sábado, 26 de junho de 2010

Talk about pop muzik

The thrill is gone
Deu no site da Vanity Fair essa semana um texto sobre a história de Thriller. A autora é Nancy Griffin, repórter que cobriu a gravação do clipe em 1983 para a revista Time e até fez uma ponta como a garota na bilheteria do cinema. Bom ler o jornalismo cultural de bastidores, em que o repórter trabalha como testemunha ocular, observa detalhes, entrevista personagens e dialoga com anônimos: enfim, trabalha. 27 anos depois, Nancy também entrevistou o diretor John Landis e a mocinha do clipe, Ola Ray [que pela primeira vez admite ter tido um pequeno affair com o então belo negão de sexualidade ambivalente, vejam só que coisa].

Thriller tem todas as euforias lunares. É como uma noite de sol.

E eu não havia prestado tanta atenção, mas o Marco Aurélio Canônico, da Ilustrada, levantou uma bola: a tradução do arremate do texto de Nancy Griffin. "Para mim, Thriller parece ter sido a última vez em que todo mundo no planeta ficou excitado ao mesmo tempo, pela mesma coisa: não importa onde você fosse no mundo, as canções [do disco] estavam tocando, e você podia dançar ao som delas. Desde então, a fragmentação da cultura pop destruiu nosso senso de euforia coletiva, e eu sinto falta disso". Na minha memória, o último delírio pop coletivo foi a estreia de Black Or White, em 1991, simultânea em TVs do mundo todo e, no Brasil, pelo inevitável Fantástico. O revival disso tudo foi visto há exatos 365 dias, numa histeria coletiva mundial que serviu para enfileirar os carros abertos, em plena madrugada de neón paulistana, ao som de Smooth Criminal e Billie Jean.

Eu também sinto muita falta disso tudo. [A Copa do Mundo mais brochada desde 1990 não tá servindo nem pra brincar de alegria coletiva]. No resto do tempo, afinal, pagamos contas e somos como barquinhos que boiam em ilhas inidivuais. Num mar de isopor. Ou de bytes. De música fria e impessoal, disfarçada de super-segmentação deslumbrada.

Em tempo: qualquer pessoa com o mínimo senso lúdico deve assistir Michael Jackson´s This Is It. Brilhante até no brega. Vai ao ar essa semana em vários canais.



Genialidade, isolamento & alienação
Ainda no texto da Vanity Fair: em 1983, Michael Jackson desconhecia a existência do U2. E não tinha nem ideia do que era Duran Duran, conforme afirma em entrevista histórica e impagável a Andy Warhol na Interview. By the way, acho que meus pais não sabem ainda quem é Lady Gaga.

Quem é Lady Gaga?
Falando em fragmentação da cultura pop, um dia vou escrever sobre Lady Gaga [depois do Xinho, que pensou primeiro e pode fazer isso melhor do que eu]. Mas vou matutar bem antes, pra não ser mala como de costume. O que posso dizer é que Lady Gaga é uma moça triste. E sardônica, cara-de-pau. Uma big máquina regurgitadora de toda a cultura imagética do pop, chutando a canela de Madonna como uma menininha travessa. O problema é que Lady Gaga não tem meio traço de infância. Está no oposto do sonho, com os restos do lúdico e do exagero abominável. E, caramba!, ela não sabe nem quem foi Clóvis Bornay ou Elke Maravilha. Lady Gaga faz alegoria niilista. Será que ela sabe?


Grace Jones
Taí mais uma mãe espiritual da Lady Gaga. Ou melhor, madrasta: andou acusando a carcamana de impostora e culpou a imprensa musical por ingorância & memória curta [vamos combinar que ela acertou pelo menos no segundo alvo]. Eu adoro a Grace Jones, principalmente porque ela fala de homem e, ainda por cima, é doida de pedra. Num dos posts anteriores, você pode ler um trecho de uma crítica na velha Bizz sobre um disco dela. O que estou ouvindo é o Island Life, coletânea dos tempos na tal gravadora com o símbolo da ilhazinha [é de 1985]. Mas por enquanto, vai o clipe de My Jamaican Guy. Aos que não conhecem, cavuquem mais coisas: não é performance vazia e tem uma bela banda por trás da produção.



Laurie´s stories
Vejo muitas semelhanças com a Grace Jones e não apenas como vanguardistas oitentistas, embora Laurie estivesse muito mais longe das massas do que a negona extravagante. Mas depois explico. E já que o foco está na imagética pop, vale lembrar que laurie -- esta observadora mordaz, grande contadora de histórias & genial escultora de canções imprevistas -- é quem melhor trabalhou com os conceitos de gênero nesse cenário todo. Há inclusive um brilhante texto comparativo com Madonna, do filósofo Douglas Kellner em A Cultura da Mídia. O fato é que nem todo mundo entendeu o show de Laurie Anderson no SESC Pinheiros, em São Paulo, setembro de 2008: era praticamente um mantra de ruídos precisos, com som de harpas e do indefectível violino [viva o engenheiro de som!] numa atmosfera reflexiva e minimalista, visualmente sóbria e sonoramente distante do que a consagrou nos anos 80. A graça dos experimentalistas é essa.

Eu estive lá para ouvir o repertório deste só agora lançado Homeland e a impressão que fica é ainda mais visual do que clássicos como Big Science. Faz muito mais sentido assim a beleza de The Lake ou The Beginning of Memory, com prólogo de Aristófanes. A ironia de Only An Expert é a mesma de From The Air [1982]. Mas do disco em si, essas boas resenhas do blog do Los Angeles Times e do New York Times [e para ler uma boa matéria, clique aqui] falam muito melhor do que eu. A terra deles está em voga.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

RIP Massao & Saramago: junho

As Intermitências da Morte
José Saramago se foi e eu nunca fui sua leitora voraz. Sua lógica implacável & sua lucidez labiríntica são mais do que admiráveis, concordo, mas eu não sei ler nada cuja racionalidade não se misture ao fígado e ao sistema reprodutor e, sobretudo, que não renda umas boas imagens poéticas ou cinematográficas. Aí você vai dizer que eu sou burra, até porque Saramago já deu filme e, de fato, aquela ideia de cegueira branca é uma das coisas mais bonitas do mundo. Ok, a deficiência é minha. Mas sem escapar do inevitável paralelo clichê, tenho lido António Lobo Antunes e entendo completamente como é que um livro muda uma pessoa. São pertubadores, esses dois portugueses. Cada um à sua maneira. Eu apenas prefiro o segundo.

O Espadachim Infalível
Como é que um livro muda uma pessoa? Os livros de Massao Ohno me mudaram completamente. Se não fosse Massao Ohno, Paranóia (1963) e Piazzas (1964) de Roberto Piva provavelmente não teriam sido editados. "Não havia grito ou poesia no ar que ele não transformasse em livro", disse Jorge da Cunha Lima, em seu blog. Hilda Hilst, Jorge Mautner, Renata Pallottini, Claudio Willer, Celso Luiz Paulini, Rodrigo de Haro e até Augusto Boal: todos ganharam vida livresca pela cabeça visionária do Massao.

Se formou dentista numa família de engenheiros. Abandonou a profissão. Montou uma gráfica que imprimia livros para cursinhos pré-vestibulares, na Rua Vergueiro. Com essa grana, investia em livros de baixa tiragem e refinado apuro gráfico. Era um auto-mecenas. Parou de editar após o Golpe Militar e voltou no final dos anos 1970, se associando a novos mecenas a partir dos anos 1980 para continuar publicando. Reproduzia desenhos, pinturas, gravuras e fotografias de artistas da vanguarda paulista. Massao fez muito da vanguarda paulista. Massao fez muito de São Paulo.

Mas essa história os protagonistas contam. Minha função é apenas investigar, coletar, organizar e escrever. Nas duas vezes em que estive com Massao Ohno, temi por sua voz baixa e tranquila no gravador: "e se não gravar?". Na primeira, saímos do prédio rindo e conversando enquanto o editor-samurai segurava nas mãos uma sacola de feira para comprar frutas. Na segunda, bebemos café em potinhos de banchá.