sábado, 27 de março de 2010

Temos todo o tempo do mundo: Renato 50

O Recanto Paulo da Cruz era um sítio de 2 hectares cheio de patos, galinhas, girinos e pássaros (eventualmente, cobras d´água) localizado em Mairiporã, alguns quilômetros depois dos limites municipais. Nosso colégio de freiras era muito bom de bola e destinava parte de nossas mensalidades para a manutenção do Recanto, onde tínhamos aulas de ensino religioso, praticávamos esportes e fazíamos expedições heroicas pel caixa d´água regional. O Professor Gabriel votava no PT, dava aulas de História, tinha trocentos filhos e cuidava do Recanto quando não se encostava no balcão do bar em frente à escola. O Tio Toninho usava bigode, era barrigudo, também tinha trocentos filhos e era dono da empresa de transporte escolar.

Meu objetivo na vida era liderar a emocionante vitória da 6ª série C nas olimpíadas escolares e bater todos os recordes na competição interestrelar interclasses sobre a arrecadação de prendas para a festa junina de 1996 (além, é claro, de planejar minha medalha de ouro no handball das olimpíadas de 2004, descobrir a cura da Aids e ser uma estrela do rock nas horas vagas quando eu crescesse). O prêmio: um dia de completa esbórnia cristã no Recanto Paulo da Cruz, sob a batuta do Professor Gabriel e os pés cheios de lama no ônibus do Tio Toninho.

O Tio Galinha tinha esse apelido porque era rouco. Mais rouco que a gente quando voltava do Recanto. Ele trabalhava para o Tio Toninho e costumava dirigir em ziguezague pela rodovia até o Recanto. No caminho, a molecada cantava, berrava e se esgoelava com todo o repertório de hits da Legião Urbana, sabendo todas as letras de cor. De vez em quando, abríamos as janelas berrando trechos de Eduardo e Mônica com as cabeçonas prá fora, enquanto o Professor Gabriel passava esbravejando, puxando todo mundo prá dentro pelas camisetas. Depois fazíamos tudo outra vez.

Renato Russo morreu naquele ano e eu nunca mais tive paciência pra Teatro dos Vampiros, Pais e Filhos, Que País É Esse? e outras dores de barriga do rock nacional. Dado VillaLobos e Marcelo Bonfá, juntos, não dão meio Herbert Viana ou Roberto Frejat, só pra ficar no mais óbvio. Mas de vez em quando bate um arrepio, um vento nostálgico, uma emoção acanhada pelo clipe onde aparecem Lennon, Wilson, Curtis, Morrissey, Jagger e Richards: somos tão jovens.


4 comentários:

Wagner Miranda disse...

Engraçado pensar nesses caras tantos anos depois. A banda que um dia foi tida por alguns como "a maior banda do rock nacional dos anos 80" hoje é guilty pleasure de muita gente ou é considerada relevante por letras acima da média e medíocre em termos musicais (Carlos Trilha também teria culpa no cartório).
É bom olhar para trás e reconhecer que, independentemente do que eles tenham representado para mídia e a legião de órfãos de toda espécie que entoavam suas canções como hinos, eles fizeram e ainda fazem parte de nossas vidas.
Missão cumprida, Sr. Manfredini. E obrigado por ter escrito "Giz". =P

Diego M. Fernandes disse...

É aquela coisa, são eternos enquanto duram e ainda mais eternos uma vez que existiram. Não sou fã, mas independente disso há de se reconhecer que fizeram sua lição de casa bem feita.

Aline disse...

Não gosto do fanatismo exacerbado que cerca o Legião, ou Renato Russo. Mas temos que dar o mérito pros caras, marcaram uma geração, você gostando ou não.

sil hutch disse...

Isso me lembra que eu fiz uma revista em quadrinhos de "16". Fantástico, revolucionário, eu tinha poucos anos. Preciso scanear in memoriam.