quinta-feira, 21 de junho de 2007

Cão que late não morde

Sempre sobra alguma coisa na gaveta. Hora de botar pra fora.

Cão que late não morde

Nada acontece. Só uma grande reviravolta na vida de alguém que prefere não perceber. Ou finge que não. “Até O Dia Em Que o Cão Morreu”, romance de estréia de Daniel Galera, é uma narrativa rápida e certeira. O livro foi relançado pela Cia Das Letras em março deste ano, mas publicado originalmente em 2003 pela Livros do Mal, editora independente encabeçada pelo autor.

Na história, um homem de 25 anos gasta o tempo esvaziando a cabeça e latas de cerveja, num apartamento sem mobília, em Porto Alegre. Formado em Letras, ele não trabalha, não lê, não vê televisão, não usa o telefone, e sente fortes dores no estômago. Sustentado pelos pais, o protagonista vive só e sem objetivos. Sua vida muda quando um cachorro vira-lata e uma modelo chamada Marcela invadem sua rotina e seu apartamento.

Até aí, nada de anormal. Não fossem pequenas pérolas narrativas de uma literatura realista aparentemente sem profundidade, seria possível classificar o texto como mera “literatura de blog”. Mas sua fluidez e o detalhamento de cenários e diálogos são quase um convite para transformá-lo em filme.Beto Brant e Renato Ciasca não perderam tempo e filmaram “Cão Sem Dono”, baseado no livro. O roteiro foi escrito pelos dois diretores junto do inseparável parceiro Marçal Aquino.

A errância, a pseudo-indifrença e a apatia do personagem central não representam novidade para os leitores de Henry Miller ou Bukowski, ou de seus seguidores brasileiros. A diferença é que aqui, o sexo figura mais comedido. A história de um vadio que preza pelo não-envolvimento e evita paixões, a negação da funcionalidade do ser humano, e a absoluta falta de interesse em qualquer coisa poderiam resultar em mais um clichê. Mas o texto de Galera é honesto e acerta ao assumir os lugares comuns em passagens que reforçam a caracterização do anti-herói estereotipado.

O personagem perdedor, neste caso, está anestesiado por opção. Sem perceber, deixa-se engolfar pela perplexidade do imprevisto, mas segue praticando sua lei particular do mínimo esforço. No transparecer de uma existência passiva, porém observadora, surpreende-se com as peças do caminho. O fio condutor da história é o embate do racional com o emocional, que obriga o narrador a amar sem perceber. Marcela e o cão se recusam a tirar os dedos das feridas, embora ao longo do tempo, pareçam agir sem pedir nada em troca. No fim das contas, quem pede é o próprio vadio em questão.

Ao fugir do enfado, é Marcela quem norteia a inércia do narrador. Ele pertence agora aos frutos do seu próprio tédio. Sem saber o que responder, atende a convites, mas nunca convida. Sem saber o que pensar, relega as decisões aos outros. Um dia, vai chegar a sua vez, e não adiantará fugir.

9 comentários:

Anônimo disse...

A volta do blog vai e volta, parte 2.

Unknown disse...

Você tem o livro? Sabe quanto custa?

Deixa eu comentar sobre outro texto. É um que vc fala do desabafo do seu intestino, alguma coisa assim. Ficou muito bom! de verdade. Li e fiquei com inveja.

o/

Renata D'Elia disse...

Opa opa, Vilasanchez - desabafo do intstino seria, no mínimo, fedorento. Era do estômago. hehe

Felipe Vilasanchez disse...

isso! eu confundi hahahahah. é que tá tdo meio perto.. quase a mesma coisa

MO disse...

Muito bom!!! Deu vontade de ler o livro. Eu só tava afim de ver o filme.
Continuo te lendo.
Um beijo,
Marcelo

Aline disse...

isto sim seria uma bela resenha =)

um melhor, uma bela análise do filme :)

que venham mais dias de cerveja,bobeiras e asterix.

=o*

Renata D'Elia disse...

Então, mas a rsenha nõ é do filme - é do livro. Eu citei que este foi adaptado para o cinema por fulano e beltrano, mas olhem bem estou falando do LIVRO.

Anônimo disse...

Não li o livro.

Não gostei do filme.

Preciso ler o livro.

descompassada disse...

tinha lido as linhas e havia gostado bastante. atesto de novo minha impressão.