segunda-feira, 11 de abril de 2011

360 pingos nos is

Algumas coisas precisam ser ditas sobre os dois primeiros -- e ótimos -- shows do U2 em São Paulo com a 360° Tour, no último fim de semana. A primeira é que o mundo girou, o muro de Berlim caiu, Bono envelheceu e o U2 se tornou a banda mais grandiosa do mundo nesse meio tempo: sinto muito, mas não vai dar pra tocar os quatro primeiros discos na sequência, nem fingir que ser punk é ainda muito hype, ou exigir um show altamente histriônico pra 500 pessoas como se fazia num mocozinho da Irlanda em 1980. A segunda é que existe vida pós "Joshua Tree" (1987) e não há nada mais anacrônico do que recusar qualquer coisa que tenha vindo depois. A terceira é que, neste momento, o U2 faz shows prensado entre os desejos das massas puramente orientadas para o pop e as necessidades de uma minoria de pessoas que somam mais de 3 álbuns da banda em suas discotecas básicas.

A turnê 360º é fruto deste cenário. Entre fãs de carteirinha e fãs de coletânea, contando pais e filhos e diferentes gerações, havia nos shows do Morumbi uma imensa massa de curiosos e gente muito interessada em abastecer as redes sociais com 50 vídeos ruins a partir de um celular meia boca. De repente, um show do U2 deixa de ser um evento musical para se tornar um ponto de encontro, um lugar para ver e ser visto. Gente berrando "toca With Or Without You, porra!" a cada 5 minutos. Gente gritando "toca Hey Jude!" quando Bono menciona o aniversário de Julian Lennon. E por fim, gente bacana, sorrindo e chorando, cantando e tentando curtir uma banda amiga pelas frestas do circo midiático. Pode me desenhar aqui.

Este é o rock de estádios no século 21. Bono, Adam Clayton, Larry Mullen Jr e The Edge já perceberam faz tempo. A imensa garra e o fantástico telão acima do palco circular rodeado por passarelas estão entre as maiores e mais incríveis estruturas do entretenimento mundial. É possível enxergar o palco com clareza de todo o estádio [eu testei]. Está na hora de assumir que investir na visibilidade do público é também um sinal de respeito e competência para além da aparente megalomania. Mas aí vem gente dizer que a música se foi para dar lugar ao circo. É aí que começa o festival de recalques. Pois trate de anotar que um dos méritos da banda, aos 30 e tantos anos de carreira, é justamente usar a tecnologia para proporcionar ao público uma experiência única, onde a música reina e comanda uma viagem sensorial.

Na noite de 9 de abril, um set list mais previsível, embora poderoso. A abertura com Even Better Than The Real Thing seguida pelas guitarradas cortantes de The Edge em I Will Follow é de levantar defunto. Há sim alguma lentidão, pecando diante das versões dessas duas músicas em 1998, nos shows brasileiros da Pop Mart Tour. Mas as versões de I Still Haven't Found What I'm Looking For, Where The Streets Have No Name e With Or Without You -- esta última ao final da apresentação -- soam mais enxutas e rápidas do que nas últimas turnês. Temos menos messianismo, menos demagogia, menos marketing. O talento de The Edge em fazer muita música com poucas notas e um punhado de efeitos fica evidente nos riffs de Until The End Of The World, Magnificent e Mysterious Ways, em alto e bom som.

No domingo, a surpresa começou com Out Of Control, pérola de Boy, primeiro disco da banda. Uma carta malandra na manga de Bono para uma "special night" com cara de festa particular para os velhos fãs, aqueles da minoria pisoteada. Uma hora depois, foi a vez de Zooropa, faixa-título do álbum de 1993, ser executada inteira pela primeira vez ao vivo em toda a carreira da banda. Depois, uma música nova, uma boa versão de Scarlet -- escondida nos calabouços do October (1981) -- e a matadora Ultra Violet, substituindo Hold Me Thrill Me Kiss Me Kill Me, da noite anterior. Mudos e de braços cruzados durante as desenterradas, os playboys das coletâneas só vibraram mesmo em medalhões como Pride, Sunday Bloody Sunday, além dos carros-chefe radiofônicos dos anos 2000, como as simplórias Vertigo e Get On Your Boots. Mas não chega a ser demérito. No repertório bem balanceado das duas noites, só não dá pra explicar o mico de I'll Go Crazy If I Don't Go Crazy Tonight em versão pseudo-dançante, pontuada por um Larry Mullen Jr completamente desajeitado, tocando percussão junto à plateia.

Mas dane-se. Esta noite, há balões verde e amarelos voando pelo céu de São Paulo. E na memória, sobram notas coloridas e ecos de guitarras cortantes. Corações palpitantes simulam sorrisos por toda parte, por vários dias. Ou como diz a letra da canção magnífica: Only love/only love can leave such a mark.

Avaliação: memorável


8 comentários:

Wagner Miranda disse...

Dizer o quê? :) Jornalista rock'n roll. ;) Beijão.

Felipe Salomão disse...

Eu pensava que a Vertigo Tour iria ser imbatível, mas 360 trouxe um repertório com o qual sou mais familiarizado que a turnê de 2006 e ainda por cima nos mostrou que a tecnologia e a parafernália servem sim para, mais que nos deixar pasmados, nos emocionar e nos render a uma celebração.

sil hutch disse...

Pulei sozinha em Ultraviolet, mandei um SMS pra você durante Sunday Bloody Sunday: essa é a diferença. Quem só tem tesão pelo trio fantástico (Pride, Sunday Bloody Sundar, With or Without You) está perdendo parte da história de uma grande banda que é muito mais do que isso.
Que seja - foi um show de presente para quem delirou incrédulo com Zooropa e Out of Control. A nós!

Filipe Lázaro disse...

sil hutch... que bom saber que teve gente que, assim como eu, delirou com Out of Control, Zooropa e Ultraviolet! A NÓS! o/

Weber disse...

comi, e adorei! o show e o texto ♥ ficou maravilhoso, uma das poucas críticas sensatas que eu li. O mimimi da galera hipster está terrível!
Beijo grande, adorei dividir esse momento com você.

Petalinha disse...

adorei a crítica! eu curti tanto que mesmo a "if i don´t go crazy tonight" eu achei boa!!! hahahaha
O espetáculo foi inteiro!!! Quero mais!!!

MO disse...

Ainda vou "comer" e o texto me deixou mais ansioso. Acho difícil eu não gostar. Tenho um caso de amor com essa banda há 23 anos, então é só acalmar o coração e esperar.

Patricia Rocha disse...

Tenho lido as resenhas, não vi o show mas seus argumentos procedem demais. Principalmente no que tange aos seus colegas jornalistas!

Parabéns pelo texto!! (isso já está virando uma assinatura minha neste espaço, rs)