domingo, 17 de fevereiro de 2008

Confissões de adolescente

Aos 4 eu não gostava da Xuxa, gostava do Bozo. Mas aí ganhei um LP do meu tio Nelo - Xou da Xuxa 3 -, no meu aniversário de 5 anos, festinha decorada com motivos da Turma da Mônica. Eu também não gostava da Mônica, preferia a Magali. Devido às pressões sociais me tornei uma criança flexível e assisti com meus primos a uma gravação do programa da Mara Maravilha, no antigo estúdio do SBT da Avenida General Ataliba Leonel.

Também não gostava de pentear o cabelo, mas devido às pressões sociais dava um jeito na maçaroca antes que alguém inventasse algum apelido boçal no chiqueirinho da perua escolar do Tio Celso, onde respondi a processo por atentado ao pudor por observar os bilauzinhos de André, Daniel, Bruno e Júlio César respectivamente. Pelo menos o mundo evoluiu e hoje em dia posso despentear a minha juba cogumélica em paz.

Aos 6, o sítio do patrão da Elizete. Meu pai bebia cerveja, jogava sinuca e saía para caçar jaguatiricas com os parentes cafonas da mulher dele. E eu tinha horror a cigarros e observava as unhas vermelhas descascadas daquelas semi-peruas "do lar" que ouviam Chitãozinho & Xororó abraçadas a seus maridos. Depois dormia triste com medo do escuro, deitada num travesseiro de fronha quadriculada. Nessa época também inventei 5 foguetes e fui a primeira mulher presidente do Brasil.

Minha prima Fernanda, nascida em 1988, arranhava minhas costas, me batia, pegava minhas bonecas, meus carros da Barbie, e um dia arrancou a perna do meu Ken preferido. Apesar disso tudo, gosto muito dela... que tem assim um baita muque e é 13centímetros mais alta do que eu.

Vivi no mundo da lua até os 8, quando a Prô Marlene disse pra minha mãe que eu era uma aluna aérea. Mas repetia, todas as sextas, no horário da morte de Cristo, a mesma oração passionista: "Senhor, eu vos agradeço por terdes morrido na cruz pelos meus pecados. Meu Jesus, misericórdia". Andava de uniforme impecável e após fazer o sinal da cruz, dava um beijinho na mão e, com um pulinho, me encostava aos pés do Cristo da rampa do 1º andar. Mudei muito até os 15, quando me expulsaram de lá.

Aos 9 tive piolhos. Beijava a televisão toda vez que Michael Jackson aparecia. "Free Michael", my campaign. Escrevi 15 cartas pedindo para conhecer o Lucas Silva e Silva. Chorei quando Leonardo Kickboxer foi expulso da Copa em 94, e depois fiquei possessa com a bomba-gol do Branco, aquele gordinho feio. Era amor mesmo. Aos 11 virei representante de sala e ganhei a primeira de minhas 5 medalhas de prata no handebol da Olipaulo. Desisti do vôlei ao descobrir que não passaria do metro e sessenta.

Com 12 anos eu escrevia bem, ouvia música bem e não gostava de ir ao cinema por ser hiperativa. Detestava axé, tolerava Ace of Base, ouvia Queen e Led Zeppelin e minha matéria preferida era História. Devido às pressões sociais comecei a frequentar as matinês do Espéria aos domingos de 1997 e, aos 13, fiz um bailinho na casa do João Luiz. Fiquei com 2 caras e o Fabiano levou um fora da Pétala - depois chorou na rua, em frente ao posto de gasolina.

Aos 14 eu primeiro vi o Bono e depois virei a noite após o show dos Rolling Stones antes de ir prá escola ostentar meu ingresso rasgado, cheia de purpurina na cabeça."Brown Sugar". Sofri bullyng por algum motivo - mas me vinguei. Me tornei a musa do Quiz MTV e ganhei 10 quilos - que depois, foram se espalhando modeladamente pelo corpinho infame. A família D´Elia reprovava meu comportamento e meus tios diziam que na MTV só tinha fumeta e mulher vulgar. Eu queria cursar Comunicação Social e meu pai dizia que isso não dava futuro. Aos 15, ouvi de mamãe: "você é um boi de piranha, Renata". Ainda estou amadurecendo a idéia.

Nos anos seguintes, cabulando aulas com minhas amigas burguesas-maloqueiras, eu já fazia coisas que os adultos faziam, só não tinha contas a pagar. Bebíamos cerveja e paquerávamos os gatinhos nas madrugadas da Brigadeiro Faria Lima, usávamos salto alto e seduzíamos os boyzinhos babacas da Vila Olímpia, subíamos a Serra da Cantareira com o carro em alta velocidade e, em 2001, nos confinamos por uma semana no inverno da Prainha de Santiago, escrevendo na areia, bebendo e jogando coisas uma na cara da outra. Ah sim, devido às pressões sociais eu também tinha um moletom da Polo Ralph Lauren. Mas àquela altura, eu já tinha levado um fora e foi então que eu li Primeiras Estórias, Dom Casmurro e A Hora da Estrela.

* Renata D´Elia ganha prêmios no chuveiro desde 1995. E esse texto ela dedica à Lucrecia Martel e Sofia Coppola.