sexta-feira, 5 de agosto de 2016

O ciclo olímpico

No dia da abertura dos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012, eu estava apaixonada. Assisti parte das competições debaixo do edredom num quarto de hotel apertado no Rio de Janeiro, com os pés entrelaçados aos pés de outra pessoa, sem saber se lá fora chovia ou se fazia sol enquanto observávamos a vida selvagem do canário e do beija-flor pelas frestas de uma persiana vermelha. Comida e banho só existiam em breves intervalos e sem que a distância entre nós superasse o equivalente a uma régua de poucos centímetros, de modo que nossos elétrons giravam rapidamente em torno de um único e poderoso núcleo invisível para nossas retinas verdes e castanhas. Olimpicamente, concordávamos muito e assistimos a todos os jogos de vôlei evocando a presença de espírito de Marcia Fu. Era sofrido, mas era bom. Medalha de ouro! Bastava que puséssemos os pés na rua para que começasse um quebra-pau sinuoso pela geografia da zona sul. Era dos extremos. Nosso lugar era muito datado, muito cíclico, muito específico e muito intenso. But the times, the times are a-changing. Os jogos, hoje, são outros. 

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Azul é a cor mais quente, jovem e bela

Por razões aleatórias, revi no fim de semana dois filmes franceses que completam 3 anos e estão centrados na descoberta da sexualidade e na adolescência: o polêmico e premiado "Azul é a Cor Mais Quente", de Abdellatif Kechiche, e "Jovem e Bela", de François Ozon. É possível traçar vários paralelos superficiais facebookianos entre as duas tramas, a começar pelo modo que cada protagonista vive sua sexualidade e suas relações com suas famílias, amigos, mulheres e homens. Daqui pra frente, o post tem spoilers.

No primeiro filme, Adèle (Adèle Exarchopoulous) está tomada de cabeça, coração, mente, violência e paixão por Emma (Léa Seydoux) enquanto parte o coração de um colega de escola. Ela e seus colegas de liceu discutem literatura e falam de poesia francesa. São esses mesmos colegas que desfilam contra ela os primeiros sinais de crueldade e preconceito quando o segredo de Adèle vem à tona. É com alguns deles que ela comemora seu aniversário numa festa solar ao som de "I Follow Rivers", de Lykke Li.

Adèle transita sem pertencer direito nem à família operária de origem, nem à família burguesa e culta de Emma. Elas comem comida como fazem sexo, sendo que elas comem muita comida e fazem muito sexo. É menos jogo e mais a profundidade da relação -- inclusive quando ela acaba. Trata-se de um erotismo sem pudores e inocentemente guiado pelo instinto e pela volúpia que, talvez por isso, tenha despertado a fúria e as críticas de certos legisladores -- e legisladoras -- do desejo alheio. (O moralismo, afinal, não tem orientação sexual).

No segundo filme, Isabelle (Marine Vacth), também comemora seu aniversário numa festa solar de um balneário francês. Nas mesmas férias de verão, perde a virgindade num ato mecânico e pouco empolgante com um jovem -- e belo -- turista alemão. De volta a Paris, começa a se prostituir com homens mais velhos, mesmo sem qualquer motivo aparente ou necessidade financeira. Isabelle é fria, não está apaixonada por ninguém. Na escola, onde ela e seus colegas seus colegas discutem literatura e lêem poesia francesa, ninguém desconfia. Na festa da turma, ela dança ao som de "Baptism", do Crystal Castles.

O turning point que leva a família a descobrir os segredos de Isabelle também entregam o mix de sedução, competição, perversidade e pulsões subconscientes entre ela, a mãe, o padrasto, os amigos da família, o irmão mais novo -- personagem e tanto! --, o psiquiatra. Aparece também, assim como no filme de Adéle, a figura do apaixonado e doce colega de escola que aqui também não desperta grandes interesses. Mas ele insiste.

Prefiro não comentar sobre a presença final de Alice, encarnada pela estonteante, bela e já velha Charlotte Rampling diante Isabelle numa quase "cena do crime".

Adèle e Isabelle, uma sofrida e outra anódina, são ambas garotas deslocadasde seus meios e precoces em suas experiências extremas. Uma parece pura, a outra parece perversa. Nos dois casos, as câmeras não julgam. Os roteiros não respondem como é que elas vão sobreviver a partir dali, que tipo de mulheres adultas se tornarão.

"Ninguém é sério aos 17 anos", diz o poema de Arthur Rimbaud sobre um amor de verão e o mês de agosto, abaixo em cena de "Jovem e Bela". Nunca dá pra saber, porém, exatamente onde e quando finda a beleza, a seriedade ou o desejo. Há também adolescências que reverberam e nunca terminam.