de São Paulo. Mas essa gente anódina sequer conhece a zona norte de São Paulo.

O capítulo seguinte chama-se ressaca. Olha, cara, fazia um bom tempo desde a minha última ressaca. A rigor, estou bebendo melhor e bem menos. Como melhor mas não necessariamente menos. Ouço música melhor, na mesma quantidade e com a mesma intensidade de sempre, apenas mais contemplativa (afinal de contas, não dá pra fingir ou crer que a gente vá virar uma Janis Joplin ou uma Patti Smith a esta altura do campeonato). Tenho muito menos preconceitos estéticos importados da modernice babaca da vez. Leio muito menos resenhas musicais do que antes. É como se eu não precisasse mais de pretensos críticos de nada, o que não elimina meu gosto pela lenha na fogueira sobre qualquer assunto. Deve ser amadurecimento. Ou apenas o botão do foda-se, cada vez mais proeminente aqui no meio da minha testa. Viu?

Choveu. Esfriou. E no feriado cirstão, guardei algum tempo para baixar e ouvir coisas velhas que são novas pra mim, ou coisas novas de gente quase velha, que me fazem tanto bem, quase sempre. Coisa que não tem nada a ver com nada e tudo a ver com tudo. Quer saber os porquês? Quer apenas anotar umas dicas de meia tigela? Aí vão:

Massive Attack - "Heligoland"
Não tem catarse, sabe? Mas é bom. É refinado. Melancólico e noturno. Você vai fazer uma boa presença com seus amigos gays, que voltaram agora de Londres, caso os receba para jantar com essa trilha sonora. Fazia 7 anos que o Massive Attack não dava as caras. Sentimos falta. Tem a participação das excelentes Martina Topley-Bird e Hope Sandoval, que já haviam colaborado com Tricky em discos solos, nas hipnóticas Babel, Psyche e Paradise Circus. É tudo tão lento, tão conceitual. Mas quase nada abstrato. Não tem a força uterina de um Mezzanine [progenitor desse Heligoland] ou de um Blue Lines -- verdadeiras obras-primas dos ingleses -- mas tem dignidade, coesão; acerta o alvo. A faixa mais pop talvez seja a de abertura, a bela Pray For The Rain, com participação de Tunde Adepimpe. Cai bem com champanhe. Faça um teste e me diga.


Itamar Assumpção & Banda Isca de Polícia - "Beleléu, Leléu, Éu"
O que eu queria mesmo era o tal do especial da TV Cultura, em DVD, gravado em 1983 no auge do Lira Paulistana. "Eu não tô mais afim de curtir a tua, e nem de ficar tomando na cara!" Não achei. Suzana Salles genial, Virginia Rosa brilhante, baita bandaça! Hey você, fã da vanguarda Marcelo Camelo & Mallu Magalhães: pega no meu beleléu, leléu, éu e balança! "Entreguei meu sangue e o meu plasma, plasma, plasma, plasma". Muito carinho, Itamar.


Brian Wilson - "Smile"
Nunca fui muito ligada em Beach Boys, simplesmente porque achava aquilo tudo muito certinho, muito apolíneo, muito Beatles e pouco Rolling Stones pro meu gosto. Mas além do Pet Sounds, que é bonito demais acima de tudo, tive contato tardio com Smile, o projeto que os anos loucos afastaram de Brian, até que Brian afastasse de vez seus fantasmas e encarasse de frente essa parada harmonicamente genial, tão cheia de lirismo e cores. Tanta coisa feita pra se ouvir de joelhos: Child is The Father Of The Man e Surf´s Up entre elas.

George Harrison - "Let It Roll - The Best Of George Harrison"
Pra não dizer que não falei de um beatle, ataquei logo com essa coletânea lançada recentemente pela viúva do pisciano da turma. Não chega perto de um "spiritual game", mas tem acordes primorosos de guitarra, tudo muito bem arranjado, e com doses bem menores da chamada assepsia Paul McCartney. George é nosso hare-kirshna, and still his guitar gently weeps nas pequenas belezas de Ballad Of Sir Frankie Crips, Marwa Blues e My Sweet Lord. De como transformar um domingo morto numa imensa alegria, capítulo inicial.


Marlena Shaw - "Anthology"
Hey você, que acha que Beyouncé faz "música negra" e canta pra caramba: toma essa! Hey você, que adora dizer que é fã de Nina Simone (só pra pagar de culto na rodinha): tome mais uma também! Podemos conversar daqui a 10 dias? Vá esquentando com Loving You Was Like a Party ou Feel Like Making Love e Liberation Conversation, foxy. Solte essa cintura. Te aguardo, gato.