Foto: David Montgometry
A jogada de conquistar os garotos que estão deixando o cabelo crescer. Uma imagem juvenil, sem satanismo. As armas da ironia.
Quem conhecia os Stones como os mais ousados e provocadores do rock deve ter ficado um tanto desbundado com suas apelações "empresariais" acontecidas em 71. Desde que fundaram a Rolling Stone Records, os meninos raivosos resolveram lapidar sua imagem de pedras toscas. Primeiro foi a foto de publicidade do grupo. Quem conhecia algumas antigas, tiradas em 66 e 67, percebeu logo que a jogada era conquistar a garotada de hoje através de uma imagem supostamente juvenil. Há exemplos chapantes: a foto de publicidade de Sticky Fingers mostra os cinco, bonitinhos e risonhos, vestindo a bermuda de blue-jeans criada por Andy Warhol. Somente Keith Richards continua com uma cara sórdida e um olhar de "qual é?". Jagger parece uma criancinha chata e Mick Taylor parece uma donzela tímida, mas sensual. A foto que acompanha o LP também é uma babaquice total. Parece coisa de Vogue L'Omo (sic), mostrando os Stones em pleno uso de um guarda-roupa que deve ter sido bolado por Cecil Beaton. Quem se lembra daquelas fotos demoníacas e acintosas que mostravam os espinhentos garotos classe-média inglesa? Somente seus admiradores mais antigos, e que viam neles os contestadores capazes de cuspir nas salas do Buckingham Palace.
Mas os Stones nunca deram laço sem nó. A meninada (os teen agers da década de 70) engoliu a pílula e nem mesmo o apressado casamento de Jagger diminuiu as vendas de Sticky Fingers. E foi muito bom que isso acontecesse. Sticky Fingers foi o melhor LP aparecido em 71 e adocicada imagem publicitária não tinha nada a ver com a música contida no LP. Os Stones punham tudo pra quebrar e a capa bolada por Andy Warhol definia bem todas as faixas do disco. Eram músicas para serem sentidas com a víceras (sic) e com aquela outra parte importantíssima do corpo. Eles também tiveram coragem de abordar temas que sempre haviam evitado. A paranóia do amor não correspondido explodia em I Got The Blues. "In the silk sheet of time... Love is a bed full of blues". Sway era um berro contra a sufocação cotidiana. "It's just that demon life has got you in its sway!". E havia outras, muitas outras, contendo coisas chapantíssimas: Em BITCH, Jagger gritava "Girl, when I call your name, I sallivate like a Pavlov dog". Ele só se acalmava para cantar o terrível Moonlight Mile e mesmo assim o arranjo de cordas de Paul Buck master fazia um contraponto que multiplicava toda a descarnada angústia da letra.
Agora, três dos Rolling Stones (Jagger, Richards e Taylor) estão em Los Angeles transando sua excursão pelos EUA. Em 72, mais que em 71, eles prometem repetir toda a estrondosa bagunça ocorrida em seus primeiros anos de carreira. Sua temporada norte-americana, que começará em abril, vai incluir apenas sete cidades-chaves, mas eles vão ser vistos através de uma imensa rede de televisão que transmitirá cada um de seus concertos. A mesma técnica caça-níqueis usada na luta Clay/Frazier será empregada na ocasião, e os cinemas que vão exibir o video tape cobrarão ingressos de três dólares.
Para calçarem a excursão, os Stones terão ainda dois LPs -- lançados pela Rolling Stones Records -- que, na certa, vão encabeçando a lista dos mais vendidos. O primeiro deles é Jamming With Edward que contém uma jam-session, gravada no início de 69, da qual participaram Jagger, Watts, Wyman, o pianista Nicky Hopkins e o guitarrista Ry Cooder. Essa gravação ficou muito famosa por que Keith Richards, que não estava presente, foi acusado por Ry Cooder de ter plagiado vários de seus solos, que foram usados em muitas passagens de Sticky Fingers -- o solo de guitarra em Sister Morphine é o mais importante. Com a edição do LP, os Stones prometem limpar a barra de Richards, provando que tudo não passou de fofoca de Cooder. Aliás, quem se incumbiu de espalhar a notícia de plágio foi o Captain Beefheart, em várias entrevistas em Los Angeles. Posteriormente, Richards desmentiu essa acusação em sua ótima entrevista no ROLLING STONES. O álbum vai ser produzido por Glyn Johns, o engenheiro de som perfeito dos Stones.
O segundo LP, que será lançado dois dias antes do início da excursão se chamará Eat It. O título é antropofagicamente tentador e, segundo Jagger, de certo modo, engloba o significado das 20 faixas (o LP poderá ser um álbum duplo).
Com todas essas transas programadas para 72, os Stones pretendem apagar da cuca dos seus antigos admiradores a imagem adocicada que lhes serviu para conquistar as novas gerações. Esta imagem, no fundo, representava apenas uma auto-ironia, uma auto-gozação dos "marginais do rock inglês". Beirando a faixa dos 30 anos, eles sabem muito bem que o humor e a ironia são as armas ideais para atravessar essa nebulosa década de 70.
*Artigo não assinado, originalmente publicado na Revista Rolling Stone Brasil [aquela piratuda], em 15 de fevereiro de 1972. Incrível como completa o meu post anterior sobre as fotos históricas de Jagger, não? Mais incrível ainda o olhar setentista sobre a questão do comportamento rock n' roll e de todo o marketing hoje tão banalizado sobre o business todo. Agora, o mais incrível de tudo é a notícia de que o discaço "Exile on Main Street" se chamaria "Eat It". Artigo publicado enquanto a banda estava no olho do furacão com as gravações. Impagável!
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