terça-feira, 28 de junho de 2011

Revisitando: Dangerous, Michael Jackson (1991)




Nunca tive coragem de jogar fora aquela fita Basf VHS cinzenta gravada do SBT com direito a comerciais da PEPSI: Michael Jackson branco e de nariz muito fino surgia de maiô dourado num palco romeno na televisão enquanto sua versão em carne e osso se hospedava no Sheraton Morrafej dos Jardins. Era outubro de 1993 e eu tinha 9 anos; todas as crianças da escola queriam dançar e cantar como ele e até mesmo os adultos mostravam um bocado de excitação. O Rei estava no meio de nós e brincava no Playcenter. Seus megashows com trechos de playback não tiveram direito a bis no estádio do Morumbi, mas não há quem não tenha saído eletrizado de lá (pelo menos na minha memória infantil). 

Poucas coisas são tão noventistas do que Dangerous (1991), quarto disco de Michael Jackson solo em carreira adulta. Foi o primeiro LP que comprei, na loja de discos do extinto magazine Eldorado, na zona norte de São Paulo, com alguns cruzeiros doados pela minha avó enquanto o Collor e o Brasil estavam em crise, no final de 1992. Prensado pela explosão do grunge e o estouro de álbuns de rock inovadores como Achtung Baby do U2  e a Blood Sugar Sex Magik do Red Hot Chilli Peppers, Dangerous antecedeu a explosão do hip hop americano como conhecemos e, ainda assim, achou seu público, embora não tenha passado nem perto das vendas de Thriller (1982), o álbum mais vendido de todos os tempos. 


E poucas coisas podiam ser melhores para o início de uma formação musical naquele momento. Vai ter sempre um mala preguiçoso repetindo o lugar comum de que nada supera Thriller (1982) ou Off The Wall (1979), a começar pelo álbum Bad (1987), todos produzidos por Quincy Jones. Mas talvez o grande mérito de Dangerous, produzido por MJ em parceria com Teddy Riley e Bill Bottrell entre outros é não ter perdido fôlego diante das renovações pop que reverberam até hoje. O alcance pop é incontestável. A começar pela presença do astro nos comerciais de seu polêmico patrocinador, a PEPSI, com o clássico I'll Be There e a então nova Who Is It, um da das grandes canções do disco. 

O segundo ponto é a estreia mundial de clipes como Remember The Time e Black Or White simultaneamente nas TVs do mundo inteiro, inclusive no Fantástico. Crianças, adolescentes, adultos, velhinhos, cachorros e papagaios estavam sempre lá, diante da TV, em todos os continentes, embasbacados com os números de dança, os efeitos especiais e as mudanças no visual do cada vez mais recluso Michael Jackson. É quase impossível separar som de imagem neste momento da história. 


O terceiro ponto é justamente o uso dos astros de basquete da NBA como ícones pops ao lado das estrelas de Hollywood e supermodelos em "short films" que combinavam efeitos especiais inéditos (ou quase) com números de dança que permaneciam sofisticados e surpreendentes (embora nada se iguale ao efeito do moonwalk). No clipe de Remember The Time, um R&B de melodia esperta, refrão grudento e produção ainda atual, o cestinha Magic Johnson figura ao lado do comediante Eddie Murphy e da modelo africana Iman, mulher de David Bowie. A historinha passada no Antigo Egito faz MJ e sua trupe entreterem o rei para não virarem comida de leão. É o clipe em que Iman e Michael protagonizam o segundo beijo mais desastrado da história do pop, atrás apenas da cena real entre MJ e Lisa Marie Presley no VMAs de 1994. 


Já em Jam, faixa de abertura, o batidão divide espaço com a intervenção de um rapper. Embora não seja a primeira vez em que isso acontece na história do pop, é provavelmente o momento em que a tendência se amplifica e desemboca no que acabou se tornando imprescindível para gente como Usher, Jay-Z, Kanye West ou grupos como Black Eyed Peas. O clipe é co-dirigido por Michael Jackson e conta com a participação de Michael Jordan, o Pelé do Dream Team de basquete americano nas Olimpíadas de Barcelona (1992). Black Or White aparece ao lado de Give In To Me como incursão roqueiras do disco. Ambas têm participação e co-criação de Slash, virtuoso guitarrista do Guns N' Roses, que também começava a brigar por espaço com as guitarras sujas de Kurt Cobain, do Nirvana, e o clima depressivo de bandas como Alice In Chains. 


Black Or White ganhou fama pela levada quase infantil com um riff de entrada de Slash que parece sempre ter existido. E novamente aquele pedaço de rap no estilo Notorious BIG pra rechear mais um crossover. Mas contrastando com o clima solar da canção, as letras comentam o cansaço de Michael com o showbizz e suas decepções  pessoais -- "Don't Tell Me You Agree With Me/When I Saw You Kicking Dirt In My Eye (Não me diga que concordava comigo/Quando te vi chutando areia no meu olho)", além de atacar as críticas sobre a mudança na cor da pele do cantor.  No clipe, em que rostos de várias etnias se transformam uns nos outros, há uma ode às transformações físicas de Michael e à universalidade de um artista que deixou de ser unicamente americano para se tornar mundial. Mais uma vez, um fenômeno do cinema internacional faz o rito de passagem do astro oitentista para o noventista: a participação do astro mirim Macaulay Culkin, então em cartaz no Brasil com Esqueceram de Mim,  foi o grande trunfo do vídeo.   


A balada Give In To Me, por outro lado, marca pelo tom adulto, ainda que o mundo adulto e as relações entre homem e mulher tenham parecido sempre tão estranhas ao se tratar de Michael Jackson. Com as guitarras de Slash, Michael parece mais maduro em contraponto com a vanguarda agressiva de Beat It (1982), com solo de Eddie Van Halen, e com a gritaria histérica de Dirty Diana (1987), com solo de Steve Stevens. E pelo menos na São Paulo do começo de então, não havia rádio que escapasse a Give In To Me. Da Gazeta FM à Jovem Pan, o dial foi completamente tomado por esta canção que figura tímida nas antologias sobre o cantor. O que tinha de cabeludo tatuado posando de machão e escondendo a capa do Dangerous embaixo do tapete do carro não está nos gibis: a principal desculpa era de que o disco só estava ali por causa do Slash. 


O disco não dá espaço para os arranjos suntuosos de cordas e metais super produzidos por Quincy Jones em Off The Wall e Thriller, tampouco para os sintetizadores e teclados sintéticos de Bad. Pela primeira vez, o tom não é esfuziante, e também não histriônico: o beatbox de Michael se assume como base "instrumental" das gravações, estando aparente em Can'T Let Her Get Away e Why You Wanna Trip On Me (que podiam ter uns 2 minutos a menos para ganhar mais fôlego) e a belíssima Who Is It, faixa mais sóbria de Jackson até então. De clima soturno, levada pelo baixo e pequenas incursões de cordas e sopros num crescendo até o refrão, a música é marcada por um divino arranjo vocal. Who Is It, sozinha, garante provas de que Michael Jackson ainda era um grande artesão musical.   

Para a minha geração, não tem como esconder: quando os falsettos de Justin Timberlake perseguem os falsettos de Michael, a meta é In The Closet e não Don't Stop Till Get Enough. (O pé de In The Closet, fique claro). Nada supera o desajeitado Michael, precisando provar que era macho com seu rosto andrógeno, seu rabo de cavalo lisinho & sua calça preta coladinha ao lado da modelo Naomi Campbell naquela tarde de sol em que gravaram o clipe desta música. Ela também leva o mérito de ser um dos melhores exemplos de vocal R&B para o começo do século 21. 


Os tropeços de Dangerous estão principalmente nos maneirismos vocais e assinaturas excessivas: uma infinidade de "aus" (em português-cachorro) e "hee-hees" divide espaço moroso com "da-da-da-das" que podiam ter virado gordura e rumado diretamente pro descarte do estúdio. O melodrama social vai ganhando cada vez mais espaço nos álbuns de Michael a partir de Heal The World, que deu início a uma série de micos com criancinhas de mãos dadas em torno do globo terrestres nos palcos dos shows, deixando sequelas notáveis até na moderna produção dos ensaios imortalizados em This Is It (2009). A canção tem paralelos com o hino beneficente We Are The World (1985) mas com melodia ligeiramente superior. Chegou inclusive a batizar uma das fundações beneficentes de Michael Jackson. 

Embora Will You Be There, de letra introspectiva, tenha sido alvo de processo de plágio, acabou ganhando sucesso internacional como símbolo da Geração Free Willy (da qual  orgulhosamente faço parte). Um ponto fraco é Gone Too Soon que, em sua semelhança com o minimalismo de She's Out Of My Life (1979), acabou passando quase despercebida pela história do pop. Mas o ponto mais ultrapassado do disco, no entanto, é a barulheira desnecessária de She Drives Me Wild. O lirismo quase gospel de Keep The Faith, por sua vez, soa hoje arrastado em seus 6 minutos de duração. E a faixa-título não é do tipo que deixa a desejar, mas também não chega a fazer um gol de placa.  


Ao contrário do que diz o senso comum, Dangerous não foi o primeiro nem o segundo disco em que Michael Jackson perseguiu as tendências. (E não custa lembrar que, mesmo seguindo a onda, o artista conseguia lançar suas próprias modas). O amado e idolatrado Thriller já nasceu de olho na torcida. É ali que o cantor abandona a pecha de artista "negro", calcado  no soul e no R&B e parte pra cima do que havia de mais branco e comercial àquela altura do campeonato: o rock da MTV e o soft rock/pop contemporâneo de bandas como o Toto, cujos músicos participam da gravações de Thriller. Dangerous não é sua primeira audácia, embora seja seu primeiro vôo sem Quincy Jones. Antecedendo o megalomaníaco HIStory (1995) e o malfadado Invincible (2001), este foi também seu último álbum com mais méritos do que deméritos. 


No começo dos anos 1990, Michael Jackson estava em todos os lugares. No filme da Família Adams. Nos Simpsons. Nas nossas MTVs chuviscadas. Na porta do meu quarto e do seu. Na minha vitrola e na sua. Deixe de ser besta com esse medinho de ser pop, rapaz. Se você considera Dangerous como um álbum menor, talvez este seja o sinal de que o menor nos grandes também pode tocar as nuvens à sua maneira. 


A cotação é BOM, sem meio termo. 


* Colaborou: Fernando Neumayer
** O Zeca Azevedo diz que o riff de Black or White é derivação de Soul Survivor, dos Rolling Stones, que os próprios Stones copiaram em It Must be Hell, faixa do álbum Undercover.  (Não está aqui quem falou: tirem as satisfações da polêmica com ele).  














6 comentários:

Fernando Neumayer disse...

Esse papo de Dangerous deixou o cd tocando aqui nos últimos dias. Ele tem o momento dele. O disco tem força e sobrevive, mesmo que insistam nesse papo de que não chega aos pés de Thriller, Off The Wall ou BAD. Ninguém pediu comparações, vamos à música. E aí dentro é muito boa. Belo texto!

Leninha disse...

minhas preferidas: JAM, GIVE IN TO ME, BLACK OR WHITE (obviamente). O álbum Dangerous é ótimo!

sil hutch disse...

Black or White marcou total, febre, ainda mais com Macaulay (super explodindo na épca também). Meu tipo ouvia esse CD sem parar lá nos fundos de casa, e terminou por batizar o cachorro de Michael. Memorável.

Jorge Edir disse...

Dangerous era um disco que Michael Jackson precisava fazer, naquele momento ele precisava mostrar que não era mera "cria" de Mr. Q...

Mas na realidade Michael Jackson e o Hip Hop só seguiram um estilo já estabelecido, de Michael Jackson a RUN DMC, Boys II Men a Babyface, todo mundo brincava no quintal de Teddy Riley e seu New Jack Swing...

Na realidade o pessoal do Toto assim como o Teddy Riley já eram fraters e sorores de Quincy Jones, que foi quem teve a idéia de Beat It e quem indicou o novo som para o Michael...

Dangerous é interessante, principalmente em termos vocais, e o Riff de Black or White não é plágio de Soul Survivor ou coisa assim, esse tipo de coincidência intervalar acontece SEMPRE! Parabéns, pelo texto.

Patricia Rocha disse...

O álbum foi a frente do tempo em sua época, tem faixas que soariam experimentais até hoje para alguns desavisados. Eu gosto, MUITO!

Patricia Rocha disse...

O álbum quando lançado estava a frente do seu tempo e ainda hoje possui faixa que pode soar experimental para ouvidos mais desavisados! Um trabalho excelente e digno de MJ e que eu gosto MUITO!