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sábado, 25 de fevereiro de 2012

Os Dentes da Memória no Guia de Livros da Folha

O Guia de Livros, Discos e Filmes da Folha de S. Paulo publicou, em sua edição de fevereiro, uma resenha do crítico Marcello Rollemberg sobre "Os Dentes da Memória - Piva, Willer, Franceschi, Bicelli e Uma Trajetória Paulista de Poesia", assinado por mim e Camila Hungria, com cotação "BOM". O livro "Ego Trip", lançado ano passado por Roberto Bicelli, um dos nossos personagens principais, ganhou destaque na mesma resenha. A célebre foto do poeta numa banheira, -- um dos nossos grandes achados nos Dentes, cedida por ele mesmo -- foi reproduzida no abre da página. Segue abaixo a página scanneada. Clique nela para aumentar e ler.

Fico feliz pela repercussão, que segue firme meses após o lançamento. As demais resenhas e menções anteriores também estão postadas aqui neste blog. Você pode encontrar os dois livros à venda no site da Livraria Cultura, que entrega em todo o Brasil. Ou pode encomendá-lo com seu livreiro preferido. 


segunda-feira, 26 de setembro de 2011

O novo e o velho livro de Bicelli + filme de Jairo Ferreira

Dia 3 de outubro, das 19 às 22 horas, na Livraria da Vila do Shopping Higienópolis, tem lançamento do novo livro de Roberto Bicelli, Ego Trip - Viajo e Celebro a Mim Mesmo. Trata-se de um diário de bordo muito louco sobre uma longa viagem que ele fez pelo nordeste, num puta fôlego narrativo e cheio de histórias saborosas. O lançamento é do selo Virgiliae, da editora Livros de Safra. O flyer você encontra logo abaixo. 

Quem leu meu livro Os Dentes da Memória já sabe que o cara é uma das figuras mais singulares, criativas e engraçadas que ainda é possível encontrar em São Paulo. O lançamento do primeiro livro dele, Antes Que Eu Me Esqueça, aconteceu em 1977 no Teatro Célia Helena, em São Paulo, e teve leituras do próprio Bicelli, Roberto Piva, Claudio Willer, Luiz Fernando Ramos e Eduardo Gianetti da Fonseca (sim, o economista poderosão), além da música de Nelson Jacobina e Jorge Mautner, uma academia de sumô, projeções dos movimentos de Muhammad Ali e fliperamas. Os poemas lidos por Roberto Piva neste evento, nunca foram publicados em livro. Tudo isso está no Super 8 homônimo de Jairo Ferreira, postado aqui.

Claudio Willer, que também prefacia este Ego Trip, postou algumas observações sobre o filme de Jairo Ferreira e as leituras poéticas daquela noite em seu blog. Reproduzo na íntegra, aqui:


  • Como pode ser observado pela amostra, o evento faz parte da lista de ocasiões em que não fomos presos. Arriscado, dizer essas coisas em 1977.
  • Jairo, acertadamente, deu destaque à brilhante apresentação de Piva. São cinco os poemas que leu. Nenhum está em livro. O último, publiquei-o na época no jornal Versus. Os outros, não sei que fim levaram. Podem ter sido perdidos ou guardados.
  • Pode parecer aos adeptos da literalidade que Piva houvesse, politicamente, virado o fio desde proclamações como “quem exporta sobremesa pode virar a mesa” e as observações sobre o regime militar (também pelos demais poetas que se apresentaram) até um poema como “A bengala alienígena de Artaud” de “Estranhos sinais de Saturno”, além da associação de dirigentes contemporâneos ao stalinismo e seu auto-proclamado monarquismo. Não: ele foi coerente, continuou o mesmo rebelde insubmisso e crítico radical – mudou algo do restante.
  • Todos lêem muito bem nessa apresentação, me parece. Mas a leitura de Piva pode ser comparada àquelas de Jack Kerouac em suas apresentações no Vanguard Theater, de 1958. Ambos – e isso vale para outras gravações de Piva, inclusive o CD que vem com “Estranhos sinais de Saturno” – muito familiarizados com o jazz. Notem como o ritmo do texto e da leitura acompanha a respiração, e não o contrário. 



Mas a história por trás disso tudo, só em Os Dentes da Memória. 



quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Uma boa entrevista sobre poesia e Os Dentes da Memória na Rede Brasil Atual

O Guilherme Bryan publicou breve resenha e uma entrevista comigo falando sobre "Os Dentes da Memória" na Rede Brasil Atual. Foi uma das melhores entrevistas sobre o livro até agora. Consegui dissertar sobre questões importantes que ainda não tinham sido abordadas por jornalistas, tanto sobre o making-of do projeto quanto sobre as nossas escolhas e nossa visão sobre a história. Segue uma pergunta/resposta de prévia e também o link do conteúdo. 

Como foram selecionados os entrevistados para o livro? Houve alguma entrevista que não conseguiram realizar ou que ficou de fora por alguma razão?
A coisa começa em torno do Piva, uma figura absolutamente fascinante, magnética e complexa, dona de uma obra poética muito poderosa e que merece atenção urgente, para muito além de seu primeiro livro, "Paranoia". A partir daí selecionamos os outros três personagens principais, tendo como norte a confluência permanente de suas trajetórias ao longo das décadas, a amizade e as vivências em comum, a influência de um sobre as leituras e as escritas dos outros, a qualidade poética e o potencial deles como personagens de livros. O Roberto Bicelli, por exemplo, é uma descoberta e tanto: com apenas um livro de poemas, teve nesse grupo um papel importantíssimo e é por si só um personagem sedutor. Afinal, existe gente muito talentosa e competente por aí, mas nem todos são bons personagens para um livro, tá cheio de bons poetas não dão o menor caldo ou interesse para uma biografia. Esses quatro caíram como uma luva e nós percebemos isso desde princípio. Outra coisa: não queríamos falar exatamente em "geração 60", que também é uma divisão polêmica de se fazer, então vamos deixar isso na mão dos nossos especialistas. Também não gostaríamos que a história parasse nos anos 1960, pois há vivências, acontecimentos históricos, políticos, culturais e livros suficientes para trazê-la até hoje. Fizemos uma pesquisa grande não apenas sobre a bibliografia destes poetas, como de suas influências e de seus contemporâneos. E por fim, há outros nomes importantes na Geração 60 de São Paulo que receberam apenas menções ou foram entrevistados sem protagonização. Muitos merecem ter suas trajetórias contadas e reconhecidas, e esperamos que esse trabalho seja feito futuramente. Selecionamos como coadjuvante os que mais tiveram contato com estes personagens em determinados momentos, ou que eram citados nas entrevistas e participaram de histórias importantes, e também aqueles que poderiam elucidar melhor alguns pontos e passagens. Por uma questão de foco, fluidez e edição, algumas pessoas ficaram de fora. Outros simplesmente foram procurados e não quiseram dar entrevista, não puderam nos atender, ou nunca responderam nossos e-mails e telefonemas. Além do mais, nenhum retrato memorialístico, histórico, jornalístico ou biográfico é definitivo, completo ou contém toda a verdade da Terra. Aliás, nunca nos propusemos a isso. Quem quiser, pode partir em direção ao foco e ao viés que desejar, jogando toda luz nos personagens que julgar mais importantes. 

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Sexo, bombas e choque elétrico, por Marcelo Coelho (FSP)

Saiu na Folha de S.Paulo, caderno Ilustrada de hoje, um artigo dos bons assinado pelo Marcelo Coelho. Ele fala sobre "Os Dentes da Memória - Piva, Willer, Franceschi, Bicelli e Uma Trajetória Paulista de Poesia", meu livro com Camila Hungria pela Azougue Editorial. Os sites das livrarias Martins Fontes e Cultura enviam para todo o Brasil, basta comprar com eles.

Abaixo, reproduzo texto e trecho da edição digital do jornal, cortesias de Bê Neviani e Keka Ferreira. Gostei muito do espírito do texto, que é também parte do espírito do livro. Acho que o Piva estaria se divertindo bastante com isso. Willer, Bicelli, Franceschi e outros personagens estão curtindo. 


MARCELO COELHO

Sexo, bombas e choque elétrico

"A gente se beijava e corria uma eletricidade incrível [...] Nós estávamos tomando choque molhados!"



Existem os loucos e existem também aqueles que querem ser loucos sem serem loucos de fato.
Qualquer que seja o caso, não faltaram loucuras na vida do poeta Roberto Piva (1937-2010) e dos seus amigos (Cláudio Willer, Rodrigo de Haro, Roberto Bicelli). Alguns exemplos.
Na década de 70, Piva e Bicelli davam aulas num colégio público. "Um dia", conta Bicelli, "o Piva chegou atrasado porque ficou bebendo com a professora de geografia. Entrou bêbado na classe, fez a chamada e falou: 'Estou de saco cheio do bom comportamento de vocês'".
Ato contínuo, "subiu na mesa, baixou as calças e mostrou a pica para os garotos da quinta série! Ainda correu atrás de um japonesinho que havia se mandado da sala! A inspetora, que era nosso anjinho, transferiu-o de escola e ficou tudo bem".
O caso é lembrado em "Os Dentes da Memória", livro de Camila Hungria e Renata D'Elia, que acaba de ser lançado pela Azougue Editorial.
Acompanhado por uma breve antologia desses poetas (a geração dos "novíssimos" da década de 60), o livro é composto exclusivamente dos depoimentos, habilmente entrelaçados, dos principais membros do grupo.
Cláudio Willer é o protagonista de outra aventura.
"Eu e um amigo pretendíamos explodir uma bomba na casa de um desafeto nosso, na rua Tupi com a avenida Pacaembu. Então, prendemos a bomba com pólvora enrolada em fita adesiva. Quando fomos testar a bomba, esse meu amigo teve a genial ideia de enfiá-la no escapamento do carro e acender!"
Enquanto a bomba não estourava, continua Willer, "resolvi brincar com uma pistola Browning 7.65, que tinha ganhado de presente num breve período de gostar de armas. Ficamos tentando acertar os lampiões e a iluminação da Pacaembu!".
Erraram todos os tiros, mas a polícia apareceu. "Quando chegou a polícia, a bomba do carro explodiu!" Novamente, nada mais sério aconteceu. "Depois demos uma grana para o delegado sumir com as provas, e fui inocentado perante o juiz."
Já Roberto Bicelli se lembra de uma transa incomum. "Fui ao banheiro, passando meio mal. Lá, peguei a minha namorada e dei um cato nela. A gente se beijava e corria uma eletricidade que era uma coisa incrível! A gentia sentia choques pelo corpo todo."
Não era paixão. "Quando percebi, a pia tinha quebrado fragorosamente e tinha um fio solto no chão! Nós estávamos tomando choque molhados!"
Choques elétricos, bombas caseiras, subversão estudantil: nesses episódios, é como se tivéssemos a história da ditadura militar traduzida em outros termos, transportada numa viagem de LSD.
No começo da década de 60, o grupo de Roberto Piva tratava de romper com o formalismo vigente e seguir, nos moldes dos surrealistas e dos beatniks, a ideia de que não pode haver separação entre a arte e a vida.
As fotos reproduzidas no livro, assim como o documentário de Ugo Giorgetti sobre o grupo ("Uma Outra Cidade", de 2001), não deixam dúvidas. Roberto Piva, na juventude, era bonito a mais não poder, e seus amigos não ficavam muito atrás.
Álcool, drogas e o passar do tempo foram minando essa beleza. A partir do AI-5, as bombas e pistolas já não podiam ser usadas com tanta impunidade. A transgressão foi sendo abandonada por alguns dos membros do grupo, que casaram, tiveram filhos e arranjaram emprego.
A heterossexualidade pode ser uma vigorosa fonte de caretice. Roberto Piva não conheceu essa ameaça.
Se escapou, na época, de ser preso ou internado por homossexualidade, hoje seria provavelmente acusado de pedofilia. No fim da vida, contou-me que alguns dos seus amantes adolescentes tornaram-se, com o tempo, bons amigos heterossexuais. Piva chegou a ser padrinho do filho de um deles.
O artigo vai acabando e não tenho espaço para comentar a poesia dessa geração. Mas, afinal, quando se rompem as fronteiras entre vida e literatura, os lances biográficos desses poetas ganham seu próprio interesse estético.
Por outro lado, na medida em que se entrega ao fluxo das associações livres, à "paranoia" e ao "delírio", essa poesia corre o risco de se tornar monótona. A loucura funciona quando feita de flashes e inspirações súbitas; mas é difícil sustentá-la para sempre. Isso exige muito voluntarismo e militância.
Como se sabe, as décadas de 60 e 70 estavam aí para isso mesmo.

coelhofsp@uol.com.br

domingo, 31 de julho de 2011

É sexta agora!

Bem, chegou a hora. O livro mais esperado do ano é também candidato automático ao Prêmio Jabuti de título mais longo de 2011, com 80 caracteres sem espaços (HA-HA-HA). "Os Dentes da Memória - Piva, Willer, Franceschi, Bicelli e Uma Trajetória Paulista de Poesia" (Azougue Editorial, 256 páginas, R$38,90) tem autoria de Renata D'Elia -- EU!-- e Camila Hungria. 

Autografaremos o livro ao lado dos poetas Antonio Fernando de Franceschi, Roberto Bicelli e Claudio Willer. Pena que Roberto Piva não está aqui pra ver isso, mas certamente será um tributo à sua obra. Anotem aí as coordenadas da noite do lançamento!

5 de agosto (SEXTA-FEIRA)
Das 19 às 22 horas
na Livraria da Vila - Lorena
Alameda Lorena, 1731, Jardins.

*Aceita os cartões Visa, MasterCard, Diners e Amex. Estacionamento no local. 

E tem até brinde: quem comparecer e autografar seu exemplar, ganhará entrada grátis com acompanhante para o espetáculo de dança "Paranóia", da Companhia de Danças de Diadema, com base na poética de Roberto Piva. Em cartaz no Sesc Vila Mariana durante o fim de semana. 

Estamos no UOL, na VEJA e no Globo News, pra quem quiser saber mais sobre o projeto. 



domingo, 12 de setembro de 2010

Das grandes viradas sobre-humanas



URUBU EM CARNE VIVA

Por Roberto Bicelli, em 1983

Em 63, quando Roberto Piva lançou “Paranóia” (Massao Ohno) todos se deram conta de que havia algo de novo em todas as frentes. Fosse possível captar numa Polaroid Anímica as caras e bocas que se fizeram então, imagino a galeria Lombroso Futurista que teríamos a examinar...Para poucos foi o Satori. A certeza que ele vinha como divisor de águas da poesia.

Se Oswald de Andrade/Dr.Pilatos dizia-se ironicamente "um Virgílio um pouco mais nervoso no estilo", Piva nos devolvia a poesia Sucuri-Cascavel. Aquela capaz de cair sobre nós da árvore da imaginação, de colear pelo asfalto paulistano, de triturar a cidade em seu amplexo de Titã e sua baba venenosa.

Os turistas intelectuais tinham razão de acreditar que cobras rolavam pelas ruas, que o diabo estava à solta.

Zilco Ribeiro disse-me, então, que pessoalmente Piva era uma pessoa dulcíssima. Recusei-me a acreditar, mas, na verdade, como o Brasil ainda era uma democracia, nosso herói só bebia guaraná e ninguém reclamava. Piva preparava a goela para talagar todo mel e toda merda que viriam a seguir.

Em 64, sai “Piazzas”, outra edição de Massao Ohno com enorme mudança! Onde estavam as fotos e ilustrações do genial Wesley Duke Lee? E os versos longos que exigiam o retângulo, os braços longos do Homem de Borracha?

“Piazzas”, livro simples, fran-cis-cano: uma capa P&B com dois grampos sustentando um conteúdo próximo da poesia grega.

Depois, onze anos sem publicar e sem que nos déssemos conta disso! Tanta poesia em torno do homem... Piva onipresente, farejando, vivendo dionisiacamente para comer, beber, trepar, ler, instigar e arrebentar alguns focinhos que não lhe agradavam. Ou seja, fazendo poesia o tempo todo.

Quando, finalmente, escreve um livro “abra os olhos & diga ah” empresta os originais para um Amor cuja mãe, vendo aquela maçaroca de hieróglifos, encaminha-os para o destino que os críticos Karetas mais apreciariam: a lata de lixo! Tudo bem se perdeu um livro, escreve-se outro: “abra os olhos & diga ah”(novamente Massao Ohno), 1976.

Em seguida, uma sucessão de títulos; “Coxas”, “20 poemas com brócoli” e “Quizumba”. Deste cumpre-nos falar: editado pela Global, com capa e ilustrações do extraordinário Hélio de Oliveira, arte final de Levi Leonel e com todos os direitos reservados a quem tiver a poesia como cúmplice.

Ao observarmos um grande mestre de Tai Chi Chuen em ação, temos a impressão de que ele está brincando, que aqueles movimentos jamais poderiam ser mortais. Na verdade, ele engole etapas, insinua possibilidades, negaceia... É o que sinto ao percorrer esta Quizumba que vai do conflito ao rififi: Piva assimilou a Poética Universal e aprontou com tranqüilidade de mestre seu destranque, seu bafafá, seu angu-de-caroço.

Poesia que vai do Heavy Metal à Bossa Nova, do Maracatu à Valsa Vienense.
Interessa observar a limpidez que Piva atinge em meio a esse estrupício todo. É o poeta no meio do Caos brilhando na cintilância estelar de seus poemas.

“Raça irritadiça”, Piva capta a geléia geral deste tempo e “só acredito na geléia genital”.

Depois de ter estoicamente permanecido oito anos sem sair de São Paulo, ele prega o retorno à Agricultura...

Profeta que sou acho que a primeira lufada da guerra atômica levará uma cama-de-gato do poeta, curvado no simples ato de plantar alecrim.

Este “Quizumba” -escrito em 81- encontra-o na maior exacerbação urbana, já com toques de roça total: “queria tomar pico, mas na roça/ queria virar mico sem a coça/ queria ouvir Chico lá na choça”...

Em Quizumba, Roberto Piva dá claros sinais de estar em pleno processo de iniciação, que leva o poeta-voyeur ao poeta-vidente. Reivindico o trocadilho e pontuo com versos de “Quizumba”: “mas o caminho de volta eu só conto/ a esse urubu em carne viva/ que grasna na sacada.”

Texto originalmente publicado no jornal da UBE - União Brasileira de Escritores - e cedido pelo autor após sua leitura na última homenagem realizada ao poeta Roberto Piva, na Casa das Rosas (SP), em julho.

segunda-feira, 3 de março de 2008

Vozes violentas

para o Carlinhos


vou moer teu cérebro. vou retalhar tuas
coxas imberbes e brancas.
vou dilapidar a riqueza de tua
adolescência. vou queimar teus
olhos com ferro em brasa.
vou incinerar teu coração de carne &
de tuas cinzas vou fabricar a
substância enlouquecida das
cartas de amor.
(música de
Bach ao fundo)

ROBERTO PIVA em "20 poemas com brócoli" (1981)



"Anotações para um apocalipse"


A Fera voltará, com seu rosto de tranças de prata, nua sobre o mundo. A Fera voltará, metálica na convulsão das tempestades, musgosa como a noite dos vasos sanguíneos, fria como o pânico das areias menstruadas e a cegueira fixa contra um relógio antigo. Um sonho assírio, eis nossa dimensão. Um crânio amargo, velejando com a inconstância do sarcasmo em meio a emboscadas de insetos, um crânio azul e sulcado, à janela nos momentos de espera, um crânio negro e fixo, separado das mãos que o amparam por tubos e esmagando os brônquios da memória – assim se solidificarão as vertigens jogadas sobre a lama divina. O incesto é uma tempestade de luas gelatinosas e a mais bela aspiração dos membros dissociados. Em cada órbita uma avalanche de sinos férteis e de arcanjos terrificados pela sombra. O incesto é o sonho de uma matriz convulsiva e o mais profundo anseio das cigarras. Vaginas de cimento armado e urnas sangrentas, impassíveis contra um céu de veludo, guardiãs de oceanos impossíveis. Milhões de lâminas servem de ponte para os desejos obscuros – a mais afilada trará a nossa Verdade.

CLÁUDIO WILLER, em "Anotações para um apocalipse" (1964)


"Paisagem"

(- Ryder)

para M. Afonso

Verás cor de vinho a nuvem
E sob a nuvem
A bandeira cravada junto ao precipício

Aqui é a floresta de Arden:
Esporeando
O corcel branco

Ele guinchou-se aos céus
Numa curva Real

RODRIGO DE HARO, em "A Taça estendida" (1968)


"Profissão de má fé"


Os poemas devem ser gordos
e ter penas
como os frangos
os frangos úmidos dos quintais
os belos frangos
que ciscam o chão &
bicam os pés de urtiga
rasgado o peito
está o coração
pobre balão
sangue suor e nostalgia
amar é passar o dedo
numa agulha de vitrola
as poças d'água
as flores ásperas
os poemas frouxos
cordas soltas de celo
esse som
que vem de dentro
soprado pela boca indizível
que tentamos saber
que tentamos traduzir
essa onomatopéia delirante
que nos obriga a dizer
Eu te amo
quando queremos sussurrar
Ben Close dinamite &
sempre teus lábios matam.

ROBERTO BICELLI, em "Antes que eu me esqueça" (1976)


"Circo Máximo"

Leões incontidos
tangenciam os varais
sou a carne exposta
no festim impuro

promessas de meu ventre
em seus dentes duros

no sangue imolado
de rompidas veias

me parto hóstia fendida
me derramo na areia

eu matéria consentida
desta rude ceia

ANTONIO FERNANDO DE FRANCESCHI, em "Tarde Revelada" (1987)