sábado, 31 de julho de 2010

Subúrbios melancólicos & funerais coloridos


Quando o álbum Funeral despontou como a novidade musical mais amada de 2004, foi como se finalmente percebessemos os sinais de um lirismo mais ensolarado no mundo do rock. Alta carga emotiva trabalhada criativamente em texturas sobrepostas de percussão, violinos, guitarras, baixo, pianos, acordeões, sopros, coros e até xilofones numa sonoridade grandiosa e de cores fauvistas. Art-rock. A banda havia produzido novas atmosferas sob influência do que de melhor Brian Eno & Daniel Lanois fizeram junto ao U2 [entre outras coisas]. Poderia ter sido piegas, mas passou longe. Funeral, do Arcade Fire, é tudo o que Viva La Vida, do Coldplay, pretendia ser e não conseguiu.

Em 2005, no palco do Tim Festival em São Paulo, os 7 integrantes da banda se revezaram entre os instrumentos. Eles preenchiam todos os espaços possíveis. Wake Up foi eleita como deixa para a abertura dos shows da Vertigo Tour, do U2. A melancolia de Funeral é particular. Não há dores pontiagudas, como no BlocParty, ou astrais soturnos, como no TV On The Radio: no Arcade Fire, a tristeza é uma lagriminha que escorre ao visitarmos o passado numa velha esquina.

Veio Neon Bible, gravado numa igreja comprada pela banda, em 2007. É curioso como os canadenses cantam preces para diferentes deuses. Neil Young, Leonard Cohen, Joni Mitchell: religião não se discute. No Arcade Fire as coisas são apolíneas. Não há dentes podres, olhos roxos ou expressões de ressaca: todo mundo é limpinho e tem cara de nerd. São músicos pragmáticos e de extrema sensibilidade.

Assim parece outra vez em The Suburbs, que já rola por aí. O álbum mistura simpáticas melodias de piano com produções mais minimalistas sobre o violão e momentos de maior euforia em 16 faixas que parecem concebidas como uma sequência perfeita, uma trilha sonora de filme ou coisa assim. Além da faixa-título, canções como Empty Room devem emplacar com facilidade. Mas a novidade fica por conta dos timbres mais noturnos e sintéticos em canções como Month Of May e Deep Blue. Em We Used To Wait, algumas passagens lembram Depeche Mode, enquanto um piano segue pontuando uma nota infinita. Resquícios do rock inglês oitentista transparecem em City With No Children, momento mais dark do disco.

Não se trata de um álbum irrepreensível, tampouco surpreendente. Nada que mereça a pecha de "incrível" ou "magnânimo", como o disco de estreia. Mas The Suburbs triunfa em cima da competência e aplicação do grupo ao agregar novos elementos a uma identidade já inconfundível. E o que interessa, no fim das contas, é que estamos em 2010 e um novo pedaço de arte respira entre tantas banalidades instantâneas. A viagem do Arcade Fire tem, atualmente, algumas das paisagens mais bonitas do rock.




2 comentários:

Fernando Niero disse...

Grandiosidade sobreo banal, o sublime tirado da vida comum, dos subúrbios

Anônimo disse...

Bom te ler enquanto escuto Arcade Fire e algumas da lista do post anterior.