quinta-feira, 23 de junho de 2011

Revisitando: Scoundrel Days


A partir de hoje, usarei o blogue-grogue para revisitar álbuns esquecidos ou incompreendidos, subestimados ou superestimados, guilty pleasures e paixões bandidas do pop e do rock. O objetivo é fazer um tira-teima pra saber o que parmanece bom ou ruim, válido ou inválido, o que gera preconceitos errôneos e conceitos com razão. Os critérios de tempo são meus e os de gosto também. Mas vocês podem usar esta simpática caixa de comentários para indicações igualmente simpáticas. Não quero impor um padrão de tamanho, porque como dizem por aí, tamanho não é documento. Mas quero tentar impor uma periodicidade de postagens. Vamos ver se consigo.

Poucas coisas me dão tanta vergonha quanto a pseudo-vergonha de ditos roqueiros sobre o pop oitentista. Por isso, lá vai a primeira escolha.

a-ha - Scoundrel Days (1986)

O new wave já estava cheio, muito cheio de synthpop na metade nos anos 1980 quando os noruegueses do a-ha (em caixa baixa mesmo) tomaram a programação da MTV americana com o clipe de Take On Me, um clássico pop instantâneo baseado na combinação de sintetizadores, bateria eletrônica e o riff inconfundível de Magne "Mags" Furuholmen no teclado. Além do vídeo em animação, em que cada frame da filmagem foi redesenhado num processo chamado rotoscopia, o single foi muito ajudado pelos falsettos e pela beleza nórdica do vocalista Morten Harket: se a melodia serviu como beabá auditivo para crianças que ainda testavam a gravidade e pronunciavam as primeiras sílabas, pode-se dizer que o vocalista reproduziu-se em pôsteres e tornou-se um dos sex symbols mais cobiçados pelas adolescentes oitentistas. E assim como Morten Harket, Take On Me tem o mérito de envelhecer bem.

Mas apenas um ano após a estreia com o álbum Hunting High And Low (1985), veio Scoundrel Days, com produção do britânico Alan Tarney junto a Mags e Pal Waaktaar, guitarrista do grupo. Para além do menino bonito dos vocais, o disco precisava mostrar maturidade e competência sem perder a identidade pop. Menos colorido e com letras mais céticas sobre o amor, o disco traz melodias pops mais agressivas, usando sintetizadores, teclados e instrumentos eletrônicos junto a pontuais participações de instrumentos de sopro  e maior aparição das guitarras, a começar pela tríade Scoundrel Days, The Swing Of Things e I've Been Losing You, uma das melhores sequências de abertura do gênero àquela altura do campeonato.

A faixa-título é bom exemplo de como una introdução instrumental minimalista pode construir um clima de tensão junto aos vocais até ascender ao clímax que, literalmente, quase arranca o fôlego de Morten nas palavras do refrão. É uma catarse de abertura. "See...as our lives are in the making/We believe through their lies and the hating/That love goes free through scoundrel days (Veja... nossas vidas estão se fazendo/Nós acreditamos que entre as mentiras e o ódio/O amor ainda é livre nesses dias canalhas)". E ainda melhora ao vivo, quando as guitarras de Pal e Mags acompanham a potência vocal de Morten.

Retrospectivamente, "The Swing of Things" (segunda faixa) sai prejudicada pelo excesso de borracha sintética e efeitos ultrapassados mas ainda cresce fina  elegante nos refrões com belo arranjo vocal. Pra recauchutar, basta apenas retirar a gordura pra encher de inveja qualquer bandinha pop-modernosa na crista da onda de 2011. Mas o ponto alto do disco fica mesmo com a intocável I've Been Losing You, melhor faixa do a-ha dentro do gosto roqueiro. Com forte pegada de bateria e um arranjo de metais que dá toda uma macheza (ui!) à sonoridade do trio, tem letra sobre as duras perdas -- "I lost my way/I've been losing you" --, e ainda funciona como agente atropelador, com direito a paradinha e gran finale instrumental de pegada rock n' roll. Vale muito pra cantar em voz alta e embarcar na catarse do desespero amoroso.

A partir dali, tudo parece por demais calcado no alcance vocal de Morten Harket. Para o bem e para o mal. Cry Wolf, com estrutura simplória e um refrão pegajoso e divertido, foi um dos maiores hits do a-ha. Mas nada além depois disso merece nota. Manhattan Skyline acerta na melodia e também cresce ao vivo com sua virada surpreendente para um tom mais agressivo, mas soa mal resolvida e irregular no velho vinil, com certa forçada de barra nos vocais que só colabora pra "embreguecer" o resultado. Soft Rain Of April é pouco perto de baladas anteriores, como Huntin' High And Low (1985) e futuras, como Stay On These Roads (1989). A cantarolável October não chega a brilhar com seus suaves arranjos de sopro, mas talvez rendesse bem em nova roupagem.

A sonoridade bufônica de Maybe Maybe, que mais parece trilha de musical cômico, precisava de uma nova roupagem pra divertir com estilo em torno do refrão-repetitivo-chiclete. O mesmo vale para The Weight Of Things, assassinada pelo excesso de programação eletrônica e de sintetizadores, numa produção completamente datada. Já We're Looking For The Whales paga a maior vergonha alheia do disco e não se salva em termos de composição ou produção.

Numa audição distante da infância e da adolescência em que eu e meio mundo quase furamos Scoundrel Days de tanto ouvir, o conjunto do disco ganha avaliação acima do REGULAR, graças às melodias inconfundíveis e à ótima tríade de abertura, e pouco abaixo do BOM graças aos frufrus sintéticos oitentistas que ainda habitam nosso imaginário cheio de balas soft coloridas, personagens surreais, sessões da tarde &  programas infantis com apresentadoras muito loucas.

2 comentários:

Fernando Neumayer disse...

Acho Manhattan Skyline das melhores. Musicão!

MobileFly disse...

‎...1986, meu terceiro LP (o 1o de uma banda internacional). Cantava todas as músicas de até de traz pra frente... boas lembranças, Rê!
Quanto ao seu texto, muito bom (as always!). Tem algumas coisas que eu não conseguiria traduzir como vc o... fez! Realmente a tríade incial é perfeita. Difícil escolher a melhor música dentre elas. As características de cada uma e a ordem/sequência em que se encontram no disco, ressalta a qualidade delas. Não consigo ver The Swing of Things como "borracha sintética e de efeitos ultrapassados". Sei que tem razão... ela é isso mesmo. Mas não é algo que incomoda hoje prq a música é muito boa! Curto muito esta música e por isso ainda hoje a ouço com os "olhos" dá época. Quanto a Manhattan Skyline, acho que fecha muito bem o disco (lado A). O disco tem suas boas composições mesmo e tirando estas músicas citadas, de resto não tem nada ruim mas também não sobra nenhuma pérola a ser comentada. Fica o sentimento daquela coisa datada, pra se ouvir uma vez ou outra (as pérolas, com frequência maior, claro).
Mais que Regular e menos que Bom -- no geral, tô de acordo!
:') Bjs!