sexta-feira, 18 de junho de 2010

RIP Massao & Saramago: junho

As Intermitências da Morte
José Saramago se foi e eu nunca fui sua leitora voraz. Sua lógica implacável & sua lucidez labiríntica são mais do que admiráveis, concordo, mas eu não sei ler nada cuja racionalidade não se misture ao fígado e ao sistema reprodutor e, sobretudo, que não renda umas boas imagens poéticas ou cinematográficas. Aí você vai dizer que eu sou burra, até porque Saramago já deu filme e, de fato, aquela ideia de cegueira branca é uma das coisas mais bonitas do mundo. Ok, a deficiência é minha. Mas sem escapar do inevitável paralelo clichê, tenho lido António Lobo Antunes e entendo completamente como é que um livro muda uma pessoa. São pertubadores, esses dois portugueses. Cada um à sua maneira. Eu apenas prefiro o segundo.

O Espadachim Infalível
Como é que um livro muda uma pessoa? Os livros de Massao Ohno me mudaram completamente. Se não fosse Massao Ohno, Paranóia (1963) e Piazzas (1964) de Roberto Piva provavelmente não teriam sido editados. "Não havia grito ou poesia no ar que ele não transformasse em livro", disse Jorge da Cunha Lima, em seu blog. Hilda Hilst, Jorge Mautner, Renata Pallottini, Claudio Willer, Celso Luiz Paulini, Rodrigo de Haro e até Augusto Boal: todos ganharam vida livresca pela cabeça visionária do Massao.

Se formou dentista numa família de engenheiros. Abandonou a profissão. Montou uma gráfica que imprimia livros para cursinhos pré-vestibulares, na Rua Vergueiro. Com essa grana, investia em livros de baixa tiragem e refinado apuro gráfico. Era um auto-mecenas. Parou de editar após o Golpe Militar e voltou no final dos anos 1970, se associando a novos mecenas a partir dos anos 1980 para continuar publicando. Reproduzia desenhos, pinturas, gravuras e fotografias de artistas da vanguarda paulista. Massao fez muito da vanguarda paulista. Massao fez muito de São Paulo.

Mas essa história os protagonistas contam. Minha função é apenas investigar, coletar, organizar e escrever. Nas duas vezes em que estive com Massao Ohno, temi por sua voz baixa e tranquila no gravador: "e se não gravar?". Na primeira, saímos do prédio rindo e conversando enquanto o editor-samurai segurava nas mãos uma sacola de feira para comprar frutas. Na segunda, bebemos café em potinhos de banchá.

Um comentário:

André Freitas disse...

Concordo no que disse a respeito do Saramago. Eu venho lendo a obra inteira do Lobo Antunes desde o ano passado, e os efeitos que isso vem me causando aparentemente são irreversíveis (ainda bem!).

Quanto ao Massao, deixo aqui consignado meu mais respeitoso silêncio.

André