sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

14 discos de 2011



Óbvio que é carne de vaca listar os melhores do ano. Mas prometi a Sérgio Martins e Fernando Neumayer uma lista de melhores do ano. Para o Itamar Montalvão também (ou não?). Resolvi comentar rapidamente não necessariamente os melhores, mas parte dos discos lançados em 2011 que chegaram aos meus ouvidinhos e ainda não foram comentados neste blog. 

Acho que a relevância de alguns discos citados não ultrapassará a barreira de 31 de dezembro. É meio mala fazer a gincana de quem tira mais bandecas da cartola para hypar com os 15 segundos de fama. Mas também quero participar da brincadeira.

E, NOSSA, quanta mulher nessa lista! Não espere encontrar Criolo, nem Wilco, nem Emicida. A Meshell Ndegeocello e o Paul Simon eu prometi que resenho depois. De resto, pode entrar, abrir a geladeira e ficar à vontade. 




Kate Bush - "50 Words For Snow"
Faz muito frio em Londres e já deve estar nevando. Kate Bush é mais inglesa que todas as cantoras inglesas dessa lista. Basta ligar os dois ponto



s para entender o porquê da omissão quase total dos brasileiros sobre o novo disco de uma das cantoras e compositoras mais excêntricas -- e brilhantes -- ainda em atividade. No nosso país tropical, abençoado por Deus, não é mais tão hype fazer cara de londrino ou perdeu-se de vez a mínima vontade de transcender a cartilha indie-pop de balada da semana, a menos que seja para rasgar seda para Adele, em substituição à Amy Winehouse. 


"50 Words For Snow" não é coisa para preguiçosos. Passando longe do histrionismo que a consagrou,  Kate faz um estudo musical de texturas invernais. E a neve, vocês sabem, é algo quase sempre triste e belo. Bases minimalistas ao piano e agudos ainda inacreditáveis abrem o repertório com "Snowflake". 


Em "Lake Tahoe", a cantora divide vocais graves com os cantores eruditos Stefan Roberts e Michael Wood. Bateria jazzística e letras românticas de intensidade corporal ocupam os espaços sonoros em "Misty", composta para um homem das neves. A mais pop do disco é "Wild Man", de melodia imprevisível e arranjos vocais tão perfeitos e estranhos que só nos resta pedir à St. Vincent (aí embaixo) pra aprender. Em "Snowed In At Wheeler Street", um surpreendente dueto com Elton John. Na faixa-título, Kate e o ator Stephen Fry se empenham para encontrar 50 sinônimos, entre vários neologismos, para a palavra "neve". "Among Angels" fecha o disco contando uma historinha sobre o serafim encontrado por Kate no meio dessa neve toda. É tudo exatamente oposto à canção pop tradicional. E uma obra de arte, não puro entretenimento.



FEIST - "Metals"
5 estrelas. A menos que você se identifique mais com alguma paradinha eletrônica igual àquela paradinha eletrônica que a gente dançou no Baixo Augusta ano passado, um solzinho no céu e uma sainha rodada no salão. Aqui é outra coisa. Leslie Feist faz um passeio visceral pelo que há de mais lírico e ritualístico no folk. Entra um trabalho arrojado de vocais, metais e cordas, daqueles que dão peso dramático à coisa. The Bad In Each Other e Graveyard já nasceram clássicas. Cadê o road movie com história de amor e visual modernoso pra usar na trilha sonora? How Come You Never Go There recupera o espírito de pop sofisticado e cheio de pedigrees dos álbuns anteriores, aquela performance vocal que a gente adora na Feist. Mas assim, é um álbum para poucos. Se você não é dos poucos e tem medo de parecer cabeçudinho, vá ouvir Foster The People e curtir a baladinha e pronto, tchau, nada contra (olha só a crítica deles lá embaixo). 




Adele - "21"
Vou gastar pouquíssimo tempo para falar de Adele, a delícia pop eleita por crítica e público como revelação do ano, porque é tudo chover no molhado. "Set Fire To The Rain" é uma das baladas pops do ano. "Rolling The Deep" é a música do ano. "21" é um dos discos do ano. Compre aí.



Tom Waits - Bad As Me
É provavelmente o disco mais bem arranjado de Tom Waits. Tantos saxofones, baixos funkeados (com a participação de Flea, dos Red Hot Chilli Peppers), gaitas de Charlie Musselwhite, pianos e guitarras blueseiras cercadas de fogo, delírios incrementados. Crueza e grosseria -- no melhor dos sentidos -- só mesmo na voz. Um espírito loser aqui, um tanto de álcool acolá e estamos numa atmosfera conhecida no trabalho de Tom Waits, só que mais sofisticada. Há ainda participações do saxofonista Clint Maedgen, Ben Jaffe no trombone e clarineta, e Keith Richards na guitarra. Será que a finada Amy Winehouse teria topado cantar em Bad As Me? Combinava com ela. De novo, no melhor sentido. Destaque para "Chicago", "Talking At The Same Time" e "Face To The Highway".

SuperHeavy - "SuperHeavy"
Desceram a lenha nesse disco na Rolling Stone, muita gente chamou de "muito étnico". Acho étnico, mas também digno, embora longe do maravilhoso. A banda formada por Mick Jagger, Damian Marley, Joss Stone, Dave Stewart (do Eurythmics) e A. R. Rahman faz uma mistura de reggae com rock e um pouco de eletrônico num disco que salienta a ala domesticada da Jamaica na Inglaterra. Mas tem aí pelo menos alguns bons momentos. "One Day One Night" e "Beautiful People" são dois exemplares de levada reggae bem sucedidos. "Never Gonna Change" é uma balada pop levada no violão com ares de "Out Of Tears", de Jagger e Richards, gravada pelos Rolling Stones no álbum "Voodoo Lounge" (1994). O ponto alto fica com "Rock Me Gently", em que Damian e Joss dividem os vocais, crescendo num refrão cantarolável e pegajoso.



Gal Costa - "Recanto"

Gal veio de um recanto escuro, como diz o verso de abertura do disco composto e produzido por Caetano Veloso. É a pura verdade. Nas mãos erradas, há pelo menos 20 anos ela produz vergonhas alheias exemplares, pesa no tom, e é cafona. Soa velha até cantando clássicos. Mas aqui ela se acerta. Sem os grandes agudos e histerias vibrantes do passado, nossa cantora mais cerebral provoca emoções distintas -- nunca derramadas -- num álbum que mistura violões a guitarras de ares vintage com leves traços psicodélicos, cacoetes de Gainsbourg e efeitos eletrônicos, inclusive em modulações vocais imperdoáveis aos puristas da MPB. Mas Gal chegou ao século 21. A molecada está ali: Moreno e Zeca Veloso, filhos de Caê e seus parceiros nos bem sucedidos Cê (2006) e Zie-Ziee (2009), além do produtor mais badalado da cidade, Kassin. Há a mesma poética caetana de herança concreta antenada, em busca de uma afirmação jovem, conceitual e minimalista. Agora os modernos já podem sair do armário: é hype gostar de Gal em canções como Tudo Doi, Autotune Erótico, O Menino e Mansidão, a mais bossanovista do repertório. Gal is alive. "Pelos caminhos que levam à grande beleza/americana global minha voz na panela-la". 


Lulu Gainsbourg - "From Gainsbourg To Lulu"

Pouco comentado no Brasil, é coisa chique. O filho de Serge e Jane Birkin convidou uma turminha ilustre para recriar pérolas da obra do pai num tributo sem erros. Começa com L'Eau A La Bouche em versão de samba para exportação. O derramado Rufus Wainwright imprime sua assinatura de diva ao piano a um dos mais belos exemplares da "chanson", Je Suis Venu Te Dire Que Je M'En Vais, numa válida versão sem resquícios da performance bêbada & emocionada de seu autor. Tem direito a um quarteto de cordas, inclusive. Scarlett Johansson encarna Brigitte Bardot em Bonnie & Clyde, em dueto com Lulu. Mas rá, essa foi fácil e óbvia, apesar da repaginada satisfatória. Johnny Depp & Vanessa Paradis abusam do baixo na indefectível Ballade de Melody Nelson. O francês Mathieu Chedid "M", Iggy Pop e Marianne Faithful também estão por ali. Destaque para Requiem Pour Un Con e Manon. Não precisa nem reinventar completamente o que está aqui. Para ouvir no carro, no metrô, em casa e na praia. Útil para jantares entre amigos. 


kd lang and The Siss Boom Bang - "Sing It Loud"

Esse monte de cantorinha fazendo mimimi bem baixinho + uns musiquinhos com uns barulhinhos e efeitinhos. Vocês adoram, vá entender. kd lang é o oposto. Praticamente um Roy Orbinson mulher, que também usa ternos, uma de nossas melhores cantoras desde os anos 1980. Canta para uma rua inteira, dá até medo. Foi darling nos anos 1990, enfiou o pé na jaca em trabalhos irregulares, encontrou a meditação e foi viver com namorada e cachorro nas montanhas. Mas aí ela resolveu cantar com sua velha banda e lançou um disco sem novidades estéticas, mas uma espécie de porto seguro onde a gente pode ser meio folk, meio rock, e muito denso, como em seus primeiros trabalhos. Vai lá, nêga, sem medo de quase parir enquanto canta. Solte as emoções, tenha lá duas ou três catarses e ouça o disco. Destaque para I Confess, uma súplica apaixonada, a derrubadora oficial de indies anódinos aqui nessa lista. A balada Heaven, por exemplo, também vale pra quando você quiser levar alguém pra cama (mas não conta pra ninguém que eu disse isso, preciso ser uma crítica séria).


St. Vincent - Strage Mercy
Não pega bem falar mal de Annie Clark, mais conhecida como St. Vincent. Longe de mim, aliás. Inventiva e elegante, numa atmosfera menos previsível do que de costume entre suas contemporâneas. Quando você acha que vai descambar pro uso banal de ecos e loopings, ela se antecipa a você com guitarras contrapostas a teclados que te levam da baladinha fechada a um link maluco. É o caso de "Surgeon", "Dilettante" e "Cheerleader", possivelmente as melhores do disco. Espere só até ela se achar completamente. Não haverá mais pontos baixos e a gente vai ter um belo próximo disco.


Lira - "Lira"
Graças a Deus esse disco de estreia solo de José Paes de Lira, o Lirinha, mal lembra os vôos de seu antigo grupo, o Cordel do Fogo Encantado, e desculpe aí se você se rasga pelos herdeiros do mangue beat, mas eu acho uma libertação necessária. O que pega aqui é a crueza e a honestidade de canções 100% guitarrísticas com algum regionalismo de sobra e flertes com o samba e o jazz. É coisa moderna. Otto, Fernando Catatau, Ângela Rô Rô e o recém-falecido Lula Cortês são algumas das participações do disco. Destaque para "Sidarta", "Sistema Lacrimal" e "Noite Fria".


Fleet Foxes - "Helplessness Blues"
Não uso barba, não falo caipira, tenho até algumas peças xadrez no armário mas tomo banhos demais para ser hipponga. Citem o Bob Dylan que quiserem: a ressurreição do Fleet Foxes, continuada no álbum de 2011, está no naipe de Sá & Guarabyra, Mercedes Sosa, um pouco do Clube da Esquina e do cancioneiro folclórico sulamericano, mas esse aí não pega bem ouvir. E o Fleet Foxes é mais mala. Prefiro os nossos violeiros. 


Foster The People - "Torches"
Grouplove - "Never Trust A Happy Song"
Black Keys - "Sister"

Não é gol de placa, mas uma abertura discreta no placar: apenas o disco de estreia da banda de synth-pop mais querida de Los Angeles, com todo aquele clima de festa, com direito a Houdini e Pumped Up Kicks, que são uma coisa muito boas de ouvir na balada e fora dela. É isso e a faixa de abertura, Helena Beat, mais algumas espertezas do tipo Don't Stop, um pop de refrão adesivo teletransportado dos anos 1960 para o século 21, com alguns tapinhas eletrônicos. Difícil de distinguir uma coisa da outra, é tudo muito homogêneo e não faria lá tanta falta deletar esse disco do HD. Vale a conferida pra não passar em branco pela banda, que ainda vai colar uns hits no futuro. E mesmo nessa linha, o Washed Out (que elogiei aqui anteriormente), faz melhor com Amor Fati e adjacências. No terreno do abadá indie no Playcenter, vale citar o Grouplove, com disco de estreia vibrante e colorido, flertando explicitamente com o rock, e mais expressivo que o Foster The People. Há pelo menos duas faixas pra pular de alegria: Tongue Tied e Lovely Cup. O melhor dessa safra indie tem os pés fincados no rock e se chama Black Keys, direto do Tenessee. Não comento, só posto uma dica.






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