segunda-feira, 5 de novembro de 2007

O mundo na ponta dos dedos*

Por Beatriz Sarlo

Não posso me conectar a internet. A empresa que pago para me oferecer este serviço emite uma mensagem que informa, docemente, que todos os seus operadores estão ocupados. Sinto uma irritação profunda contra a música que se escuta entre uma mensagem e outra. Tenho a certeza de que cada segundo sem conexão me faz perder dinheiro. Na realidade, perco mais tempo do que dinheiro, porque deveria desligar o computador, pegar o pen drive e, como milhares de pessoas, mandar o e-mail ali no locutório da frente.

Por alguma razão, onde se mistura o ressentimento contra a empresa, a paciência e algumas vagas esperanças, não faço nada. Insisto com o impossível 0800 e sua enorme incompetência com usuários que, em seus escritórios ou em suas casas, escutam a mesma voz que lhes indica que todos os operadores estão ocupados com outros mil usuários que, por algum milagre da distribuição estatística da sorte, conseguiram ser atendidos.

É segunda-feira e devo enviar minha coluna a esta revista. Tenho várias horas antes de entrar na zona de perigo; mas por outro lado, poderia ligar para a redação e dizer que esperem mais um pouco ou que lhes mando um disquete logo mais. Finalmente, poderia fazer também o mais sensato, que consiste em pagar 1 peso num locutório e enviar a coluna de lá mesmo. As soluções são todas inegavelmente sensatas, mas é como se não estivessem entre as minhas possibilidades. Só quero que a empresa telefônica me conecte, somente a conexão me livraria desse sentimento que mescla frustração, isolamento, irritação e todas as normas de defesa do consumidor (vão me descontar da fatura o tempo em que não me forneceram o serviço? Pergunto-me, como se deles eu dependesse para meu bem-estar econômico futuro).

Penso em mudar de empresa. Mas me dou conta de que não tenho uma lista telefônica impressa e que, portanto, preciso estar conectada a internet para obter informações sobre as outras empresas, seus planos, e seus números de telefone. Juro que vou mudar de empresa assim que consiga me conectar. Me dou conta do caráter absurdo desse juramento, já que sou uma mera cliente, ou seja, somente uma entre milhares de usuários que logo complicará a própria vida: cortar o serviço, devolver o modem, esperar o modem do novo serviço... para que continuar? Estou presa à minha conexão como se meu computador e a empresa fossem irmãos siameses. Isso é tudo. Tenho que esperar que o suporte técnico me atenda ou que o serviço volte ao normal sem minha intervenção: não tenho outra alternativa, dependo inteiramente de algo sobre o qual não posso influir minimamente. Os órgãos de defesa do consumidor e as páginas de cartas do leitor nos jornais acumulam denúncias sobre convênios médicos, telefones e celulares.

O certo é que sigo sem me conectar a internet e também, para experimentar a moléstia mais profundamente, sigo sem cruzar até o locutório da frente. Nestas circunstâncias, me distraio com a pergunta: como era a vida antes da internet? A espera era uma dimensão fundamental de todas as minhas atividades: esperava cartas, esperava xérox de revistas ou livros que chegavam (ou não) pelo correio, esperava chamadas telefônicas, esperava poder locomover-me até uma biblioteca caso necessitasse de um texto clássico que não tinha, caminhava até as estantes para buscar, vagarosamente, um dado, consultava um CD da Enciclopédia Britânica que, em seu tempo, parecia o maior avanço do mundo (poder comprá-la e ter um leitor de CD no computador).

Antes da internet, eu esperava e provavelmente pensava um pouco mais antes de responder a uma carta, de pedir uma xérox a um amigo que estava longe, de fazer uma chamada internacional ou aceitar um convite. Antes da internet, eu esperava e meus dedos não agiam mais rápido que minha cabeça: hoje meus dedos são mais velozes que a cabeça. Teclam todo o tempo, sem parar e, se estão quietos, sentem um cacuete nervoso.

Antes da internet havia coisas que eu renunciava saber, pois seria muito trabalhoso encontrar a informação. Não se tratava de dados importantes e podia seguir vivendo sem eles (por exemplo: sabia que Sampras tinha ganhado mais que perdido de Agassi, mas não me importava o número exato; hoje, busco o número exato e também esqueço de tudo isso imediatamente porque sei que posso buscar essas informações novamente e que, para sempre, essa diferença de vitórias e derrotas estará na internet). Tampouco me parecia fundamental saber o ano de nascimento de Janis Joplin, porque jamais me enganaria sobre a época que ela marcou.

Hoje, tudo isso está na ponta dos dedos. Mas agora, nesse momento, estou sem conexão. Sofro. Se necessitar saber quantos anos viveu Libertad Lamarque no México, o que faço? A quem chamo para averiguar com que idade Ingrid Bergman conheceu Roberto Rossellini? Melhor, desligo o computador e, por via das dúvidas, vou ao locutório da frente.

* Coluna publicada originalmente no jornal El Clarín, da Argentina, em 28 de outubro de 2007. Tradução: Renata D´Elia

3 comentários:

Juan Trasmonte disse...

Re! A tradução é perfeita. Eu li o texto em espanhol depois de ler a tua versão...
Ai, passei por isso no último mês. Vinte dias brigando com os desgraçados fornecedores dessa ilusão chamada fibra óptica que chegaram a me dizer que a culpa era minha porque eu "reclamava muito", então eles se confundiam.
Ai, é isso, a Beatriz está afinadíssima. Nesses dias pensei muito sobre a minha perda da capacidade de esperar. Cheguei a pegar o "Fragmentos..." do Barthes e voltei a ler o capítulo Ewartung, dedicado à espera...
Ai, esse sábado na casa da minha mãe, ela me deu um pacotinho com cartas de quando eu tinha lá uns doze anos. Cartas! Carta de um coleguinha da escola que tinho ido morar em Madri e carta dos meus pais quando eu tava de férias com meu tio em Mar del Plata!!! Quer dizer, eu fui de férias a 400 km de Buenos Aires por quinze dias e meus pais me escreveram uma carta pra dizer que estava tudo bem e contar bobagens do cotidiano!! E eu respondi aquela carta com outra carta!!!
Ai, preciso valorizar de novo o sentido da espera...

Fernando Niero disse...

ficar sem net é uma missão quase quixotesca hoje em dia. Ser quixotesco é ser heroi. Admiro

Rodrigo Maceira disse...

Ótimo parágrafo final :)