sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

In all that exists, none have your beauty*


"Amou Michael Hutchence sobre todas as coisas, até que viu um cabeludo bonito de verdade no metrô", diz o primeiro trecho da biografia de Renata D´Elia, por Aline Marcelino (Ed. Madness, São Paulo, 2040). Foi assim por muito tempo: melhor fantasiar de verdade ao invés de pensar nas espinhas, nos aparelhos ortodônticos e nas canelas finas por trás dos uniformes azul royal. As adolescências são mesmo cruéis. Os primeiros beijos, por exemplo, (desculpaí, Guilherme) nunca tiveram o mesmo gosto de Michael. E aquele dia, já contei? Era um homem lindo. Vestia camiseta branca e exibia na testa belos óculos como tiara, domando para trás uma multidão de caracóis. Em 1998, Marcelo Sallas & Iván Zamorano eram os únicos machos do mundo com autorização moral para o uso de tiaras e, mesmo assim, sem caracóis. Mas aquele era um homem lindo, castanho, e levemente estrábico; possivelmente míope como Michael, ou então, eu era mesmo muito desajeitada naquele uniforme azul royal. O persegui siderada por todas as estações, sempre a dois bancos de distância, fora da linha, até correr seguindo as placas da saída e meter a cintura com toda a força na catraca quebrada e quase voar pelos transeuntes do Brás, enquanto o homem lindo sumia na multidão. (Capítulo 1: Cabulando as aulas de Física).

As adolescências são cruéis, é o que dizem.

Teve também aquele altão magrelo que fumava sem parar no saguão do Transamérica. Era 2001. E eu, que era nitidamente mais bonitinha com qualquer outra roupa que não fosse um uniforme azul royal. Minhas pernas bambeavam e meu corpo hesitava de pé como um carro alegórico numa passarela de nuvens (já fiz frases melhores, admito), mas corri pelas escadas e cantos até chegar à primeira fila do teatro escuro, e veja só: possivelmente o último intelectual paulistano cabeludo. Óculos de armação preta, pose de superstar e essas coisas que não se fazem mais como antigamente, especialmente na São Paulo andrógina das Augustas tristes. Como eu disse, era levemente estrábico, mas não míope. Ele era Hutchence, eu era Minogue. E aquele joelho enorme se esbarrando no meu quando ele sorria. Daí aparecem as adolescências cruéis. Nunca mais tive uma cegueira branca ao acender das luzes. Da poltrona direita, o irmão da amiga segurava de leve a minha mão. Eu disse apenas: "Fabio, não". (Capítulo 2: O Cupido Estrábico. Ou Míope, como Michael.)

E eu que achava que para sair na Austrália, bastava cavar um buraco muito fundo. Por muito tempo eu tentei.





*Para Michael Hutchence, que nasceu há 50 anos, do outro lado do mundo.

9 comentários:

sil hutch disse...

Eis as viúvas de Hutchence, tentando encontra-lo em outros abraços, corpos - e copos, oh meu Deus. Podia ter partido até mesmo aos 50, que a falta seria a mesma: eterna.
Nesse aniversário, para Michael Hutchence nada. E para o mundo, mais Michael Hutchences.

Fernando Niero disse...

Seu blog é quase um diário ao contrário, fragmentos de uma auto-biografia, conversa de boteco no nível da literatura.

Leninha disse...

esse cara tinha um não sei o quê...
não era o cabelo, o olhar, a voz... era o conjunto... imagino como ele seria hj, 50ão... saudades!

Camila S. disse...

Ah, a adolescência... Que fase! Mas o melhor é que passa, tirando o fato de que sempre perseguiremos mocinhos lindos no metrô, ao menos com o olhar, e nossos joelhos esbarrarão provocando arrepios em teatros escuros.

Ah, não sei se isso interfirirá na sua avaliação da minha pessoa, mas, além do Sol em Virgem, o quase Leonismo e o Vênus em Libra, meu ascendente é Escorpião e minha lua em Áries. Desilusão?rs

Renata D'Elia disse...

Camila: stellium em escorpião é comigo mesmo. Toca aqui! =D

Unknown disse...

Adorei a homenagem, merecidíssima! Viúva dos 80's? É, acho que sou um pouco sim. Vai ver é por causa da idade chegando... :)

Camila Hungria disse...

o único comentário possivel, na minha opinião, é que estou sem comentários. Não há mais homens como antigamente... São 2 da manhã e hoje eu vou dormir feliz, muito bem acompanhada do lindo Hutchence!

Renata D'Elia disse...

Aê, Camis! Hahahaahh!

Unknown disse...

Giselle e Renata,

Não somos viúvos dos anos 80. A mal falada "década perdida" dos economistas produziu maravilhas culturais que os anos 90 e 2000 não acompanharam. Prova são as bandinhas de hoje, com garotos que manjam muito dos instrumentos, mas não sabem criar e fazem sucesso com novas versões de Fabio Jr. e Paulo Ricardo (dois cabeludos de antigamente como vocês gostam)

Eu que sou careca, tive sucesso dançando com algumas meninas ao som de By my side. Valeu Michael.

Leonardo Reis Santiago