sexta-feira, 13 de abril de 2007

Aos 9, os olhos azuis

Eu sentava atrás dele, do lado esquerdo da sala, ao lado da janela. De vez em quando voavam as cortinas, e aos 9, isso era uma grande diversão. Eu era destra, e ele canhoto. Eu achava engraçado o jeito torto dele de escrever. Ele fazia uma letrinha miudinha, numa cor só de caneta. Eu fazia os títulos de rosa e os enunciados de azul.

Ele era branquinho, tinha a boca vermelhinha, com lábios mais grossos que os meus. Era um crânio, reza a lenda que aos 14 virou nerd. Falava baixo, era corinthiano, e tinha uma lancheira azul. Os cabelos não chegavam a ser escuros, mas encaracolavam e ganhavam volume. Quase um aristocrata de olhos azuis.

No começo da 3ª série eu peguei piolhos, e minha mãe decidiu cortar minhas madeixas. À esta altura, meus dentes permanentes já nasciam tortos. Morrendo de vergonha da minha falta de cabeleira, como boa pisciana, deixava minha imaginação fluir. Tinha lá umas meninas cujo sonho era menstruar. Uma delas, que era repetente, se sentia a mais malandra da galera. Jogava todo o charme de seus 10 anos de praia em cima dele. A mim, um tanto desengonçada, restava o underground da sedução.

Começou porque ele me ensiva Matemática eeu devolvia com Estudos Sociais. Eu era sãopaulina, e não ia abandonar o Campeão Mundial Interclubes pelo timinho dele. Mas ele tentava me convencer. Nós colecionávamos figurinhas de temáticas diferentes. Cantávamos Michael Jackson sem saber inglês. "Ao bidê", coisa do tipo. E não sabíamos colar nas provas. Até porque, não precisávamos.

Um dia eu andei o bairro inteiro de mãos dadas com o meu avô Odilon. Como sempre, uma mulher obstinada. 100 cruzeiros ou um pouco mais, 10 pacotes com 4 figurinhas cada. Tudo isso pra achar o Tupãzinho, e completar o álbum do Corinthians dele. Confesso que gostei do status que ganhei com isso.

Um dia o ônibus escolar foi embora e só voltou no ano seguinte. Ele foi estudar de manhã, e depois mudou de escola. Só nos vimos umas vezes, de relance, perto da Federal. Ele andava todo de preto, muito heavy metal pro meu gosto.

Aos 23, Renata D´Elia tem cabelos curtos por opção. Ainda acha Michael Jackson um gênio, mas agora é tradutora e dá aulas de inglês. E no orkut, o mundo é ainda menor que a zona norte de São Paulo:

"Oi, Renata! Lembra de mim? Felipe Lima, que estudou com você no Educandário. Bons tempos! Vejo que você escreve, adorei seu fotolog. É divertido. Você é jornalista? Nunca mais te vi, sempre tive vontade de saber onde você estava. Está linda nas fotos. Anota meu MSN..."

Papo vai, papo vem. Soft madruga, diria um escritor. "Vamos sair. Me dá seus telefones, a gente se encontra e toma um café. Você toma cerveja? Menina, nunca imaginei que você tomasse cerveja!"

POFT! Blackout. Fucking bad internet database. Felipe, cadê você? Felipe...

Por e-mail, algumas surpresas chegam.(No Natal do ano passado eu até chorei com uma).

"Renata,

Acho que a conexão caiu, e você não tinha mais paciência para falar comigo, risos! Mas é sério, anota meus telefones. Vamos nos ver, eu queria muito. Desde 93, é muito tempo! Escuta, quer dizer que a Tais ficou grávida e tem um filho de 3 anos? Me conta melhor essa história. E me grava os Cds que você prometeu. Vou cobrar, hein!

Um beijo - de quem já foi completamente apaixonado por você.
Felipe".


"Felipe,

Eu também já fui totalmente apaixonada por você.

beijos,
RENATA"

4 comentários:

descompassada disse...

genious, seu charme underground é o maior legal.

Mari Marcondes disse...

Espero que, quando abandonar meus tardios 9 anos de idade, cresça como você, D'Elia querida. Enquanto isso, fico procurando o Tupãzinho, porque eu apanho mas não tomo jeito ;)
Adoro essa história toda vez que você a conta.
Beijos

Anônimo disse...

rolou a cerveja?

Anônimo disse...

Dona Renata!

Essa sua história é muito boa...

Eu também sempre fui de me apaixonar e, por coincidência, gostei de dois "Felipe" quando eu era mais nova.

Mas eu entendo a mensagem que você quer passar com o seu texto.

Porque, afinal, estar apaixonada é sempre bom, não importa a idade!

Mas, com certeza, fica melhor quando estamos um poucos mais velhas, porque a paixão possibilita novas ações... ;)

Beijos