sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Um poema do Zé

Umbra Umbela

Debaixo de teu guarda-sombras estão:
Borrascas, tempestades,
Corpo cheirando após a chuva,
Uma nota de um real amarfanhada onde alguém escreveu:
Que Deus me proteja, em quase incompreensível garatuja;
Um luar que range como se estivesse enferrujado
de tanto ficar parado no mesmo lugar,
A fertilidade de teu ventre,
Pirilampos tingindo todas as tuas noites mal dormidas,
Cupins a desesculpir teu leito,
As ilusões perdidas, os sísmicos abalos
que as fraturas de teu solo provocam,
O hálito neutro da manhã tornado vento
E que o braseiro de teus lábios traduz no mais
desejado beijo de uma vida;
fotografias desbotadas, notas dissonantes, harmonias tortas
a se compor disparatadas e soar como um outono,
folhas a cair milimetricamente ao pé dos plátanos
(que nem sequer existem fora dos romances),
florilégios de uma corte decadente e distante e perdida
que olhos num esgar decifram em hieroglifos,
sentidos múltiplos da mesma escrita;
mesas de bares, beiras de lagos e afetos,
arquiteturas que fazem olhar os céus
onde as constelações se descortinam a não nos revelar nada;
dedos finos, longos, a se incrustar em minhas costas,
em suas doces trilhas indeléveis;
arfar que se desconhecia em noites surpresas
da magia de gozos indecifráveis;
murmúrios, sussurros, palavras ditas que teimam
em jamais se repetir, inclusão de auroras, membros dormentes, peixes olhando paredes de aquários acostumados a nada transpor,
desenhos animados, fantasias, balões pisados no fim da festa,
comemoração que nunca finda, bolos dormindo nas geladeiras para o café da manhã que não virá,
eu tremeluzo, me inflo e abundo
nesta animação tanta e inúmera que tu és.


José Eduardo Mendonça

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