Faz menos de 10 graus nessa cidade insone, tomada por uma névoa quase onírica, onde todos os corpos cobertos por camadas de couro e algodão continuam escondendo mistérios previsíveis. Estamos todos apaixonados, especialmente no inverno. Minha respiração, por exemplo, não resolve nada: continuo de garganta fria e sangue absolutamente quente, sou um choque-térmico ambulante e por isso, de vez em quando, penso que o remendo já gastou e que está na hora de preencher este coraçãozinho com outra matéria termoisolante. E você, vai ficar aí feito um poste ou vai botar um fim nesse tempo de espera?
Os outros transeuntes fumaceiam, vão abrindo as bocas e lá vem o vapor. Imagina se tivesse cor? Se a gente pudesse abordar as pessoas dizendo que o meu bafo azul combina com seu bafo vermelho e que isso nos habilita automaticamente a sermos amigos e quem sabe até você goste de vinho e de música como eu. Os outros transeuntes caminham pálidos para os metrôs da meia-noite com seus olhos arregalados & seus ouvidos preenchidos por outras notas musicais de especulação e saudade. Mas eu apenas me importo com a possibilidade de te cruzar e de dizer o que ensaiei e aí quem sabe você não me tampe a boca com algo que valha por dez vidas [ou talvez os planetas resolvam se chocar nesse exato momento e de tudo isso reste apenas um estrondo].
Nas calçadas por onde andamos, o vento é implacável como a urgência das coisas, os asfaltos se desmancham como nuvens, balões vermelhos doloridos se misturam aos sinais de uma felicidade latente: it's just the nearness of you.
Um comentário:
que lindo!
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