- por Renata D´Elia, para a Revista Paradoxo
Já foi o tempo em que os galãs não podiam ser gays, ao menos no cinema. O bom galã não podia ser bruto nem malvado, precisava de um olhar sexy devastador, e devia estar sempre bem vestido. Clark Gable que o diga. Quer dizer, isso até Marlon Brando e James Dean aparecerem com seus ares rebeldes e sexualidade ambígua, lá pelos anos 1950 e 1960, e virarem símbolos de uma revolução comportamental. São ídolos que atravessam gerações.
Heath Ledger, ator australiano encontrado morto hoje em Nova York, não se encaixa em [quase] nada nos estereótipos de galãs hollywoodianos convencionais. Seu tipo físico não favorece esse status nem na Malhação, nem na Terra Nostra ou em qualquer outra fábrica Global de símbolos “sexuais” [até porque alguns desses símbolos mais parecem bonecos assexuados]. De estatura média e um rosto bonito, mas bastante comum, ele não teve uma carreira meteórica, embora tenha conseguido construir uma imagem favorável com diversos públicos e em diferentes papéis.
Deve ser aquela carinha de menino tímido do colegial, aquele que a gente ama em segredo. A troca de olhares no pátio da escola. A melhor amiga apaixonada pelo bonitão-gostosão, capitão do time de futebol. O primeiro beijo e o primeiro cigarro, com um pseudo-bad boy de 16 anos. Mas o fato é que Heath Ledger, de cabelos compridos e encaracolados, ganhou os pôsteres das revistas teen e os gritinhos histéricos das fãs com sua atuação em 10 Coisas Que Eu Odeio Em Você [1999], ao lado de Julia Stiles. O que só favoreceu sua ascensão como “galã em potencial” no filme Coração de Cavaleiro, de 2001, outro sucesso pipoca em que ele ensaia suas primeiras caras de mau e encarna um herói valente e destemido.
Ainda sem explosão. Nem como ator, nem como estandarte da beleza hollywoodiana. Talvez sua primeira grande atuação tenha acontecido em A Última Ceia [2001], em que encarna o problemático Sonny, um jovem policial cheio de traumas e problemas com os preconceitos do pai, Hank, vivido por Billy Bob Thorton. A lavação de roupa suja familiar é sempre um desafio para quaisquer roteiristas, diretores e atores; e uma cena de suicídio é sempre quase um suicídio para qualquer intérprete que se preze, mas isso, o jovem Ledger tirou de letra. O suficiente para ser levado a sério dali por diante.
Trabalhando com o talentoso diretor Terry Gilliam em Os Irmãos Grimm[2005], Heath permeou a visão underground do cineasta pela história dos escritores mais lidos pelas crianças do mundo inteiro, mesmo em tempos de Harry Potter. No mesmo ano, ele ainda intepretou o personagem-título de Casanova, um dos maiores garanhões de todos os tempos. Mas ironicamente, o cacife para tanto veio em seguida. Aos 25 anos, ele chegou ao auge da carreira num papel que, em pleno século 21, ainda rende polêmica: um cowboy homossexual no interior da América dos anos 1940, em O Segredo de Brokeback Mountain,de Ang Lee, que lhe rendeu uma indicação ao Oscar 2006, como Melhor Ator.
“Ele era o ativo ou o passivo?”, tem gente que ainda pergunta. Ledger poderia ter se tornado “apenas” um símbolo sexual gay ao interpretar um homossexual não estereotipado, em par romântico com outro mais lindo ainda, Jack Twist, vivido por Jake Gyllenhaal. Mas foi a libido feminina a primeira a se render ao mesmo tempo pela sensibilidade e pela macheza daquele personagem. Em Brokeback Mountain, Ledger mergulha nos melindres de Ennis Del Mar, seja no medo de assumir sua orientação, seja em sua renúncia à felicidade e na hibridez de seus relacionamentos. E mais uma vez, o tom adotado na construção do personagem fez toda a diferença.
Homens e mulheres, gays, bissexuais ou héteros, todo mundo já teve um Ennis Del Mar nessa vida. Ou então, já se apaixonou por um passional Jack Twist. Todo mundo já chorou escondido, beijou fotografias ou escondeu um segredo inconfessável. E se não fez, ainda vai fazer. Foi com esses ares demasiadamente humanos que Heath Ledger virou galã, desabrochando um charme másculo e singelo. Ennis se tornou um dos personagens mais sexies do cinema nos últimos tempos.
Ledger, que vivia o vilão Coringa no novo filme do Batman, pode tornar-se agora um junkie, um problemático depressivo, suicida anunciado, ou um quase roqueiro clássico. Um acontecimento midiático, course – “cowboy gay morre aos 28”. Ele, que parecia um partidão para as velhas teenagers, agora amdurecidas. Jovem, talentoso, ousado e competente. Será que deu tempo de fazer escola para os futuros “bonitos-com-simplicidade”? Na atual carência mundial por grandes ídolos, devem fazer dele um novo mito. O bonitinho, no fim das contas, era um bonitão. Mas não chegou a ser ídolo.
Foto: www.heathledgerinfo.com