quarta-feira, 2 de maio de 2012

Rufus, querido, sou sua fã!


Em tempo: me arrependo e bato na boca três vezes. O Rufus Wainwright não é nada disso que eu dizia antes de ouvir "Out Of The Game", que sai essa semana e tem streaming gratuito no NPR. Não, não é um mala afetado canadense paga-pau de Leonard Cohen e com performance exagerada, flertando com aquelas divas meio encafonadas da velha Hollywood. Tem lá seus maneirismos de Freddie Mercury -- é leonino -- mas e daí? Junta o melhor do Elton John com arranjos vocais caprichados para cantoras negras (aposto) e uma fusão de cabaré com ópera junto com pop, rock e soul trazido à tona pelo produtor Mark Ronson, o mesmo de Amy Winehouse. 

O instrumental é riquíssimo, camadas e mais camadas de notinhas caprichosas. Repare por exemplo nos metais de "Welcome To The Ball" ou no clima surreal de "Montauk", que vem dos grandes musicais para se juntar à grande canção lúdica e ganha até toques eletrônicos de pista de dança gay nos anos 1970, a exemplo da faixa seguinte, "Bitter Tears".

Mas boa mesmo é a sequência de 4 músicas na abertura, desde a faixa-título (olha quem tá no clipe) até os violinos alá Tom Jones em "Jericho", baixos grooveados, e a melodias indefectíveis e cheias de drama de "Rashida" e "Barbara". Outros achados são "Perfect Man", com suas guitarras sessentistas, e "Song Of You", balada meticulosamente derramada: posso imaginá-lo completamente entregue como crooner numa dessas.

É música com pompa, cores, escândalo e deleite. É o céu, um dos discos do ano. A gente tem é que comemorar. Viva o Rufus! (E tragam as taças). 


Norah & Sinéad



Dois pés-na-bunda e duas forças uterinas originaram bons discos de artistas antagônicas em temperamento e estilo nesses primeiros meses de 2012. 

Onze anos depois de tornar-se a queridinha dos über-cools e cosmopolitas de todas as idades com seu álbum de estreia, "Come Away With Me", Norah Jones se afasta gradualmente dos commoditys instantâneos do soft jazz e flerta com o pop e o country-rock nas 12 faixas de "Little Broken Hearts", lançado ontem. Menos reflexivo que o anterior "The Fall" (2009) e igualmente produzido pelo badalado Danger Mouse, o disco se equilibra bem entre baladas doloridas & bilhetes amargos ("She's 22", "Take It Back"), oscilações entre o passado e o futuro ("After The Fall" -- trocadilho com o título do álbum anterior) e pequenas pérolas sobre a vingança feminina e a coragem de virar a página ("Happy Pills" -- sensualizando no clipe abaixo -- e "Out On The Road"). Ousando pouco e sem avançar por uma estética mais inventiva, a sonoridade emplaca sem tropeços com arranjos elegantes. Fecha redondinho, vai direto para o iPod e acompanha suas dores de cotovelo de mulher moderna e descolada com formato anatômico, sem qualquer desconforto, como aquela velha amiga confidente de todas as horas. A única revolução aqui é o I'M GONNA GET YOU OUT OF MY HEAD (que já tem um exorcismo e tanto, né colega?). 

Sinéad O'Connor frequenta caminhos sombrios e luminosos em "How About I Be Me And You Be You?", tão bipolar e visceral quanto ela própria. Vai mais fundo que Norah -- mas aí depende do seu gosto por cantoras gritalhonas. (Milênios de cultura celta, séculos de opressão católica irlandesa e décadas de traumas familiares nas costas têm que fazer alguma diferença). O disco mistura faixas de apelo pop com ataques frontais ao Papa, a Bono e aos amores perdidos (em "V.I.P.", sobretudo). Em "4th And Vine", numa levada festiva de bandolins, ela tira a sorte grande, veste pink, bota um salto alto e vai ao encontro de um cara incrível. Mas quando chega a "Take Off Your Shoes", esse imbecil já deu no pé e ela está "derramando o sangue de Jesus" sobre ele. Engraçado que faixas como "I Had a Baby" tragam um clima equivalente ao das faixas pós-maternidade de Madonna no "Ray Of Light" (1998) -- só que com muito mais garganta -- embora Sinéad não assuma a referência (Jung explica). Outros destaques ficam com "Old Lady" e "The Wolf is Getting Married", que resgatam guitarras dos discos dos anos 1990. Dizem que ela é perigosa, mas não há nada mais vital nesses tempos de facas sem serra, roqueiros de Lacoste e corações sem fúria.