terça-feira, 22 de abril de 2008

Kind of blue

Começar dias ou noites ouvindo Miles Davis está na escala básica de coisas impreteríveis a se fazer na vida, pelo menos algumas vezes. Pois bem, agora é uma dessas manhãs. E hoje é o dia.

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Aqui existiu uma coincidência cósmica

Observar a velocidade em que os peixes voam e soltam fogos de artifício enquanto o barco deixa pelo caminho seu rastro andarilho, solitário. Apreciar o negro do mar, o negro do céu e as inclassificáveis tonalidades de cinza que permeiam todos os espaços daquele imenso vazio. Perceber os ruídos e ecos da natureza ao procurar estrelas cadentes por todas as constelações visíveis do hemisfério sul. Nadar e mergulhar com vaga-lumes d´água, milhares deles, milhões, bilhões. Arrancar a roupa toda para abrir os poros e sentir-se livre. Permanecer de boca e olhos abertos, depois de sorrir aos queridos. Deixar que o corpo bóie inerte pela madrugada da revelação. Assistir o sol nascer mais belo por minutos incontáveis e contemplar as novas cores, uma por uma (na maior parte do tempo somos daltônicos). Silenciar pela manhã e cantar durante as refeições. Sentir que a braveza se esvai depois de dormir, acordar e perceber que não foi sonho. Soterrar os pés no solo marinho e, talvez, alcançar a outra borda - onde não podemos mais ser vistos. Visitar as pedras e as casas abertas. Desprender-se do ser para o sentir. É um viver suave, até partir. Nos veremos em breve.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

natureza morta

Toda coisa que vive é um relâmpago.

(CACASO)

terça-feira, 8 de abril de 2008

Judah Ben-Hür

Quando pela primeira vez vi Charlton Heston, ele era o mais forte dos seres. O nobre Judah Ben-Hür das penitências à glória, judeu convertido em cristão, o homem do lar destruído - e depois restaurado, prova viva do "milagre da fé". O grande herói de uma história para guerreiros e carolas, e para os amantes de aparatos "grandiosos", por assim dizer.

Charlton Heston, aka Ben-Hür, foi mandado às galés [veja trecho] e escravizado pelos romanos. E então, era o homem das coxas enormes que se contraíam e descontraíam para alimentar o sadismo dos vilões de olhos perversos em suas sainhas de couro & armaduras de lata. Eram dele os exaustos ombros largos. Era ele o mito de expressão cansada e olhar sóbrio - que com os braços ajudava a mover um navio inteiro, noutro gesto de superação.

Era o marido que pedi a Deus. Não só eu, como seu traidor Messalla e pelo menos outros dois manda-chuvas romanos naquelas 3 horas cinematográficas de martírio, redenção e muitos olhos azuis. Mas nesse caso, nem Heston, nem Ben-Hür pareciam se dar conta, afinal eram cristãos, homens puros, e que ainda pagavam o pato do pecado original.

E foi então que Charlton Heston caminhou cego até vestir a carapuça que usou até o fim. Goodbye.

domingo, 6 de abril de 2008

Desapego total

Na tevê, o mais velho dos doze monges de uma seita oriental apresenta sua doutrina de desapego total dos bens materiais, dos prazeres mundanos, dos hábitos cotidianos, dos valores ocidentais, da beleza exterior, das drogas, do sexo e do rock n´roll.

O mesmo monge defende que, espiritualmente, os seres não têm sexo e justifica o respeito e a acolhida aos homossexuais pela seita em questão. "O único requerimento de nossa parte, é reforçar que [os homossexuais] realmente se desapeguem [???], pois para eles é mais difícil se desvencilhar do corpo".

Se como diria o poeta Roberto Piva, "não tem problema de comportamento, o que existe é problema de cultura", torna-se plausível ressaltar as contradições do discurso acima. Os preconceitos sobre determinados estereótipos são tão intrínsecos que, mesmo sob o pretexto da espiritualidade, aqueles que teoricamente gozam do desapego aos estreitos conceitos que combatem, tornam a proliferar, mesmo sem intenção, essas mesquinhas convenções sociais.

É necessário, no entanto, que se aplique um outro desapego universal: da bruta mania de atirar sempre a primeira pedra sobre os preconceitos dos outros. Os nossos também vivem, e estão prontinhos a nos pregar peças. Na dúvida, melhor matá-los de vez.