quarta-feira, 2 de maio de 2012

Norah & Sinéad



Dois pés-na-bunda e duas forças uterinas originaram bons discos de artistas antagônicas em temperamento e estilo nesses primeiros meses de 2012. 

Onze anos depois de tornar-se a queridinha dos über-cools e cosmopolitas de todas as idades com seu álbum de estreia, "Come Away With Me", Norah Jones se afasta gradualmente dos commoditys instantâneos do soft jazz e flerta com o pop e o country-rock nas 12 faixas de "Little Broken Hearts", lançado ontem. Menos reflexivo que o anterior "The Fall" (2009) e igualmente produzido pelo badalado Danger Mouse, o disco se equilibra bem entre baladas doloridas & bilhetes amargos ("She's 22", "Take It Back"), oscilações entre o passado e o futuro ("After The Fall" -- trocadilho com o título do álbum anterior) e pequenas pérolas sobre a vingança feminina e a coragem de virar a página ("Happy Pills" -- sensualizando no clipe abaixo -- e "Out On The Road"). Ousando pouco e sem avançar por uma estética mais inventiva, a sonoridade emplaca sem tropeços com arranjos elegantes. Fecha redondinho, vai direto para o iPod e acompanha suas dores de cotovelo de mulher moderna e descolada com formato anatômico, sem qualquer desconforto, como aquela velha amiga confidente de todas as horas. A única revolução aqui é o I'M GONNA GET YOU OUT OF MY HEAD (que já tem um exorcismo e tanto, né colega?). 

Sinéad O'Connor frequenta caminhos sombrios e luminosos em "How About I Be Me And You Be You?", tão bipolar e visceral quanto ela própria. Vai mais fundo que Norah -- mas aí depende do seu gosto por cantoras gritalhonas. (Milênios de cultura celta, séculos de opressão católica irlandesa e décadas de traumas familiares nas costas têm que fazer alguma diferença). O disco mistura faixas de apelo pop com ataques frontais ao Papa, a Bono e aos amores perdidos (em "V.I.P.", sobretudo). Em "4th And Vine", numa levada festiva de bandolins, ela tira a sorte grande, veste pink, bota um salto alto e vai ao encontro de um cara incrível. Mas quando chega a "Take Off Your Shoes", esse imbecil já deu no pé e ela está "derramando o sangue de Jesus" sobre ele. Engraçado que faixas como "I Had a Baby" tragam um clima equivalente ao das faixas pós-maternidade de Madonna no "Ray Of Light" (1998) -- só que com muito mais garganta -- embora Sinéad não assuma a referência (Jung explica). Outros destaques ficam com "Old Lady" e "The Wolf is Getting Married", que resgatam guitarras dos discos dos anos 1990. Dizem que ela é perigosa, mas não há nada mais vital nesses tempos de facas sem serra, roqueiros de Lacoste e corações sem fúria. 





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