sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Visita ao Pivinha

Acabo de voltar do Hospital das Clínicas, onde visitei o poeta Roberto Piva. Está bem acomodado num quarto duplo, as enfermeiras e médicos são atenciosos, todos os exames estão sendo feitos e, neste momento, estamos tentando convencê-lo de que a comidinha sem sal do hospital não é tão ruim assim. Está mais animado e ansioso para receber a penca de livros de Pasolini e Castañeda que nos pediu. Me pediu também um bloco e uma caneta para escrever -- e esse não é o tipo de pedido que se nega a Roberto Piva, né? Devidamente providenciado.

Disse que quer ouvir "notícias curativas". Agradeço aos que estão sendo solidários para que possamos levá-las até lá.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Piva, parte 2 -- acalmando os ânimos

FOTO: RENATA D´ELIA/2008. Piva em Cotia- SP.

O poeta Roberto Piva foi transferido neste fim de tarde para um outro quarto no Hospital das Clínicas. O local é bastante arejado e ele está na companhia de apenas mais uma pessoa, bastante satisfeito com a nova acomodação.

Conforme divulgado no post anterior, Piva está recebendo bons cuidados da equipe médica do HC. Ele deve passar por um Cateterismo nos próximos dias. No momento, a prioridade é fortalecê-lo e garantir-lhe um bom funcionamento cardíaco. Posteriormente serão feitas 2 cirurgias: próstata e catarata.

Como qualquer grande homem de 73 anos, acostumado a devorar Leitões à Pururuca & outros banquetes, Piva reclamará da comida do hospital, "sem sal e sem gosto", em qualquer quarto do mundo. E nem precisa ser poeta pra reclamar disso: costuma ser assim conosco, com nossos amigos, nossos pais e avós. Ou alguém aqui trocaria uma pizza de mussarela por um purê de batatas sem sal?

Portanto, vamos continuar torcendo para que ele se recupere logo. O apoio dos amigos é sempre bem-vindo. Desde já, gostaria de agradecer aos que me ajudam a divulgar esses esclarecimentos referentes à internação do Piva. Peço que continuem a divulgar.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Sobre o Piva: vamos com calma

FOTO: Renata D´Elia/2008. Jardim Botânico de São Paulo.

O poeta Roberto Piva, que sofre da Doença de Parkinson, está internado no Hospital das Clínicas de São Paulo desde o dia 13 de janeiro, onde recebe visitas e assistência diária dos amigos mais próximos e do companheiro. Desde então, vem passado por exames, tem recebido cuidados médicos e já está mais forte e mais disposto. Para evitar excessos de protagonização, os mais próximos haviam optado por manter a internação com discrição. No entanto, após movimentação e mobilização em blogs e redes sociais por terceiros, a notícia saiu na Folha de S. Paulo de hoje.

Antes da internação, Piva se queixou de diarréia e mal estar. O amigo e poeta Antonio Fernando de Franceschi -- que sempre lhe ajuda nesse sentido -- providenciou uma consulta com um médico particular de confiança, onde Piva chegou acompanhado do também amigo e poeta Roberto Bicelli. Por conta de um intenso quadro de desidratação e pela necessidade de fazer exames, o médico providenciou, pessoalmente, uma internação no Hospital das Clínicas.

Através de exames, foi diagnosticado um problema de próstata. Piva precisará passar por uma cirurgia. Mas antes disso, os médicos precisam garantir sua condição cardíaca e renal. Dentro de alguns dias, ele passará por um cateterismo no Incor, anexo ao HC, um centro de referência nesse tipo de tratamento. Só depois os médicos tomarão as providências pré-cirúrgicas.

Piva não tem plano de saúde. Quem não tem plano de saúde -- seja poeta, lixeiro ou dono de padaria -- se trata pelo SUS. Qualquer um de nós, mesmo com boleto pago de convênio médico, pode precisar do SUS após sofrer um acidente ou numa localidade onde não haja hospital privado. Todos sabemos que o HC não é hotel 5 estrelas. Mas apesar de não ter uma cama com trocentos botões e uma TV de Plasma com 100 canais por assinatura, Piva está num quarto limpo e arejado. Claro que há outras pessoas nos leitos vizinhos, evangélicos chatos, televisão do doente ao lado ligada no Silvio Santos, enfermeiras com cara de malvadas e um monte de coisas que podem irritá-lo, além da própria doença. Mas ele não está "jogado" ou "abandonado". E a última coisa que vai querer saber por terceiros ou numa notícia de jornal é que seu estado é "deplorável" e que sua situação mais parece "um inferno dantesco".

Sejamos sensatos: uma internação que tende a se prolongar, incluindo todos esses exames, medidas cautelares, medicações ministradas, procedimentos cirúrgicos, e até mesmo alguns dias de UTI (comum após cirurgias desta espécie), vai sair mais caro do que comprar um imóvel num bom bairro paulistano. E tudo à vista.

Alguns poetas estão se mobilizando para conseguir um um quarto melhor para o Piva apesar de que, no SUS, todo cidadão é igual (ou não?). Muito bem. Outros estão divulgando a conta corrente do poeta no Itaú. Ajudas financeiras, obviamente, também serão bem-vindas por ele; principalmente para as despesas que virão no período pós-cirúrgico.

Mas façamos com cuidado para não passar por cima das decisões que os mais próximos (principalmente seu companheiro) devem tomar. Se não, ao invés de ajudar, podemos atrapalhar. Ademais, vamos torcer para que o Piva se recupere logo. Os amigos estão convidados a visitá-lo e ajudar a mantê-lo confiante no tratamento. Se ele reclamar da comida, a gente já sabe o porquê: deve estar morrendo de saudade do Leitão à Pururuca e do vinho chileno que tanto gosta.

A conta:
Roberto Lopes Piva
CPF: 565 802 828-00
Banco Itaú
Agência 0036
C/C: 20592-0

domingo, 24 de janeiro de 2010

Sampá



A primeira coisa que aprendi sobre São Paulo é que o Jaçanã ficava muito longe. Nos anos 1980, meu bairro era um mundo paralelo de sorveteiros apertando buzinas, depósitos de doces, velhinhos de boina jogando dominós nas praças e um imenso milharal diante da janela do quarto. Nas tardes de verão, subia de repente um cheiro de chuva e a molecada corria pra tirar a rede de vôlei do meio da rua. As chuvas ainda duravam pouco. E as crianças iam pra debaixo dos canos e goteiras, onde dançavam imundas até que a água parasse de escorrer. Nas Copas do Mundo, a vizinhança doava dinheiro para comprar tintas e pintar os asfaltos de verde e amarelo. As igrejas tinham quermesses badaladíssimas. E a velha guarda do bairro chamava o centro de "cidade".

Mas a cidade só ficava grande depois de uns 20 minutos de carro. Minha mãe tinha um Fusca. Eu gostava de grudar o rosto nas janelas de trás e arregalava os olhos para os outdoors -- que ainda existiam -- completamente impressionada com as novas sílabas e com os anúncios das cuecas Mash. Gostava de como as avenidas largas cruzavam ruas estreitas e de como bairros vizinhos podiam ser completamente diferentes. E a cidade era o nome de cada artista nas placas das exposições de museus.

Meu pai preferia as Marginais. No carro dele, meus primos me ensinaram a contar até 10 nos momentos de tensão: se não atravessássemos a ponte em 10 segundos, ela começaria a ceder e nós cairíamos no Tietê, onde um monstro gosmento puxaria nossos pés para o fundo. Foi um aprendizado marcante. Até hoje, em pesadelos recorrentes, sinto desespero e horror ao ser atingida pelo petróleo super aderente que transborda do Tietê nas tempestades oníricas.

Quando adolescente, gostava de sentar no banco alto do busão, esticando as mangas dos moletons pra me proteger do frio e ajeitar os fones de ouvido: rock n´roll no último volume a caminho da escola. Mas eu já não gostava muito da escola. O jeito era cabular: eu descia do ônibus num bairro completamente aleatório, escolhia um boteco barato, devorava um misto-quente com coca-cola ou um sorvete quando fazia calor. Caminhava pelo bairro, nas bancas de revistas, nos sebos antigos, conversava com estranhos e por fim tomava a condução seguinte para cruzar a cidade a caminho de casa.

Veio a faculdade. Pegar o metrô subterrâneo na província, observando um entra e sai de gente de toda sorte. E depois subir as escadas rolantes da estação na Avenida Paulista, caminhando eufórica a passos largos, sempre atrasada. A vontade de xingar de estúpidos todos os motoristas solitários, com ar-condicionado ligado e vidros fechados, pagando a cota do engarrafamento recorde na 23 de maio. Por isso mesmo, deixo a pressa pra depois. As noites invariavelmente terminam nas mesas de lata dos botecos na calçada, até que a gente se ponha a correr -- um tanto alterados pelos copos de cerveja -- pra não perder o trem, que vocês sabem, sai agora às 11 horas. Se não, só amanhã de manhã.


Fotos: Demônios da Garoa e Adoniran Barbosa na antiga Estação de Trem Jaçanã, da extinta Linha Cantareira. Cena de "Meu Destino É Pecar" (1952), dirigido por Manuel Peluffo, da Companhia Maristela de Cinema, que ficava aqui no bairro. Só para agradar, virtualmente, os meus avós.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

In all that exists, none have your beauty*


"Amou Michael Hutchence sobre todas as coisas, até que viu um cabeludo bonito de verdade no metrô", diz o primeiro trecho da biografia de Renata D´Elia, por Aline Marcelino (Ed. Madness, São Paulo, 2040). Foi assim por muito tempo: melhor fantasiar de verdade ao invés de pensar nas espinhas, nos aparelhos ortodônticos e nas canelas finas por trás dos uniformes azul royal. As adolescências são mesmo cruéis. Os primeiros beijos, por exemplo, (desculpaí, Guilherme) nunca tiveram o mesmo gosto de Michael. E aquele dia, já contei? Era um homem lindo. Vestia camiseta branca e exibia na testa belos óculos como tiara, domando para trás uma multidão de caracóis. Em 1998, Marcelo Sallas & Iván Zamorano eram os únicos machos do mundo com autorização moral para o uso de tiaras e, mesmo assim, sem caracóis. Mas aquele era um homem lindo, castanho, e levemente estrábico; possivelmente míope como Michael, ou então, eu era mesmo muito desajeitada naquele uniforme azul royal. O persegui siderada por todas as estações, sempre a dois bancos de distância, fora da linha, até correr seguindo as placas da saída e meter a cintura com toda a força na catraca quebrada e quase voar pelos transeuntes do Brás, enquanto o homem lindo sumia na multidão. (Capítulo 1: Cabulando as aulas de Física).

As adolescências são cruéis, é o que dizem.

Teve também aquele altão magrelo que fumava sem parar no saguão do Transamérica. Era 2001. E eu, que era nitidamente mais bonitinha com qualquer outra roupa que não fosse um uniforme azul royal. Minhas pernas bambeavam e meu corpo hesitava de pé como um carro alegórico numa passarela de nuvens (já fiz frases melhores, admito), mas corri pelas escadas e cantos até chegar à primeira fila do teatro escuro, e veja só: possivelmente o último intelectual paulistano cabeludo. Óculos de armação preta, pose de superstar e essas coisas que não se fazem mais como antigamente, especialmente na São Paulo andrógina das Augustas tristes. Como eu disse, era levemente estrábico, mas não míope. Ele era Hutchence, eu era Minogue. E aquele joelho enorme se esbarrando no meu quando ele sorria. Daí aparecem as adolescências cruéis. Nunca mais tive uma cegueira branca ao acender das luzes. Da poltrona direita, o irmão da amiga segurava de leve a minha mão. Eu disse apenas: "Fabio, não". (Capítulo 2: O Cupido Estrábico. Ou Míope, como Michael.)

E eu que achava que para sair na Austrália, bastava cavar um buraco muito fundo. Por muito tempo eu tentei.





*Para Michael Hutchence, que nasceu há 50 anos, do outro lado do mundo.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Amores de verdade, proibidos e torturantes*

"It's a teenage dream/ to be seventeen/ and all wrapped up in love" Bay City Rollers

Namoradas e namorados, saibam que o amor é a força que move o rock and roll.

Não o amorzinho sanitizado, cabeça-zona-sul, que deu forma, por exemplo, ao rock brasileiro dos anos 80 ("você não soube me amar", "ursinho Blau-Blau", "não posso mais ficar assim ao seu ladinho", "não há nada de novo, ainda somos iguais").

Falo de rock de verdade e amores proibidos, torturantes. Sofrimento e dúvida.

Do amor sob o ponto de vista da genial Thalia Zedek (vocalista do Come), habitante de um universo sombrio, onde as coisas saem quase sempre erradas e paixão e martírio se confundem.

Das emoções em pedaços de Ian Curtis (1956-1980), o poeta suicida do Joy Division que morreu há quase 20 anos e cuja influência ainda angustia bandas mundo afora.

Da libido balofa de Elvis Presley, dos vabagundos sem rum cantados por Neil Young, das perversões de Lou Reed e o Velvet Underground.

Do amor com cara de mau dos Rolling Stones; dos jovens inseguros, trancados em casa, de Brian Wilson e os Beach Boys.

"Mão na luva/ A gente pode ir aonde você quiser/ E tudo depende de você/ Ficar sempre perto de mim." Isso é "Hand in Glove", dos Smiths, aberta a todas as interpretações possíveis, mas quem se importava ou percebia, nos introspectivos anos 80?

Da voz única de Chrissie Hynde, dos Pretenders, autora de baladas que nos faziam, como escreveu há 15 anos um velho jornalista brasileiro, querer que as estrelas fossem de vidro, para que pudéssemos reduzi-las a pó, uma a uma.

Do amor ao som de rock nos bailinhos de garagem em sábados gelados, do som triste para ouvir sozinho(a) em casa.

Da paixão mutuamente destrutiva de Sid Vicious (1957-1979), dos Sex Pistols, e sua mulher, Nancy Spungen. E até do arranca-rabo 24 horas por dia entre a megera Courtney Love e seu querido suicida Kurt Cobain (1967-1994), a alma do Nirvana.

Das baladas brutalmente honestas dos Foo Fighters, do videoclipe mais maravilhoso de todos os tempos, "Dirty Boots", do Sonic Youth.

Do amoral Jerry Lee Lewis e seu casamento (o terceiro), com uma prima de 13 anos de idade.

Do reverso do amor, dos lábios de açúcar cantados por Ian McCulloch e o Echo and the Bunnymen.

Das adolescentes alucinadas que morrem de amores por bonitinhos sem talento, como Menudo, Bush, Bon Jovi ou até os Bay City Rollers (escoceses que fizeram sucesso na década de 70).

Dos bêbados com bom humor do Reverend Horton Heat, da melancolia infinita do sempre derrotado Roy Orbison.

A vida é louca e você sabe, baby. Quem avisa é Iggy Pop.

*Alvaro Pereira Junior, para a Folha de S. Paulo, em 09/06/1997.